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AFRONTA FAÇO QUE MENOS NÃO ACHO: OS ARREMATANTES DE OBRAS

PÚBLICAS EM MARIANA SETECENTISTA

Danielle de Fátima Eugênio1 “Afronta faço que menos não acho se menos achara menos tomara dou-lhe uma dou-lhe duas dou-lhe três, e disse metendo espaço de tempo em meio e dou-lhe umas mais pequeninas e metendo um ramo verde na mão do lançador que na sua trazia para o dito efeito lhe disse pois que menos lhe não davam, faze-lhe muito bom proveito pelo dito lanço”.2 A entrega do ramo verde, permeada pelas palavras do porteiro da Câmara, simbolizava a parte fi nal de uma encenação que acontecia nas partes mais públicas das vilas e cidades: “Arrematar o ramo de algum contrato na praça, porque é uso dar-se um ramo verde pelo porteiro ao arrematante”.3 Através dessa prática identifi ca-se um determinado

grupo formado por arrematantes de obras públicas, que, embora tenha reiterado as ordenações e práticas vindas d’além mar, por vezes as colo- cou em xeque.

Tais agentes históricos atuaram durante o desenvolvimento da

1 Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade de São Paulo. 2 AHCMM. Livro de Arrematações e Contratos. Códice 220, fl . 103v.

3 SILVA, Antônio de Moraes. Diccionario da Lingua Portuguesa, composto pelo Padre D. Rafael Blu-

teau, reformado, e acrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. Lisboa: Offi cina

Leal Vila de Nossa Senhora do Carmo e Cidade de Mariana, arrematan- do obras junto ao Senado e oferecendo seus préstimos também a par- ticulares, como as agremiações leigas e demais habitantes. É possível constatar, através da análise da documentação composta pelos autos de arrematação, que as construções e reparos demandados pela Câmara propiciaram a atuação privilegiada de alguns arrematantes. Estes em- preiteiros, mesmo tendo exercido a prática de ofícios manuais, foram homens abastados, detentores de patentes militares,4 posto que alguns

também exerceram importantes cargos camarários e atuaram na arrema- tação de outros contratos para além das obras públicas: as rendas do ver, cadeia e meia pataca.

Todavia, antes que se prossiga, é preciso destacar o importante de- senvolvimento da historiografi a relativa ao universo laboral nas Minas Setecentistas. Novos estudos abriram caminhos que demonstram a fun- damental participação dos negros e pardos, cativos ou libertos, e tam- bém dos homens livres, muitas vezes pobres, na execução dos serviços contratados.5 Tais pesquisas não se detiveram apenas na observação

4 Sargento-mor, Sargento, Capitão, Alferes e Tenente. As patentes de Sargento-mor e Capitão no-

bilitavam e a de Alferes, se não pudesse realizar o mesmo, no mínimo conferia destaque em relação aos demais ofi ciais mecânicos. Até mesmo a patente de Tenente, considerada inferior na hierarquia militar, seria utilizada como elemento diferenciador dentre os arrematantes. Cf. 3º capítulo: EU- GÊNIO, Danielle de Fátima. Arrematantes de obras públicas em Vila do Carmo e Cidade de Mariana

(1711-1808). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, (Dissertação de Mestrado), 2013.

5 DIAS, Fernando Correia. Para uma sociologia do Barroco Mineiro. Barroco, Belo Horizonte, nº 1,

p. 67, 1969. FLEXOR, Maria Helena. Ofi ciais mecânicos na cidade de Salvador. Salvador: Prefeitura de Salvador, 1974.Os ofi ciais mecânicos de Salvador e São Paulo no período colonial. Barroco. Belo Horizonte, n. 17, p. 139-154, 1996. BOSCHI, Caio C. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Brasiliense, Coleção Tudo é História, 1988.ALVES, Célio Macedo. Artistas e Irmãos: o fazer artístico

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dos ofícios mecânicos em sociedades coloniais, mas apresentaram seus ofi ciais como agentes históricos fundamentais no desenvolvimento das mesmas, revelando um novo olhar sobre outros grupos sociais, antes relegados pela historiografi a.

Conforme José Newton Meneses,6 o estudo das atividades mecâ-

nicas, essenciais à sobrevivência das sociedades nobiliárquicas, revela aspectos culturais importantes das mesmas, e seus artesãos “teceram, edifi caram, forjaram, curaram, enfi m, manufaturaram e viveram cons- truções sociais”.7 Nas Minas, as possibilidades de organização do seu te-

cido fabril se assentaram “em uma realidade cotidiana distinta e em uma organização mais rudimentar estruturalmente”.8 Nesse contexto colo-

nial, os ofi ciais mecânicos responderam a uma demanada e se inseriram em um meio social que se fundamentou “em torno de eixos rígidos”, que não os liberou totalmente, mas puderam mover-se “nessa teia com menor peso organizacional e com maior desenvoltura de movimentos, a despeito da presença de estruturas legais a eles direcionadas”.6 O lugar

social destinado aos seus homens de ofício estava inserido no contexto do Antigo Regime, no entanto determinadas estruturas tornaram-se fl ui- das na colônia. Por certo, a análise dos resquícios cotidianos desses gru- pos consiste em uma nova porta que, ao se abrir, evidencia tal fl uidez.

O presente estudo se insere em tal perspectiva, visto que os ofi ciais mecânicos são tomados como sujeitos históricos que também protagoni- zaram a cena social. Então, no intuito de buscar os indícios que compro- vam e informam acerca da atuação dos arrematantes, privilegia-se o cor- pus documental produzido pela Câmara de Mariana (acórdãos, editais,

de Mestrado, Franca (SP): DH – UNESP, 2010. TEDESCHI, Denise M. R.Águas urbanas: as formas de apropriação das águas em Mariana/MG (1745-1798). Dissertação de Mestrado, Campinas (SP): IFCH - Unicamp, 2011. ALFAGALI, Crislayne G. M. Em casa de ferreiro pior apeiro: os artesãos do ferro em Vila Rica e Mariana no século XVIII. Dissertação de Mestrado, Campinas (SP): IFCH - Unicamp, 2012. PEREIRA, Fabrício Luiz. “Offi cios necessários para a vida humana”: a inserção social dos ofi ciais da construção em Mariana e seu termo (1730 – 1808). Dissertação de Mestrado. Mariana: Universidade Federal

de Ouro Preto, 2014.

6 MENESES, José Newton Coelho. Op. Cit. 7 Ibidem, p. 339.

autos de arrematação, registros das cartas de exame, receitas e despesas), bem como as fontes cartoriais, especialmente os inventários post-mor- tem e testamentos. Também, destaca-se o acesso a três importantes ban- cos de dados, que consistem em ferramentas de pesquisa fundamentais, através das quais se extraiu uma importante listagem de nomes, atrelada às valiosas informações presentes nos próprios autos de arrematação: Índice de Obras Públicas de Mariana (1715-1863), Índice dos Registros de Cartas de Exame9 e Inventário dos Documentos do AHCMM - Os

Termos de Arrematação e Contratos.10

Senado da Câmara e ofi ciais mecânicos: administração