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Em Mariana, o aqueduto custou aos cofres do Concelho 3:200$000 reis,11 a segunda obra pública mais cara do termo no século

XVIII, atrás apenas da construção do edifício de Casa de Câmara e Ca- deia. No mesmo ano de 1749, foram concluídos também o Chafariz do Rossio e a Fonte dos Quartéis.12 Nesse ano, estava formada a estrutura

inicial do circuito das águas. O aqueduto, conhecido como canal geral das águas, era inteiramente abaixo da superfície, e ao longo dos anos, em razão das necessidades urbanas e das intempéries naturais, outros mananciais, canais e chafarizes foram acrescentados.

Ao longo do século XVIII e início do século XIX, foram construí- dos 15 chafarizes. Destes, 14 eram públicos e 1, a Fonte da Samaritana, pertencia ao Palácio dos Bispos.13 Para efeito comparativo, vale lembrar

que o Rio de Janeiro contava com 11 chafarizes públicos, enquanto Vila Rica era abastecida por 18, provavelmente a maior rede de fornecimen- to no Setecentos.14 Do conjunto dos 14 chafarizes públicos, 11 foram

construídos no século XVIII e 3 no século XIX, conforme apresentamos no quadro a seguir:

11 AHCMM. Arrematação. Códice 135. 22/02/1749. fl s. 42-47. AHCMM. Lista de despesas de 1749.

Códice 201. fl s. 123v-129v.

12 AHCMM. Arrematação. Códice 135. 20/08/1749. fl s. 70v-72v.

13 Foram consultados as listas de despesas (AHCMM. Códices 679, 201, 176, 151, 649, 701, 382,

141, 277, 124) e os livros de arrematação de obras públicas. (AHCMM. Códices 160, 180, 122, 135, 220, 377, 210).

14 No atual centro histórico de Mariana ainda se encontram o Chafariz dos Cortes, Chafariz dos

Monsus, Chafariz do Conde de Assumar, Chafariz da Sé, Chafariz de São Pedro, Chafariz de São Francisco dos Pardos e a Fonte dos quartéis Cf. SILVA. Op. cit. p. 58.; CAVALCANTI, Nireu. O Rio

de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte.

Quadro 1 – Chafarizes de Mariana (1745-1802)

Nome Data de construção

(1) Chafariz de São Pedro (*) meados do século XVIII

(2) Chafariz de São Francisco dos

Pardos (*) meados do século XVIII

(3) Chafariz de São Francisco dos

Brancos (*) meados do século XVIII

(4) Fonte dos Quartéis 1749

(5) Chafariz de Repuxo da Praça 1749

(6) Fonte e Tanque da Câmara 1782

(7) Chafariz de Tomé Dias 1795

(8) Novo Chafariz da Praça 1795

(9) Novo Chafariz de Tomé Dias ou Conde de Assumar

1801

(10) Chafariz da Rua dos Cortes 1802

(11) Chafariz da Sé (*) século XIX

(12) Fonte dos Monsus 1768

p or n as ce n te s p ró xi m as

(13) Chafariz de São Gonçalo 1759

(14) Fonte do Seminário 1757

(15) Fonte e Tanque da Samaritana (*) entre fi ns do século XVIII e

início do século XIX

Fonte: AHCMM. Auto de Arrematação. Códices 180, 122, 135, 220, 377, 210. Listas de receita e despesa. Códices 572, 679, 201, 660, 176, 151, 649, 73, 75, 384,701, 382, 141, 202, 277, 124. Os (*) indicam que não encontramos a data exata da construção do chafariz.

A Câmara Municipal de Mariana soube aproveitar os recursos hídri- cos existentes no interior do núcleo urbano e tratou de conduzir por um aqueduto subterrâneo maior volume do líquido, canalizando as águas da

Serra do Itacolomi para a cidade. Conforme visto no quadro, 11 chafari- zes foram alimentados pelo aqueduto, enquanto três fontes públicas da cidade foram guarnecidas por nascentes que lhes eram próximas.

