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1. UMA BREVE TRAJETÓRIA DA IMPRENSA NEGRA NO BRASIL

1.4 A retomada da imprensa negra

A publicação da revista Tição (1976-1980), em Porto Alegre, marcou o retorno das atividades jornalísticas negras no Brasil. Com a ditadura militar, a luta política do negro foi desarticulada. A discussão pública da questão racial quase desapareceu e as lideranças negras foram desmobilizadas. Isso não significa dizer que foi extinta qualquer forma de mobilização da comunidade negra. Ao contrário, entre os anos de 1964 e 1985, houve uma efervescência política principalmente nos núcleos negros dos partidos de oposição. Em São Paulo, por exemplo, estudantes e artistas formaram o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN). Ainda que timidamente, a imprensa negra também conseguiu produzir alguns periódicos como Árvores das Palavras (1974), O Quadro (1974), Biluga (1974) e Nagô (1975).

Em meio às turbulências políticas da época, os periódicos da década de 1970 abordavam as questões internacionais, as lutas de libertação dos povos africanos, pois, vivia-se um momento de intensas guerras civis, e, basicamente as denúncias do preconceito de cor, da discriminação racial e da desigualdade social que atingem o negro inspiram as pautas da imprensa. Os textos jornalísticos, sobre a história do colonialismo e escravatura, essas publicações exibem uma notável diferença em relação ao conteúdo das matérias publicadas pelos jornais da imprensa negra que circularam do início até metade do século XX.

Na terceira fase do Movimento Negro47, concomitantemente com a reorganização das entidades negras, marcada pela ascensão dos movimentos populares, sindical e estudantil, a imprensa negra retoma as suas atividades com as seguintes publicações: SINBA (1977), Africus (1982), Nizinga (1984), no Rio de Janeiro; Jornegro (1978), O Saci (1978), Abertura (1978), Vissungo (1979), em São Paulo; Pixaim (1979), em São José dos Campos/SP; Quilombo (1980), em Piracicaba/SP; Nêgo (1981), em

47 Em Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos, Petrônio Domingues aponta as características das três fases do movimento negro: primeira fase (1889-1937) prevalece-se um discurso racial moderado no qual a estratégia cultural é mais assimilacionista e os princípios ideológicos e políticos estão calcados no nacionalismo e na defesa política de direita dos anos de 1930; segunda fase (1945-1969) predomina um discurso racial também moderado e estratégia cultural integracionista com ideologia nacionalista e posição política de “centro” e “direita” nos anos de 1940 e 1950; terceira fase (1978-2000) tem-se um discurso racial contundente e posição politico-ideológica da esquerda marxista nos anos de 1970 e 1980.

Salvador/BA; Tição (1977), no Rio Grande do Sul, além da revista Ébano (1980), em São Paulo.

A partir da década de 1980, os jornais negros surgiram por toda a parte e refletiam, de certo modo, as linhas ideológicas do Movimento Negro Unificado (MNU), que tinham como finalidade desconstruir o mito da igualdade racial brasileira e estabelecer estratégias antirracistas. Sodré (1999) salienta que:

Esvanecem-se os discursos reivindicativos e pedagógicos, as preocupações com ordenamento familiar e formação profissional, dando lugar a enunciados de denúncias de cor, a análises da consciência discriminatória, a informações históricas sobre colonialismo e escravatura, a esparsos juízos afirmativos da identidade negra que procura resgatar os valores políticos das lutas anticoloniais na África. Ao mesmo tempo, fundam-se em universidades e fora delas centro de estudos em torno da categoria “cultura negra”, que abrange os cultos, os costumes e os jogos afro- brasileiros.48

Em meados da década de 1990, duas publicações dirigidas ao leitor negro, enfocadas no universo afrodescendente, têm relevância para a imprensa negra: a revista Raça Brasil e o jornal Ìrohìn. Este lançado em 1996, editado como boletim informativo, cujo objetivo incluía em “articular as organizações do movimento negro para o acompanhamento de políticas governamentais de promoção da comunidade afro-brasileira por meio de capacitação de lideranças negras para esse acompanhamento” (Írohín, 2009). A partir do ano de 2000, foi inaugurada uma nova fase. Em formato de tabloide, o jornal negro aparecia com o compromisso de informar os assuntos do cotidiano dos negros brasileiros não abordados pela grande imprensa49.

