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Observamos até aqui uma convergência dos teóricos no que diz respeito à admissão da centralidade da mídia enquanto fórum de discussão pública na contemporaneidade. Por outro lado, estes mesmo teóricos se dividem quando a questão é se a comunicação mediada apresenta mais vantagens ou desvantagens para os embates discursivos.

Aqueles que dão ênfase aos problemas éticos presentes na cobertura mediática destacam, entre outras coisas, a questão da parcialidade das coberturas, da baixa qualidade da informação política, do privilégio às fontes de informação específicas, dos enquadramentos preferenciais e dos prejuízos às perspectivas patrocinadas pela esfera pública (MARQUES; MIOLA, 2010, pp. 12 a 15).

50 Por outro lado, o campo que se empenha em destacar as vantagens da comunicação de massa para a constituição de uma esfera discursiva ressalta o potencial que os meio possuem de funcionar enquanto provedores de informações em larga escala, de atuar na formação de opiniões, na promoção de debates e na fiscalização das atividades do campo político.

Em todo caso, na tipologia proposta por Marques e Miola (2010) há pelo menos três formas de se abordar a interface entre a deliberação pública e a comunicação de massa. A primeira abordagem encampa uma análise instrumental dos meios destacando o seu papel enquanto ferramenta de promoção da visibilidade de fatos relevantes à discussão pública, como é o caso, por exemplo, das propagandas eleitorais gratuitas ou ainda da atuação das emissoras estatais (TV Assembléia, TV Câmara , TV Justiça e etc).

A segunda abordagem destaca o papel dos media enquanto provedores de insumos informacionais. Neste ponto ganha ênfase a discussão sobre a objetividade e imparcialidade das coberturas jornalísticas, uma vez que, os veículos de comunicação têm um acordo a cumprir com o público leitor/ouvinte/espectador: produzir informações verdadeiras (ou o mais próximo disso). Esta condição ética responde à própria sobrevivência das empresas de comunicação, uma vez que a “moeda de troca” entre estas e os consumidores é a legitimidade da instituição.

A terceira e última abordagem analisa os media a partir da constatação de que eles próprios são agentes dotados de interesses e posições no debate público. Assim compreende-se que, de maneira explícita ou não, os meios de comunicação de massa ou as instituições de comunicação atuam de acordo com seus interesses e fazem prevalecer muitas vezes uma única visão de mundo.

Enquanto agente, a comunicação de massa não medeia interesses oriundos de campos que lhe são externos (como o da política ou o da economia, por exemplo); por outro lado, a sua atuação acontece no sentido de garantir retornos positivos para as próprias instituições da comunicação de massa. (MARQUES; MIOLA, 2010, p.19)

Na confluência destas três abordagens localiza-se o debate sobre o papel dos meios. Atuando enquanto instrumentos, agentes informativos ou mesmo instituições dotadas de interesses, eles se configuram como “arena de debates” (MARQUES; MIOLA, 2010, p.20) fomentando a discussão de questões de interesse público, formando opiniões e em última instância, influindo diretamente nas decisões do campo político.

51 No próximo capítulo, avançamos no sentido de compreender como nosso objeto, o programa de rádio “Todos os Sentidos”, se coloca enquanto espaço de inclusão das Pessoas com Deficiência na mídia. Faremos uma caracterização do programa do ponto de vista formal/técnico e também político/ideológico, de maneira a nos aproximar de uma resolução para as questões colocadas.

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Capítulo 3: Todos os Sentidos, no ar para dar voz às Pessoas

com Deficiência

O “Todos os Sentidos” é um projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) vinculado ao Departamento de Letras Estrangeiras. O projeto, criado em 8 de janeiro de 2003, consiste na produção e veiculação semanal de um programa de rádio homônimo. Ele vai ao ar pela Rádio Universitária FM 107, 9, às quartas-feiras, de 14 às 15 horas. Segundo o idealizador, apresentador e produtor Henrique Beltrão, o programa “visa dar voz às pessoas com deficiência8”.

