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Afirmamos acima que a taxa de juros não pode ser determinada pela demanda e pela oferta de capital, porque o investimento automa-

ticamente cria uma poupança de idêntico valor. Assim, o investimento se “autofinancia” qualquer que seja o nível da taxa de juros (ver p. 70). A taxa de juros, portanto, resulta da interação de outros fatores. Iremos tratar de demonstrar que a taxa de juros a curto prazo é de- terminada pelo valor das transações e pela oferta monetária por parte dos bancos; e que a taxa a longo prazo é determinada por previsões da taxa a curto prazo baseadas na experiência passada e por estimativas do risco envolvido na possível depreciação do ativo realizável, a longo prazo (ver capítulo 7).

Velocidade de circulação e a taxa a curto prazo

Indiquemos por M a massa monetária, isto é, as notas de banco em mãos do público e os depósitos bancários a vista, e por T o volume total dos negócios, isto é, o montante do valor das transações em um certo período; T/M então é a velocidade de circulação da moeda, V. Freqüentemente se tem suposto que V é constante; e esse de fato é o alicerce da teoria quantitativa da moeda. Mas parece bastante óbvio que a velocidade de circulação de fato depende da taxa de juros a curto prazo.

De fato, quanto mais alta a taxa a curto prazo, maior será o incentivo a investir dinheiro por períodos curtos ao invés de mantê-lo como reserva em caixa. Ou, de forma mais precisa: as transações podem ser realizadas com uma quantidade de dinheiro maior ou menor; contudo, o aumento dos meios de pagamento com relação ao volume de negócios significa em média uma realização mais suave

e mais conveniente das transações. Por outro lado, quanto mais alta a taxa de juros a curto prazo, mais cara será essa opção em comparação com a alternativa de se investir em ativos realizáveis a curto prazo.48

Pode-se perguntar por que focalizamos aqui a taxa de juros a curto prazo e não a taxa de juros em geral. Escolhemos a taxa a curto prazo porque ela é a remuneração da renúncia à liquidez.49

Se compararmos a posse de um encaixe monetário com a de letras a vista, a única diferença é que as letras não são diretamente uti- lizáveis para realizar transações e que rendem juros.50 Quando, con-

tudo, comparamos a posse de dinheiro com a de títulos de renda fixa, temos que levar em consideração também o risco de uma queda no preço dos títulos.51

Chegamos à conclusão acima de que a velocidade de circulação

V é função crescente da taxa de juros a curto prazo ρ ou

T

M = V(ρ) . (11)

Dessa equação conclui-se diretamente que, dada a função V, a taxa de juros a curto prazo, ρ, é determinada pelo valor das transações,

T, e pela oferta monetária, M, que, por sua vez, é determinada pela

política bancária.

48 Aqui surge o problema de saber se, neste contexto, a taxa de juros a curto prazo deve ser entendida bruta ou líquida com relação ao imposto sobre a renda. Se o empresário considerar que o inconveniente da redução da quantia de dinheiro líquido que tem em seu poder irá se refletir afinal numa redução correspondente dos lucros, então serão os juros antes dos impostos que deverão ser considerados. Parece que, provavelmente, assim acontece. Contudo, os resultados do estudo empírico subseqüente, com relação ao Reino Unido no período 1930/38, não são afetados por essa dificuldade, uma vez que a taxa de imposto sobre a renda foi bastante estável durante o período.

49 Há que matizar a colocação, já que a taxa a curto prazo cobre, além disso, alguns custos e inconvenientes trazidos pelas operações de investimento enquanto tais, ou “custos de investimento”.

50 As “letras” aqui tipificam os ativos realizáveis a curto prazo em geral, entre os quais se incluem também os depósitos a prazo fixo.

