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Condições de visibilidade e desigualdade deliberativa: limites para o estabelecimento de esferas públicas plurais nos mass media

Uma das condições primordiais para o estabelecimento de uma esfera pública capaz de produzir interações discursivas legítimas é a publicidade. Em sentido estrito, o termo remete à qualidade do que é público. Na sociedade atual, como observamos até aqui, as instituições de comunicação constituem um espaço central de promoção da visibilidade de fatos, pessoas e discussões. Ancorados nesta realidade, poderíamos incorrer numa conclusão apressada de que a mídia, cumprindo a condição de publicidade, constitui, por excelência, a esfera pública contemporânea.

Porém, um olhar mais cuidadoso lembra-nos que as condições de visibilidade dos atores sociais situados no centro do sistema político e dos cidadãos integrados à esfera civil propriamente dita são bem desiguais, o que acaba por desnivelar as oportunidades de participação da esfera pública política mediatizada.

(...) políticos e representantes do governo têm maiores chances de expressar seus interesses no espaço de visibilidade midiática, a fim de apelar para o apoio público à implementação de políticas públicas, ou para a aprovação de emendas pelo corpo parlamentar. Mesmo a rotina diária da produção de notícias está intimamente relacionada ao centro do sistema político, favorecendo a proposta de uma “agenda política governamental” na mídia (Norris, 2000, p.26; Meyer, 2002). Contrariamente a isso, grupos da sociedade civil não possuem chances iguais de ter acesso aos canais da mídia a fim de tornarem conhecidos seus interesses, valores e preferências. Eles não possuem organização suficiente, recursos econômicos e logísticos para lidar com as organizações da mídia (MAIA, 2006, p.160)

Além disso, lembramos que a segunda condição essencial à definição da esfera pública deliberativa é a discutibilidade. Sobre isso, são bastante recorrentes as análises que identificam a relação dos meios de comunicação e as elites políticas e econômicas, de modo a demonstrar que a discussão forjada nesses meios atende a interesses ulteriores e por isso não cumpre as condições

42 de racionalidade. Esta perspectiva encara o papel dos mass media como “manipulação unificada, ou como porta-vozes diretos de interesses particulares” (GOMES; MAIA; 2008, p.175)

Estabelecendo-se um paralelo entre as desigualdades políticas e comunicativas no terreno dos media, podemos dizer que os públicos fracos possuem desvantagens de assimetria de poder, a qual afeta a oportunidade de acesso aos canais dos meios de comunicação de massa; de desigualdade deliberativa, que dificulta a utilização efetiva das oportunidades de expressão (por exemplo, a posse de vocabulário para expressar suas necessidades e perspectivas conforme a gramática dos veículos. De pobreza política, que diz respeito à falta de capacidades públicas desenvolvidas (por exemplo, a habilidade de articular argumentos politicamente relevantes, a fim de serem considerados pelos demais (MAIA, 2008, p. 183)

A pesquisadora Maria Céres Pimenta Spinola Castro (2006) explica a relação dos meios de comunicação e as elites econômicas a partir da perspectiva da cultura política brasileira que historicamente subsumiu a esfera pública à esfera estatal. Isto revelou não uma forte presença do estado nos moldes Keynesianos, mas, paradoxalmente, implicou na predominância dos interesses das elites nas estruturas estatais fazendo emergir práticas clientelistas e de fisiologismo. Desta forma, a relação promíscua entre a esfera privada e a estatal “dificultava enormemente que se constituísse de forma clara e visível, o interesse comum, público, no sentido republicano do termo” (CASTRO, 2006, p. 142).

A partir deste movimento assistimos a uma desqualificação da política e seus instrumentos e atores nos discursos midiáticos que acaba repercutindo no interior da sociedade:

Observa-se nos variados meios de comunicação, uma versão desqualificadora da ação política na qual percebe-se o risco de “se jogar fora o bebê, junto com a água do banho”. Ou seja, a crítica concreta e pertinente aos desvios da prática política articula-se com a matriz de sentido presente na vida social que reduz toda ação política a esses desvios. O conservadorismo social, os traços autoritários da nossa cultura política, a permanente despolitização das relações de mando e de dominação da vida social – produzida pelos anos de arbítrio e de repressão da ação política e pelos séculos de desigualdade, exclusão e injustiça – acabam por serem reforçados em função do tratamento apressado e superficial que, muitas vezes, a política, a cultura pública, os serviços prestados pelo Estado recebem na cobertura cotidiana dos media. (CASTRO, 2006, pp. 143 e 144).

Neste contexto, a mídia enfraquece a constituição de uma esfera pública na medida em que se coloca como “cão de guarda” dos cidadãos assumindo a posição de vigilante das instâncias do Estado e dificultando a participação direta da sociedade civil nestes fóruns, como discutimos acima. Avritzer e Costa (2006) expõem este duplo papel:

43 Por um lado, os processos recentes de concentração da propriedade e os mecanismos historicamente prevalecentes na distribuição de licenças de operação nos força a reconhecer que a mídia molda um campo no qual formas tradicionais-populistas de conquista de lealdade se mesclam a novas estratégias de conquista de apoio das massas. Mas, simultaneamente, os meios de comunicação apresentam um conjunto de câmbios positivos para a expansão da democracia. Não há duvida de que o campo da esfera pública controlado pelos meios de comunicação mostra relativa porosidade para absorver e processar os temas colocados pelos atores da sociedade civil. (AVRITZER; COSTA, 2006, p.82)

A questão que se coloca é: as diversas variáveis intervenientes no discurso midiático, que vão desde a rotina de produção, levando em consideração as especificidades de cada meio, até as pressões de grupos político e econômicos, excluem por completo o potencial dos mass media enquanto espaço de discussão e formulação da opinião pública?

Uma outra perspectiva aponta para a manutenção da argumentação na esfera pública contemporânea. Essa linha de pensamento compreende os limites e tensões da esfera pública midiática, mas ainda defende suas possibilidades argumentativas. Nessa perspectiva,

a esfera pública não se converteu integralmente a uma lógica da exibição, orientada para o entretenimento e, portanto, pouco afeita ao debate de idéias. As negociações entre política e comunicação de massa implicam vários graus de compromisso, mas não se pode falar de capitulação da primeira à força do sistema dos meios de massa (GOMES; MAIA; 2008, p.131)

Seguindo esta direção, Maia (2008) aponta que a mídia opera na fase de pré-estruturação da esfera pública política e não propriamente como o espaço central deliberativo. Constitui pré- estruturação por dois motivos: a) por possuir um público não-simultâneo e difuso e b) por causa do volume informativo denso e diversificado e da impossibilidade de se determinar, a priori, o modo como se dará a recepção. Com relação a primeira razão, Maia nos diz: “A produção midiática é, por definição, elaborada para um público difuso, diversificado e potencialmente ilimitado, e que gera, consequentemente , uma interatividade diferida/difusa no tempo e no espaço. (GOMES; MAIA; 2008, p.173. Grifo da autora).

O segundo motivo está ancorado nas Teorias Recepção, campo de estudo crescente na América Latina que vem reiterando a impossibilidade de estabelecer previamente os efeitos da mensagem sobre o receptor. Para esta corrente ou campo de estudo, as experiências de vida, as

44 interações sociais e as condições sócio-econômicas do receptor são fatores que vão influir no modo como estes reelaboram as mensagens midiáticas.

2.3. Esfera pública comunicativa e para além do reconhecimento: as análises de Iris