Nesta linha, abre os microfones semanalmente para as PcD, os familiares e especialistas (médicos, psicólogos, educadores e etc). A equipe de produção do programa é composta pelo coordenador, pelas duas bolsistas, estudantes de Comunicação Social e pelo operador de áudio. O trecho abaixo no qual o locutor se dirige aos ouvintes traduz o objetivo maior do programa:

A gente busca nesse espaço poético-radiofônico de encontro com você fazer o que alcançamos na construção de num mundo mais justo, mais belo e mais sensível à beleza, em que todos nós pessoas com deficiência ou supostamente normais tenhamos lugar para estudar, trabalhar e para sentir prazer, sonhar e se realizar. (Transcrição de trecho do programa veiculada ao vivo em: 13 de janeiro de 2010 às 14h pela Rádio Universitária Fm 107,9)

Segundo relato do professor, poeta e radialista Henrique Beltrão, o projeto nasceu do convívio com uma pessoa surda. Por isso, inicialmente, a proposta era produzir um programa de rádio para esse público. A “audição” pelos surdos seria possível pela tradução feita para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) por profissionais intérpretes nas instituições de educação especializada da comunidade surda. A princípio, o programa funcionou seguindo esta perspectiva, mas logo nos primeiros meses nasceu a necessidade de ampliar a pauta e o público alvo do projeto. A partir de então, o programa aborda questões relacionadas às mais diversas deficiências

53 e ainda abrange outros temas relacionado aos direitos humanos e à saúde (diabetes, hipertensão, doação de órgãos, dependência química). O trecho abaixo resume em linhas gerais a ideia do programa:

Todos os Sentidos, um programa de rádio em que a palavra é dos surdos, dos cegos, dos

autistas, dos esquizofrênicos, das pessoas com síndrome de Down ou paralisia cerebral ou amiotrofia espinhal, enfim, dos cidadãos e cidadãs com deficiência motora, sensorial ou mental – eis o caminho compartilhado por nós a cada encontro transformador e inquietante, em que as dúvidas e perguntasnos despertam, os preconceitos nos desafiam, a indignação, a ética e a estética nos inspiram, em que não só os direitos, mas também a alegria, o prazer, os talentos das pessoas com deficiência estão em pauta. (ALVES, BELTRÃO, MOURA. Agenda do portador de eficiência 2009; grifo do autor)

A única fonte de recurso que o “Todos os Sentidos” possui são as duas bolsas concedidas pela pró-reitoria de extensão da UFC aos estudantes que trabalham na produção do programa. Desta forma, com uma perspectiva que se afasta dos interesses comerciais, o programa dificilmente teria espaço numa emissora convencional. Por isso, consideramos relevante inserir na apresentação do objeto uma reflexão breve sobre o ambiente onde o programa se concretiza, que é a Rádio Universitária FM.

A Rádio Universitária FM foi fundada em 1981. A emissora funciona numa parceria entre a UFC, através do Núcleo de Divulgação em Radiodifusão de Programas em Extensão da UFC, e a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC), conforme o site9

institucional. Por ser uma

rádio universitária, a emissora carrega a responsabilidade de funcionar como uma ponte entre a Universidade e a sociedade, divulgando os conhecimentos produzidos para além dos muros da instituição.

Além disso, a emissora assumiu também a missão de difundir a cultura produzida no estado. Tal compromisso está contido no slogan “a sintonia da terra” utilizado desde a fundação e ainda hoje marca da rádio. Débora Maria (2009), jornalista, realizou uma pesquisa monográfica sobre os primeiros anos da rádio onde destacou o caráter educativo e mobilizador da instituição.

A intenção de ser uma rádio de mobilização está presente já no regimento da Rádio Universitária, aprovado em 1980 pela Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC)

54 – entidade privada à qual a Rádio é formalmente ligada –, e se traduz, em grande parte, no caráter de emissora pública e educativa:

Art. 3º. A emissora dedicar-se-á, sem finalidades comerciais, a uma programação de caráter sócio-educativo-cultural, perseguindo, sobretudo, os seguintes objetivos:

a) estimular, na Comunidade, a memória e o registro das manifestações culturais do Ceará, no intuito de gerar soluções criativas para a resolução dos problemas comunitários, em consonância com a tradição cultural;

b) provocar, na Comunidade, por meio da informação e do debate crítico, sobre os problemas que a afligem ou os eventos a que ela assiste, atitudes de reflexão e criatividade que a induzam a mudanças de comportamento;

c) prestar à população, principalmente à carente sob o prisma sócio-educativo, informações sobre técnica e condutas de utilidade social, produzidas com a orientação de especialistas das Instituições de Ensino Superior do Estado Ceará. (FCPC, 1980 apud MEDEIROS, 2009, p. 30)

Esta caracterização inicial nos permite localizar o nosso objeto num campo de pesquisa e atuação diferente dos programas radiofônicos veiculados nas emissoras tradicionais ou comerciais. A base conceitual do “Todos os Sentidos” está construída em torno de dois pilares: a educação e a relação democrática e participativa com os ouvintes / colaboradores. Nos primeiros tópicos deste capítulo, faremos uma incursão mais conceitual em torno destes dois pilares para posteriormente descrevermos o programa do ponto de vista mais técnico / formal.