51 Não se deve concluir disso, contudo, que qualquer acréscimo ao dinheiro líquido à disposição de uma firma irá tender a ser investido em letras. Imaginemos que uma firma tenha em seu poder numerário, letras e títulos. Imaginemos ainda que enquanto seu volume de negócios permanece inalterado e suas taxas de juros a curto e a longo prazos permanecem também sem alteração a firma recebe mais dinheiro. Ora, se a firma investisse todo o dinheiro adicional em letras, isso seria consistente com a relação entre a preferência pela liquidez e a taxa de juros a curto prazo dada, mas seria desnecessário reduzir a proporção dos ativos (títulos) relativamente mais “arriscados” mas mais compensadores do ponto de vista da remuneração. Assim, a firma tenderá a investir parte do numerário adicional em títulos.

Gráfico 3. Relação entre a velocidade de circulação, V, e a taxa de juros a curto prazo, ρ.

A relação entre a taxa de juros a curto prazo, ρ, e a velocidade de circulação, V, pode ser representada por uma curva com a forma traçada no gráfico 3. Quando V for alto, isto é, a retenção de dinheiro líquido for bem pequena com relação ao volume dos negócios, será preciso um aumento bastante grande da taxa de juros a curto prazo para motivar uma redução adicional do encaixe monetário. Dessa forma, nesse ponto será necessário um aumento bastante grande da taxa de juros a curto prazo para motivar um dado incremento da velocidade de circulação, ∆V. Por outro lado, quando a moeda manual é abundante

com relação ao volume dos negócios, é fácil conseguir economias em dinheiro líquido, e a elevação da taxa de juros necessária para possi- bilitar um aumento da velocidade de circulação ∆V é pequena.

Ilustração estatística

Aplicaremos o raciocínio acima a uma análise das modificações na taxa de juros a curto prazo no Reino Unido no período 1930/38, para o qual se dispõe de dados sobre o volume dos negócios (lançamentos nos débitos das contas correntes) da carteira de compensação de Lon- dres. Apesar de a razão entre esses dados e o nível das contas correntes poder parecer à primeira vista suficiente para nos dar a velocidade de circulação, infelizmente a coisa não é tão simples assim.

O volume de negócios consiste em duas partes de caráter bastante distinto: operações financeiras e não financeiras. Calcula-se que no ano de 1930 as operações financeiras tenham representado cerca de 85%52 do volume total dos negócios. Por outro lado, as contas correntes

financeiras dificilmente representarão mais que um terço desse total.53

Essa desproporção obviamente reflete a velocidade de circulação muito

52 BROWN, E. H. Phelps e SHACKLE, G. L. S. Statistics of Monetary Circulation in England and Wales. 1919-1937. Royal Economic Society, Memorando nº 74. p. 28.

maior das contas financeiras em comparação com as não financeiras. Conseqüentemente, uma modificação na proporção das contas finan- ceiras em comparação com as não financeiras provocará uma modifi- cação considerável na razão entre o volume dos negócios e as contas correntes, apesar de ambas as velocidades de circulação permanecerem inalteradas. Esse defeito pode ser remediado da seguinte maneira: re- duzimos o peso das operações financeiras multiplicando-as pelo fator que leva a razão entre as operações financeiras e as não financeiras no ano-base de 1930 ao nível da razão entre as contas correntes financeiras e as não financeiras naquele ano. Em seguida, somamos as “operações financeiras reduzidas” às operações não financeiras e dividimos a soma pelo total das contas correntes. Essa razão pode ser considerada um índice aproximado das modificações da veloci- dade de circulação. Esse cálculo é detalhado em meu artigo sobre “A taxa de juros a curto prazo e a velocidade de circulação”.54 Os

resultados ali obtidos aparecem na tabela 16 e, em forma de gráfico, no gráfico 4.55

TABELA 16. Índice da Velocidade de Circulação e Taxa de Juros a

Curto Prazo no Reino Unido, 1930/38.

Como se pode observar, exceto no que se refere a 1931, os pontos de relação entre ρ e V situam-se em torno de uma curva cuja forma havíamos

54 Review of Economic Statistics. Maio de 1941.

55 Os resultados passaram por ligeira revisão, tendo sido incorporadas (1) uma modificação no procedimento de trabalho da Carteira de Compensação em novembro de 1932, que aumentou o volume total de suas operações em cerca de 2%, (2) uma modificação no escopo das contas correntes em janeiro de 1938, que provocou um aumento de cerca de 2%.

