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Capa do jornal AfroBrasil, ano 1, nº 19, 1985

4.1 “Um jornal de integração e harmonia racial”: AfroBrasil no contexto da imprensa comercial

Por fim registramos o lançamento do jornal AFROBRASIL, um informativo dirigido “ao negro e a toda sociedade brasileira, sem aceitar nenhum tipo de discriminação, preconceito e segregação social.”

Segundo seus editores, o jornal abre espaço para todos os setores representativos que combatem o racismo. O jornal circula nacionalmente.113

A nota, extraída da coluna Aconteceu do jornal Nêgo, anunciava a chegada do AfroBrasil. O jornal negro foi lançado em 1984 pela Associação Nacional para Maior Participação dos Descendentes Africanos, seção Bahia. Em formato de standard,

característica comum dos jornais comerciais da época, se apresentava como “um jornal de integração e harmonia racial”. Apesar de ter circulação nacional, era produzido na Bahia. A periodicidade dos primeiros números foi quinzenal, a partir do segundo ano passou a circular semanalmente.

Se comparada aos jornais negros produzidos na Bahia na década de 1980, como o Nêgo e Êlemi, já analisados neste trabalho, a proposta editorial do AfroBrasil se diferenciava dessas publicações. Não se tratava de uma produção institucional, nem tampouco de um folhetim de grupo ligado às atividades culturais. Ou seja, era um jornal que obedecia a critérios e valores para a divulgação de notícias. Além disso, o periódico tinha um uma estrutura jornalística organizada, uma redação. Assim, o que tinham em comum era apenas o fato de estar inseridos na chamada imprensa negra e uma agenda étnico-racial.

Enquanto que o Nêgo publicava em sua maioria textos opinativos, o AfroBrasil, ainda que tratasse de temas de interesse da comunidade negra, fazia uma distinção entre informação e opinião. Na edição de número 19, de 30 de janeiro a 5 de fevereiro de 1985, a chamada de capa do jornal trazia um diversidade de temas, todos ligados a questão étnico-racial, porém sem qualquer vertente opinativa. Isso não quer dizer que os artigos de opinião não existissem no jornal. Ao contrário, estavam todos agrupados numa seção, denominada de opinião, situada na página 4.

Em relação à temática, em virtude do momento político em que vivia o país, o processo de abertura e redemocratização, a política tornara-se um tema recorrente no jornal AfroBrasil. No número 19, por exemplo, a manchete de capa destacava a candidatura de Edvaldo Brito ao governo da Bahia, “O primeiro negro a concorrer ao mais alto cargo no Estado”. No entanto, a questão política extrapolava o espectro racial. A editoria de política trazia assuntos diversos: especulações para ocupação de ministérios no governo de Tancredo Neves, dívida externa, corrupção, falta de oposição do governo de João Durval, fundação de Partido Liberal, violência policial contra jornalistas.

De modo geral, o jornal AfroBrasil publicava matérias e informações sobre os diversos assuntos ligados à tradição e cultura negra. Os textos discutem temas de interesse da população afro-brasileira. Na edição de 30 de janeiro, por exemplo, o periódico

destacou o caso de denúncia de racismo, a implantação do consulado africano em Salvador, os preparativos para a festa de Yemanjá, a entrevista com o dançarino norte- americano Clyde Morgam.

No caso do jornal AfroBrasil, os anúncios publicitários tinham espaços em abundância. Curiosamente a maioria da propaganda era institucional ligada ao governo do Estado da Bahia e à Prefeitura Municipal de Salvador. Ao menos no número 19, a publicidade governamental representava 80% dos anúncios publicados nas páginas do jornal. Isso se justifique, talvez, pela estratégica do governo de João Durval (1983-1986) em aproximar-se dos movimentos sociais, já que esta foi a última administração indicada pelos militares. Entretanto, os anúncios estiveram presentes também em outro periódico negro baiano. Como já vimos o jornal Nêgo tinha anúncios, ainda que em menor escala, e sem a publicidade estatal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se, então, que os jornais negros produzidos Bahia, especificamente em Salvador, numa perspectiva temática, tratavam de questões ligadas a tradições e culturas negras como racismo, história, trabalho, religião, carnaval e violência policial. No entanto, tornaram-se também espaços de debates sobre identidade brasileira, cidadania e vida cultural e política. Além da preocupação de construir uma memória histórica para a construção de um discurso identitário dos negros.

