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“Afinal, que(m) é de quem?” O único lugar que faria essa pergunta parecer sem sentido é a nossa casa, o nosso lar, independentemente da posse ou propriedade legal da moradia, até porque uma questão dessa natureza envolve o nosso sentimento de responsabilidade, compromisso e territorialidade (Taylor & Brower, 1985). Mesmo assim, parece que estamos sempre querendo tomar posse de algum outro lugar, tanto no sentido de apropriação do espaço físico, quanto no de tomar para si, dedicar-se, amar, envolver-se emocionalmente. Esta foi a idéia a partir da qual se desenvolveu esta dissertação.

Tantos são os conceitos e termos relacionados à afetividade com o lugar, na literatura em Psicologia Ambiental, que optamos por fazer deles nosso arcabouço conceitual, de modo que, quando os experimentássemos no contexto de Pipa, os resultados certamente caberiam dentro dele.

Além disso, os estudos realizados nesta área se concentram exclusivamente na questão do apego, da existência do vínculo afetivo entre pessoa e ambiente, e, em função disso, há outros inúmeros estudos, envolvendo a quebra desse laço, a existência de múltiplos apegos, o apego disfuncional e outros. Entretanto, considerando que esta seria uma pesquisa exploratória, não poderíamos partir do pressuposto de que as pessoas necessariamente teriam algum tipo de vínculo emocional com o lugar. Desta forma, estudar as relações afetivas com o ambiente, dentro de um contexto amplo de possibilidades, pareceu-nos mais adequado e pertinente, apesar da literatura não abordar a questão dessa maneira, e sim de forma segregada. Uma das razões disto pode estar na escolha dos procedimentos metodológicos empregados, de modo que o estudo da satisfação residencial requer um tipo de abordagem diferente da apropriação do espaço, por exemplo, embora possa haver pontos em comum entre os mesmos.

Se é difícil definir sentimentos, emoções, avaliá-los parece mais complicado ainda, refletindo na diversidade de procedimentos metodológicos encontrados na literatura, na qual se destacam as entrevistas e escalas de apego. Face aos nossos objetivos, optamos pela realização de: 1) observação comportamental, que, embora não tão sistemática, permitiu uma melhor compreensão da fala dos sujeitos a partir da observação de seus comportamentos

e atividades em determinados lugares; 2) entrevistas, que foram o cerne da dissertação, pois as pessoas puderam falar sem amarras, principalmente teórico-metodológicas, sobre sua relação emocional com Pipa, de forma que cada entrevista foi única; e 3) documentação gráfica e fotográfica, que consistiu nos desenhos realizados pelos respondentes e nas imagens utilizadas para caracterizar o universo de estudo. Apesar de consideramos tais métodos e técnicas abrangentes e pertinentes ao corpo teórico adotado, tivemos dificuldades em sistematizar a enorme quantidade de informações significativas e peculiares.

Ainda com relação aos aspectos metodológicos, a estruturação e realização das entrevistas foram complicadas e dispendiosas, começando pela forma de abordagem, através de uma rede de relacionamentos: como cada um possui uma definição para o que é gostar, amar, ser apegado às vezes acontecia do sujeito ter sido indicado, inclusive por mais de um, mas ele próprio negar tal situação, porque sua noção de gostar é diferente da dos que lhe indicaram. Isto ocorreu com o E-04, que declarou não amar, não ser apegado, nem afiliado a Pipa, mas foi considerado na pesquisa, destoando do todo e do contexto estudado. Por outro lado, esse fato evidenciou que, apesar das indicações, as pessoas não demonstraram predispostas a dar respostas esperadas por saberem que tinham sido indicadas, ao contrário, esforçavam-se para explicar como eram seus sentimentos e envolvimento com Pipa, corrigindo, muitas vezes, a explicação do outro(s).

Além disso, o esquema de indicações teve de ser quebrado algumas vezes, retomando de outra matriz, devido à indisposição/indisponibilidade de pessoas. Apesar de não comprometer o objetivo do esquema, o recomeço teve um custo dispendioso de tempo, pois, depois de fracassada a tentativa, às vezes, por mais de uma vez, era que se decidia iniciar por outra matriz, cuja identificação devesse seguir os mesmos critérios: gostar, amar e/ou ser apegado.