Gráfico 4. Velocidade de circulação e taxa sobre letras do Tesouro, Reino Unido, 1930/38.

deduzido a priori na parte anterior. O ano de 1931 está bem acima da curva, o que pode ser explicado pela crise financeira ocorrida no segundo semestre daquele ano, que provocou um deslocamento da curva para cima, isto é, aumentou a quantidade de dinheiro líquido necessária para um dado volume de negócios a uma dada taxa de juros a curto prazo.56

I. N. Behrman realizou, na mesma linha, uma análise da relação entre a taxa de juros a curto prazo e a velocidade de circulação dos saldos de caixa de grandes empresas manufatureiras dos Estados Uni- dos para o período de 1919/40,57 obtendo resultados semelhantes.

Modificações na oferta monetária por parte dos bancos

Conclui-se da equação (11) que

MV(ρ) = T

Sob essa forma, essa equação é na realidade a equação da quan- tidade de moeda.58 Seu significado aqui, contudo, é muito diferente do

da teoria quantitativa da moeda. Ela demonstra que, com um dado valor de transações, T, um aumento na oferta de moeda, M, por parte do sistema bancário, provoca uma queda na taxa de juros a curto prazo.

O processo por meio do qual os bancos elevam a oferta monetária merece ser tratado em detalhe. Para simplificar, vamos supor que os depósitos bancários consistam apenas em contas correntes. Imaginemos

56 O ponto referente ao ano de 1938 também foi levemente deslocado para cima pelo aumento da taxa a curto prazo no outono, em vista de certos acontecimentos políticos.

57 "The Short-Term Interest Rate and the Velocity of Circulation". In: Econometrica. Abril de 1948.

que os bancos decidam reduzir sua razão de caixa (isto é, a razão entre a quantia de notas e contas no Banco Central e os depósitos) e comprar letras. O preço das letras irá aumentar e assim a taxa de juros a curto prazo irá cair ao nível em que o “público” estará pronto a somar às suas contas correntes a quantia que os bancos gastam em letras.

É interessante notar que a compra de títulos de crédito pelos bancos terá repercussões semelhantes. É verdade que inicialmente o preço dos títulos se elevará e o rendimento dos títulos irá cair a um nível que levará o “público” a abandonar os ativos realizáveis a longo prazo e preferir ativos realizáveis a curto prazo e dinheiro líquido. Mas haverá também uma tendência por parte do “público” a investir em letras o dinheiro adicional recebido pela venda dos títulos aos ban- cos; desse modo, o preço dos títulos irá subir e a taxa a curto prazo irá cair até o nível em que o “público” estiver disposto a reter o dinheiro adicional ao invés de investi-lo na compra de letras.

Modificações cíclicas na taxa de juros a curto prazo

De acordo com o que se disse acima, as flutuações cíclicas na taxa de juros a curto prazo podem ser explicadas em termos da oferta de dinheiro por parte dos bancos referida às flutuações do valor das transações, T. Parece que em geral essa oferta de dinheiro flutua menos que o valor das transações, de forma que a velocidade de circulação e a taxa de juros a curto prazo aumentam na fase de prosperidade e caem na depressão.

TABELA 17. Taxa de Juros a Curto Prazo no Reino Unido e nos Estados

Unidos, 1929/40.

É preciso acrescentar que os movimentos da taxa de juros a curto prazo na década de 1930 tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos não representam propriamente um padrão típico.

Tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos há uma queda abrupta nos anos de depressão (com uma reversão temporária em 1931 no Reino Unido e em 1932 nos Estados Unidos, como reflexo do pânico financeiro). Contudo, nos anos de recuperação, a taxa a curto prazo continua a cair, refletindo assim uma tendência básica da política ban- cária, voltada para o “dinheiro fácil”.

7

A Taxa de Juros a Longo Prazo

A taxa a curto prazo e a taxa a longo prazo

O capítulo precedente demonstrou que a taxa de juros a curto

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