Podemos aferir, ao longo deste trabalho, que não há quase trabalhos sobre a imprensa negra baiana, exceto o de Florentina Souza que analisa jornal do Movimento Negro Unificado numa perspectiva mais literária. Luis Guilherme Tavares, pesquisador da história da imprensa na Bahia, destaca que “sobre a imprensa negra baiana, por sua vez, desconhece-se qualquer trabalho a respeito. Sequer há um trabalho famoso sobre a imprensa abolicionista baiana”114. Em levantamentos bibliográficos, este fato pode ser constatado, e nem mesmo em períodos mais recentes encontramos estudos que tratem dessa questão como em outros estados brasileiros.

Nossa intenção foi justamente fazer um levantamento dos jornais da chamada terceira fase da imprensa negra, pós-ditadura e redemocratização, que circularam em Salvador na década 1980. Nesse período, houve um reavivamento da cultura negra em Salvador, com o surgimento dos blocos afro como Ilê Aiyê (1974), Olodum (1979) e Os Negões (1981). Além disso, há também o surgimento do Movimento Negro Unificado (MNU) na Bahia. O Movimento Negro Unificado reacendeu “a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural.”115

Os artigos e as matérias do Nêgo, em sua maioria, cerca de 70%, não eram assinados. Na primeira fase (1981-1986) e na segunda fase (1987-1988) do jornal, os textos

114 TAVARES, Luis Guilherme Pontes. Apontamentos para história da imprensa na Bahia. Salvador: Assembléia Legislativa da Bahia, 2005.

115

jornalísticos sem assinatura são atribuídos a Comissão de Imprensa denominada Axé, composta por ativistas do MNU-BA. Em relação ao jornal Elêmi, nas duas edições analisadas (1985 e 1988), os textos eram assinados pelo Grupo Cultural Os Negões, exceto os artigos como “O Centro Histórico e sua decadência”, de Clarindo Silva, coordenador do Projeto Cultural Cantina da Lua.

Tabela 2

Título Seção Autores

Nêgo Aconteceu, Denúncia,

Educação, Fala Crioulo, Mulher,

Literatura

Editora: Ana Alakija; redatores: Ana Célia, Josué Gonçalves, Luiz Santos, Fernando Conceição, Wilson Santos. AfroBrasil Geral, entrevista,

política, economia, cultura.

José André do Nascimento, Luiz Augusto dos Santos, Ana Alakija,

Mário Freitas.

Elêmi --- ---

Tabela 3- O universo atingido nas pesquisas

Título Local de publicação Periodicidade Data do número 1* Data de exemplares encontrados* Quantidade de exemplares Nêgo Salvador-Ba Semestral Julho de

1981

Julho de 1981 a Abril de 1988

14 AfroBrasil Salvador-Ba Semanal 1984 30 de janeiro a 5 de

fevereiro de 1985

1

Elêmi Salvador-Ba --- Outubro

de 1985

Outubro de 1985 2

* Registro conforme dados fornecidos pelo próprio exemplar, obedecendo a seguinte ordem: ano de publicação e mês.

Consideramos que, ao observar o universo desses jornais, ainda que parcialmente, podemos reconstruir o desenho da imprensa negra de Salvador e, com ele, o desenho da sociedade na qual essa imprensa se desenvolve. Enfim, a todo momento, têm a sensação de mostrar os detalhes ainda não descobertos neste trabalho. No entanto, é preciso estabelecer um fechamento, mesmo que temporário.

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