Na análise dos depoimentos percebemos que, dos nove conceitos estudados, SR, SC, DL, IL, ISU, AL, AE, SL E TP, três idéias, ou super-categorias, emergiram da definição e relatos dos próprios respondentes sobre sua relação afetiva com Pipa: Amor, Apego e Afiliação, cujas definições congregam elementos de mais de um daqueles conceitos. Com relação ao Apego, definido pela literatura internacional pela existência de vínculo emocional com o lugar, na realidade, esta definição demonstrou estar intimamente associada à atividade econômica que

o sujeito exerce em Pipa, pois 44% dos entrevistados auto-declarados apegados são empresários ou vendedores/prestadores de serviço, ligados ao ramo turístico.

A partir da combinação de tais categorias, identificamos sete tipos de situações emocionais, com as quais os entrevistados estão envolvidos com Pipa: 1) Nenhuma das três; 2) só Amor; 3) só Apego; 4) Só afiliação; 5) Amor e Apego; 6) Amor e Afiliação e 7) Amor, Apego e Afiliação. Curiosamente, não houve respondentes na situação “Apego e Afiliação”; eles estiveram sempre sozinhos, ou acompanhados pelo Amor, sinalizando uma questão a ser estudada futuramente.

Verificamos também que, embora tenhamos desprezado, de início, o critério “ser nativo”, ele foi significativo nos resultados encontrados, já que o envolvimento emocional destes com o ambiente foi relatado de forma muito semelhante; enquanto que para os não nativos isto aconteceu de maneira bastante diferente uns dos outros. Por exemplo, todos os nativos afirmaram amar, ser apegado e afiliado a Pipa, colocando-os na situação 07. Já os não nativos estiveram distribuídos da seguinte forma: 5,26% nas situações 01, 04 e 06; 21,05% na 02; 15,79% nas 03 e 05; e 31,58% na 07. Do total de entrevistados, 56,67% se encontram envolvidos com Pipa pelo Amor, Apego e Afiliação (situação 07).

Ao final da dissertação, constatamos que somos capazes de estabelecer relações afetivas também com lugares de convívio não necessariamente diário, cotidiano, como acontece com os veranistas e estrangeiros, corroborando os estudos de Guiliani et al. (2003), Jonhson (1998) e Vitterso, Vorkin e Vistad (2001). Nesse sentido, perspectivas de pesquisas futuras podem ser vislumbradas, envolvendo múltiplos apegos: “como veranistas e estrangeiros se relacionam com o outro lugar de moradia?”, “como seria o comportamento daquelas categorias?”, “O apego estaria presente em apenas um deles?”, “Ou em ambos?”; ou ainda envolvendo a alta mobilidade da sociedade contemporânea e a capacidade de adaptação do ser humano.

Nesse sentido, Manzo (2003) sugere que se deva abordar novos ambientes, além dos tradicionais residenciais, pois estudos sobre apego a paisagens naturais, por exemplo, podem dar resultados bastante satisfatórios do ponto de vista da sustentabilidade, conforme comprovaram Bricker e Kerstetter (2000, citados por Manzo, 2003), Vitterso, Vorkin e Vistad (2001) e Vickham (2001, citado por Manzo 2003). Eles defendem que o apego a ambientes

naturais significa responsabilidade emocional com a natureza, podendo tornar-se um indicativo de comprometimento ambiental.

Aliás, essa perspectiva de pesquisa, envolvendo uma possível relação entre apego ao lugar e adoção de condutas pró-ambientais, tem se mostrado bastante pertinente ao contexto ambiental atual, além de muito instigante. Segundo Günter et al. (2003), estudos sobre identidade do lugar, apego ao lugar e outros afins, como ambientes restaurativos, são necessários tanto para o bem-estar psicológico dos indivíduos, quanto para a preservação de ambientes e comunidades saudáveis. Por estas razões, uma nova pesquisa no sentido de esclarecer a questão “quem ama cuida?”, aproveitando os resultados obtidos com esta dissertação, poderá ser desenvolvida numa próxima oportunidade.

Por fim, a relação afetiva com lugares compreende uma amplitude de situações, locais e pessoas, de forma que não se pode limitar essas experiências a um único cenário ou corpo teórico-metodológico rígido (Bow & Buys, 2003; Manzo, 2001), mas devam ser contempladas nas várias dimensões da vida humana. De fato, há vários aspectos a se estudar, mas acreditamos que esta dissertação deu sua contribuição no sentido de, atendendo seu objetivo inicial, estudar as relações afetivas com o lugar de moradores de Pipa-RN, tratar essas relações como uma questão de qualidade de vida dos moradores.

Entretanto, dada a amplitude do tema, a necessidade de estudos mais integrados e o desejo em prosseguir uma nova pesquisa envolvendo a adoção de condutas pró-ambientais, decidimos não fechar as malas aqui, mas deixá-las sempre abertas, à espera de uma nova viagem.