Por sua vez, a dissertação O negro representado na revista Raça Brasil: a estratégia de identidade da mídia étnica, de João Batista Nascimento dos Santos, mostra que o leitor da revista Raça Brasil é uma pequena parcela dos afrodescendentes que conseguem

48 SODRÈ, Muniz. Claros e escuros: identidade negra, povo e mídia no Brasil. Petropólis, RJ: Vozes, 1999. p. 242.

49 LIMA JÚNIOR, Ariovaldo. Jornal Ìrohìn: estudo de caso sobre a relevância educativa do papel da imprensa negra no combate ao racismo. São Paulo: 2009.

ascensão social. Na hipótese de Santos, a representação do negro, construída pelas páginas da Raça Brasil, se dá através dos exemplos de negros bem sucedidos.

A revista Raça Brasil pode ser dividida em duas fases. Na primeira fase (1996-2001), abordam-se principalmente as questões estéticas. Entretanto, os fatos da atualidade e as questões sociais têm espaço, dentro de uma perspectiva de soluções e superação dos problemas que atingem os negros. Já na segunda fase, a estética permanece como um dos principais focos nas editorias de beleza e moda; além disso, os acontecimentos sociais aparecem com menos destaque. Existe, porém, uma valorização das personalidades negras, com o intuito de proporcionar ao leitor uma imagem positiva do negro. O que há de comum nas duas fases da revista é “a idéia de dar visibilidade ao negro sempre através de imagens positivas muito bem produzidas, pois a preocupação estética é um dos aspectos centrais nos dois momentos, mas é ainda mais forte na segunda.”50

Muniz Sodré (1999) enfatiza a descoberta pelos publicitários de um novo filão de mercado. Em uma pesquisa de marketing, constatou-se que 71% dos negros estavam dispostos a adquirir produtos no qual o negro fosse protagonista das propagandas. Havia aí um consumidor virtual, de determinada condição social e etnia, ainda inexplorado pela propaganda e pelo mercado:

Com esse pano de fundo, destacou-se, desde sua primeira edição em 95, a revista Raça Brasil, com bom acabamento formal. Nela, as matérias editoriais e os anúncios comerciais dirigem-se exclusivamente ao indíviduo de pele escura, buscando a valorização de suas especificidades fenotípicas e sociais. Seu primeiro editorial prometia: “Dar a você leitor, o orgulho de ser negro. Todo cidadão precisa dessa dose diária de auto- estima: ver-se bonito, a quatro cores, fazendo sucesso, dançando, consumindo. Vivendo a vida feliz”. A equação consumo = felicidade funcionou mercadologicamente. Além disso, o sucesso de vendagem e de publicidade da revista impulsionou o agenciamento de modelos negros, assim como negócios correlatos, a exemplo do fornecimento de perucas e apliques de cabelo.51

O artigo Imprensa Negra Online: o racismo na pauta de todos os dias, de Ilzver de Matos Oliveira e Lourdes Ana Pereira Silva, se credencia como uma das referências,

50 Santos 2004: 107 51

ainda que de maneira efêmera, das experiências alternativas de comunicação a partir da plataforma digital. No estudo analisou-se a “Agência Afroétnica de Nóticias”, AFROPRESS. Em maio de 2004, a ONG ABC Sem Rascismo lançou a AFROPRESS, após as discussões ocorridas pela III Conferência Mundial contra o Racismo a Xenofobia e a Intolerância, realizada pela ONU. O site da agência aborda as questões raciais sobre futebol, direito, política . Entretanto, a visibilidade do site extrapola a fronteira virtual:

Seu poder junto à comunidade propicia um caráter mobilizador que vai ao encontro do seu principal objetivo – falar para além dos pares –, contribuindo, dessa forma, para que a temática racial e étnica seja apropriada pela mídia, incluindo grandes jornais impressos e o telejornalismo, sendo referência, fonte de informação para as redações. É exatamente este o objetivo de uma agência de notícias. Uma agência de notícias tem um papel crucial na circulação de informações.

Na Bahia, em 2006, surgiu o Correio Nagô. O portal de notícias, com temática étnica, tem como principal característica a participação dos leitores na produção de conteúdo. Por ser colaborativo, eles podem inserir notícias, criar seu próprio blog, participar dos grupos de discussão e interagir entre si. Atualmente está hospedado na rede Ning, site que permite aos usuários a criação de rede social onde podem compartilhar fotos, vídeos e áudio. A ideia surgiu de André Santana e Paulo Rogério. Regressos do Congresso Internacional de Blogueiros Africanos e da Diáspora – Black Media –, os editores do Correio Nagô decidiram criar um produto que contribuísse para aumentar a visibilidade dos negros nos meios de comunicação.

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