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A afirmação do local frente às questões globais: Uma questão da EA no campo

CAPÍTULO 01 DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EDUCAÇÃO DO CAMPO

1.2 As concepções da Educação Ambiental

1.2.2 A afirmação do local frente às questões globais: Uma questão da EA no campo

A questão agrária brasileira é um dos grandes desafios desse século. Os rebatimentos do capitalismo no campo tem gerado uma exclusão do camponês e uma literal expulsão dos mesmos de suas terras para apropriação da propriedade privada. Esse processo, como afirmado anteriormente, dá-se por conta da alienação do trabalho do camponês. Alienação esta que é histórica,

[...] O tempo de trabalho dos camponeses, trabalhadores livres nas plantações, era controlado por eles próprios, autonomamente, e esse controle, geralmente, respondia às necessidades da natureza e às necessidades sociais e responsabilidades familiares desses trabalhadores. [...] Cada um desses trabalhadores acompanhava, pensando e tomando decisões, cada uma das etapas do processo de produção dos objetos produzidos, além de controlar o tempo e a intensidade do trabalho. (TOZONI-REIS, 2008, p. 87).

Na sociedade atual, em que o capitalismo vigorou como sistema regente, as relações de trabalho no campo foram profundamente alteradas. No Brasil, a questão agrária, assim como a educação, perdem suas funções sociais e passam a atender interesses de determinados grupos, sejam eles o Estado ou uma parcela societária.

Entender o processo de produção do espaço agrário brasileiro significa considerar que este se faz a partir das contradições existentes entre as classes sociais, ao longo do processo histórico. Para tanto, isto requer considerar as contradições existentes no processo produtivo, na apropriação dos meios de produção e dos recursos naturais e, a partir de então, compreender o papel que cada classe assume no processo produtivo, bem como, de que

forma participam e usufruem dos resultados da produção.

(SOUZA, 2008, p. 182).

A Educação Ambiental emancipatória no campo articulada com as bases da Educação do Campo seria um caminho para a superação desse sistema alienante. Para

afirmar o local frente às questões globais, a articulação entre a EA e a EC se faz imprescindível. Levar para dentro das salas de aulas do campo um olhar socioambiental amparado por discussões políticas e sociais do campo, contribui para uma formação crítica do discente camponês.

Partindo do pressuposto que a EA crítica compreende a

[...] concepção dialética de educação, que é vista como atividade social de aprimoramento pela aprendizagem e pelo agir, vinculadas aos processos de transformação societária, ruptura com a sociedade capitalista e formas alienadas e opressoras de vida. Vê o „ser humano‟ como um „ser inacabado‟, ou seja, em constante mudança, sendo exatamente por meio desse movimento permanente que agimos para conhecer e transformar e, ao transformar, nos integramos e conhecemos a sociedade, ampliamos a consciência de ser no mundo (LOUREIRO, 2004 , p. 68).

Faz-se necessário entender que essa percepção de EA possibilita o repensar da questão agrária brasileira que é historicamente firmada de exclusões, quando a propriedade privada é instaurada na nossa sociedade, com a chegada dos primeiros portugueses que invadem as terras brasileiras e iniciam práticas excludentes. Desde então, o Estado sempre terá um papel de mediador dos conflitos do campo brasileiro. Sobre isso:

Ao atuar como mediador nos conflitos do campo brasileiro, o Estado, em nenhum momento, tem como estratégia alterar as estruturas de domínio historicamente estabelecidas pelas oligarquias agrárias e, mais recentemente, pelos grandes grupos econômicos do capital agrário e financeiro. Nesse sentido, o controle mediante a apropriação privada da terra reveste -se da

maior importância para o entendimento do caráter rentista da

terra no Brasil; por isso mesmo, nos remete à compreensão dos mecanismos que permitem não apenas a concentração e controle da terra nas mãos dos proprietários rurais, mas das formas de extorquir a renda e de se apropriar do produto do trabalho daqueles que não dispõem ou possuem pouca terra. (SOUZA, 2008, p. 85).

O Estado acaba, por fim, fortalecendo o dilema que o campo vive atualmente. É certo que existem muitas variantes para serem analisadas quando se propõe investigar a questão agrária brasileira, mas para essa pesquisa compreender o papel do Estado, torna-se imprescindível, pois, compreender os meandros pelos quais o campo brasileiro passa. Fortalecer as questões locais, ou seja, a cultura campesina, a produção agrária dos

pequenos produtores, os saberes do campo, é uma forma de reafirmação das questões locais. Mas esse pensar, na realidade, deve ser articulado com o todo, como afirma Loureiro (2004).

Desarticular a atuação na realidade local do contexto societário e natural global favorece a fragmentação do conhecimento e o resultado pragmático visto como um fim, com desdobramentos na „esfera pública‟ muitas vezes contrários ao que se pretendia. […] Agir e pensar em um locus pressupõe agir e pensar no todo (p. 73).

As comunidades do campo, sejam elas pequenos produtores, pescadores, quilombolas, indígenas, necessitam que ocorra articulações capazes de fortalecer a cultura e o saber local, a economia dos pequenos produtores, e outras medidas capazes de fortalecer os camponeses para que estes sejam capazes de se firmarem frente ao global. Leff (1999) defende que uma racionalidade ambiental sendo promovida mediante essas comunidades possibilita que o resgate e a revalorização dos saberes tradicionais aconteçam; e quando esses saberes se amalgamam com os conhecimentos científicos possibilitam um fortalecimento dessas comunidades. Nesse sentido, a EA cumpriria um papel importante ao propor para essas realidades o questionar e, ao mesmo tempo, o reconstruir necessário para uma sociedade repensada.

Uma pergunta que permeia essa dissertação deve ser bem clara: qual tipo de professor do campo se quer? Que concepção de Educação Ambiental ele deve possuir? Para qual escola e para qual sociedade ele deve ser formado?

Se o que se propõe é uma sociedade com cidadãos ativos, com uma equidade social voltada para uma discussão profunda sobre as questões socioambientais; com uma preocupação para a justa repartição da renda e da terra; com melhoria nas condições de trabalho das pessoas; com o combate à pobreza e ao fim das desigualdades regionais, então a escola deverá assumir seu papel social frente às questões globais que são a ela apresentadas e o professor dessa escola deverá ter, também, muito bem definida, sua função social e uma formação integral que o possibilitem compreender todas essas peculiaridades da sociedade.

O conhecimento produzido na escola deve estar articulado com a realidade, de forma que essa possa ser reformulada, questionada. O professor do campo deve compreender o que acontece ao redor da escola: que comunidade é essa na qual a escola está inserida, como os camponeses se articulam com essa escola, como se relacionam e

que expectativas tem da mesma. É importante que o professor entenda que a escola, para certas comunidades, vai muito além do que um simples espaço de construção ou reprodução de conhecimento.