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3. Pipa: um lugar no/do mundo

3.2. Um passeio pelo Presente

Após essa terceira descoberta, Pipa iniciou um processo de desenvolvimento rápido e desordenado, afetando os moradores, nativos e veranistas. Uma das primeiras conseqüências dessa transformação foi a mobilização da população local, e de pessoas vindas de outras regiões do país e do mundo, em torno deste filão econômico, o turismo. Logo começaram a surgir pousadas, hotéis, restaurantes e bares, nenhum deles pertencentes aos moradores locais, que não tinham recursos para investir; os que possuíam um pouco a mais, ergueram barracas à beira mar, para prestar seus serviços.

Por muito tempo, Pipa possuiu apenas uma rua, hoje oficialmente batizada de “baía dos golfinhos”, mas popularmente conhecida como “Principal”, que, acompanhando o desenho das falésias, atravessa todo o distrito, sendo cortada por alguns becos e vielas tortuosos. Por dar acesso ao distrito, as construções foram sendo erguidas ao longo da via, resultando na configuração espacial longilínea ao lugar (Figura 13).

Figura 13: Configuração espacial longilínea de Pipa. Fonte: Araújo (2002)

Com a urbanização e o advento turístico em Pipa, a rua Principal foi perdendo seus moradores mais antigos, que venderam suas casas para empresários, mudando-se para áreas mais afastadas do eixo central, consolidando os becos e vielas. Durante o processo de (re)construção urbana do lugar, a própria forma geográfica, com muitas dunas e encostas rochosas, tem se mostrado um obstáculo à ocupação.

Desta forma, aquela rua foi sendo ocupada por estabelecimentos comerciais e de serviços, de modo que, atualmente, apenas uma casa resiste a essa situação e outras duas possuem uso misto, (funcionam como residência e comércio simultaneamente). Mesmo assim, a rua Principal continua num processo de transformação constante, sempre com estabelecimentos novos ou sendo reformados.

Também nessa época, atordoados com a rapidez com que Pipa despontou no cenário turístico, os veranistas começaram a vender suas propriedades, temendo não ter chances iguais futuramente, ou, pelo simples fato de se sentirem invadidos, descontentes com os últimos acontecimentos. Os veranistas que venderam suas casas mais recentemente,

conseguiram uma quantia em torno de R$200.000,00, e até o dobro disto, por uma residência maior, fato que causou arrependimento em quem não agüentou esperar. Coincidência, ou não, todas as propriedades à beira-mar, foram vendidas a estrangeiros.

Em uma delas está sendo construído um edifício de flats, de quatro pavimentos (Figura 14), causando indignação na população local, que protesta com base nos impactos ambientais que uma obra desse porte pode causar na área. Além disso, a menos de 100m, a mesma construtora iniciou outra construção semelhante. Mesmo com a obra embargada, os anúncios de venda permaneciam estampados no local e em jornais de grande circulação no estado, como uma “indicação” que os empresários esperam que tudo se resolva em pouco tempo.

Figura 14: Construção de flats à beira-mar. Fonte: Sâmia Feijó (mar/2004)

Situação semelhante aconteceu numa área em cima da falésia, conhecida com “chapadão” (Figura 15), que foi cercada para a construção de um hotel, restringindo o acesso dos moradores e visitantes, e gerando insatisfação geral.

Figura 15: Chapadão. Fonte: Sâmia Feijó (mar/2004)

A especulação imobiliária é assustadoramente crescente em Pipa, onde as leis que regem esse mercado são internacionais, ou seja, a conversão cambial e o alto poder aquisitivo dos estrangeiros, permitem que eles ditem as normas de compra e venda. De fato, o ramo imobiliário tem atraído muitos estrangeiros à Pipa, uns visando o mercado interno (como no caso dos flats citado acima), outros, de olho nos consumidores de seus países de origem, onde o lucro é proporcionalmente maior. Aqui eles encontram, além dos melhores terrenos, materiais de construção e mão-de-obra a preços baixíssimos, de modo que é bem mais lucrativo vender o empreendimento pronto, agregando valor ao espaço físico do lote.

Essa movimentação em torno do turismo também tem atraído muitas pessoas para Pipa, em busca de trabalho, ou de oportunidade de investimento lucrativo: são pessoas de várias partes do Brasil e do mundo, que passam a engrossar as estatísticas da população local. Dentro desse contexto se encontram, inclusive, estrangeiros com segunda residência em Pipa, passando metade do ano em seus países de origem, e a outra metade no paraíso natural que escolheram. Normalmente, os meses escolhidos para moradia no lugar variam de novembro a abril, quando é verão no hemisfério Sul e inverno no Norte.

Essa concentração de “pedaços” de mundos diferentes é evidente nas ruas de Pipa, através de símbolos, letreiros, artefatos, etc. (Figuras 16 e 17), alheios à cultura e história locais.

Figura 16: Diversidade de culturas convivendo em Pipa. Fonte: Sâmia Feijó (ago/2004)

Figura 17: Diversidade de culturas convivendo em Pipa. Fonte: Sâmia Feijó (ago/2004)

Em meio a esse turbilhão de transformações, a população jovem encontrou novas oportunidades de trabalho, passando a se empregar em hotéis, pousadas, restaurantes. No início, lhes cabiam apenas vagas como garçom e camareiras, mas hoje, há jovens estudando, buscando uma qualificação profissional e já ocupando cargos de confiança, de maior responsabilidade técnica, ou ainda, iniciando seus próprios negócios com o conhecimento adquirido.

Assim, com o desenvolvimento do turismo e envelhecimento da geração de pescadores, a pesca deixou de ser praticada, ou é praticada em pequena escala, de modo que os peixes se destinam ao consumo próprio, ou são estocados, pouco a pouco. A maior parte dos peixes vendidos em Pipa, e que abastecem os hotéis, bares e similares, são comprados em

Natal; os barcos estão sendo abandonados, vendidos ou inutilizados por falta de manutenção, restando poucos em atividade, atualmente.

Da mesma maneira, o espaço para a agricultura foi reduzido, pois, além do turismo ter incrementado a renda das famílias pipenses, pode-se comprar mantimentos, vestuário e até medicamentos, em Pipa, e há grande disponibilidade de veículos com destino à Natal ou Goianinha. Consequentemente, as casas de farinha perderam sua utilidade, dando lugar a outras construções.

A tipologia das residências também mudou: hoje é comum observar grandes e belas moradias (Figura 18) e a presença de condomínios e resorts (Figura 19).

O grande fluxo de pessoas refletiu-se na implementação dos transportes intermunicipais, em princípio, apenas por um ônibus, que realizava uma viagem ao dia; hoje além de vários ônibus, e várias viagens ao dia, ainda há vans que fazem o trajeto até Goianinha e/ou até Natal, a cada meia hora. Apesar disso, a infra-estrutura viária do distrito não recebeu qualquer tratamento, permanecendo praticamente a mesma e causando revolta na população local.

Tal indignação não se deve apenas à estrutura física das ruas (iluminação, alargamento, etc.), mas principalmente à insegurança, causada pela falta de calçadas e acostamentos, fazendo com que pedestres e veículos dividam o mesmo espaço (Figura 20), e pela presença de esgotos lançados na rua (Figura 21). Além disso, as ruas estreitas não comportam o grande fluxo de veículos em dias de maior movimentação, ocasionando engarrafamentos (Figura 22).

Figura 18: Tipologia de moradias novas. Fonte: Sâmia Feijó (ago/2003)

Figura 19: Presença de resorts. Fonte: E-16 (jan/2005).

Figura 20: Pedestres e veículos dividem o mesmo espaço nas ruas. Fonte: Sâmia Feijó (ago/2004)

Figura 21: Esgotos lançados nas ruas. Fonte: Sâmia Feijó (ago/2004)

Figura 22: Engarrafamento em dia de grande movimento. Fonte: Sâmia Feijó (ago/2004)

Tentando minimizar tais problemas, em 2003 a prefeitura municipal iniciou o projeto de saneamento básico e forneceu a estrutura mínima necessária, para que outra estrada de acesso a Pipa fosse utilizada, Estrada da Mata, em períodos de grande fluxo de veículos. Entretanto, tal acesso ainda é precário, faltam calçamento, sinalização, iluminação, dentre outros, e, por isso, é pouco utilizada.

De uma forma geral, o que se vê em Pipa é uma completa falta de políticas públicas, que primem pelo bem-estar da população e desenvolvimento ordenado das atividades turísticas e do cenário urbano (Araújo, 2002). Essa falta de legislação e de fiscalização no cumprimento das leis vigentes, permite a construção de edificações em áreas públicas ou de preservação ambiental (Figuras 23 e 24), acarretando conseqüências como diminuição das áreas verdes nativas e ameaça ao ecossistema local.

Figura 23: Construções irregulares em cima da falésia. Fonte: E-16 (jan/2005)

Figura 24: Construções irregulares em cima da falésia. Fonte: E-16 (jan/2005)

Mesmo com tantos problemas urbanos e ambientais, é interessante perceber que Pipa continua a atrair turistas e moradores em busca de melhores oportunidades de trabalho e condições de vida.

4. Definindo abordagens e instrumentos