Apresentado, de maneira geral, o sistema hídrico de Mariana no pe- ríodo mencionado, trataremos do segundo eixo de análise deste artigo: a espacialidade dos chafarizes públicos, abordada em dois níveis: a estru- tura interna dessas obras e a sua localização espacial em terreno urbano. No dicionário Vocabulário Português, Raphael Bluteau defi niu uma perspicaz diferença entre chafariz e fonte, que determinava a arquitetura e usos diferenciados desses espaços. O chafariz, de origem arábica, seria uma fonte com bicas, próprias para o consumo humano, enquanto as fontes seriam utilizadas pelos animais.15

Nos contratos, editais e acórdãos da Câmara de Mariana, essa dife- rença era desconhecida ou não importava. Foi comum o uso do mesmo espaço para animais e humanos, existindo uma divisão interna que de- marcava o lugar desses tipos de consumidores. Talvez pelo convívio nes- ses largos, a mesma obra ora era mencionada como chafariz, ora como fonte pela administração local. Em 1768, a Fonte dos Monsus contava com uma bica “de pedra lavrada”, com espaço reservado para caber “um barril bem à vontade por baixo”, “com parede de pedra e cal”.16 As

águas escorriam da bica para uma pia de pedra e dali escoavam para onde “mais conveniente for para beberem os cavalos”.17 Em 1797, nos

registros de reparos realizados pela Câmara, a mesma obra aparece como “Chafariz no Alto dos Monsus”, guarnecido com um novo tanque com dois “piões” de pedra “com uma laje em cima para assento dos bar- ris”.18 Nos dois momentos, ambos os espaços para animais e humanos

foram preservados. No caso da Fonte dos Quartéis, construída em 1749,

15 BLUTEAU, Raphael. VocabularioPortuguez e Latino[1712]. Rio de Janeiro: UERJ/Dinfo, p. 266.

(digitalizado).

16 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 30/12/1768. fl s. 60-61v. A fonte passou por reformas em

1792 (AHCMM. Códice 687. fl . 98) e foi reconstruída em 1797 (AHCMM. Códice 209. fl s. 192v- 199).

17 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 30/12/1768. fl s. 60-61v. 18 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 02/07/1797. fl s. 274-274v.

nas imediações do Quartel dos Dragões do Conde de Assumar, também havia bicas e um tanque, com balaustre de pedra para “assentarem os barris”.19

O Chafariz dos Cortes, edifi cado em 1802, na rua de mesmo nome, era uma construção simples, com uma pia e “copos de pedra para neles se descansarem os barris, quando estiverem enchendo”, “toda esta obra feita e acabada de alvenaria (...) e com duas bicas de latão para por ela esgotar as águas”.20 Os lugares próprios para assentos dos barris davam

certo conforto aos usuários, que, enquanto esperavam o fi lete de água escorrer pelos potes d’água, entretinham-se em conversas e murmuri- nhos, um tempo habilmente aproveitado em um ambiente de intensa circulação social.21 Ao mesmo tempo em que ocupava uma função cô-

moda, os copos de pedra, capazes de suportar o peso dos barris, impe- diam a água de se “esparrinhar (sic)”22 pelo largo, preservando, deste

modo, a obra pública e a salubridade urbana.

Havia, portanto, a convivência entre diversos usuários no mesmo largo, e a arquitetura interna resguardava lugares adequados para os ti- pos de consumidores, afastando e distribuindo os usuários. A organi- zação espacial dessas obras era uma das formas de imprimir normas de consumo e preservar a salubridade nos equipamentos urbanos.

A presença de certos elementos internos nos chafarizes pode indi- car, ainda, uma tentativa da ordem local de distribuir certas práticas pe- los espaços da cidade. A Fonte do Seminário foi a única identifi cada nos registros camarários com um espaço destinado às lavadeiras.23 Utilizada

pelos seminaristas, escravos, habitantes e transeuntes, o cocho reserva- do para as lavagens autorizava louças e roupas, tão proibidas pelos edi- tais do governo local no período.24 Tanto a arquitetura interna interferia

19 AHCMM. Arrematação. Códice 135. 20/08/1749. fl s. 70v-72v. 20 AHCMM. Arrematação. Códice 210. 23/12/1802. fl . 30. 21 AHCMM. Arrematação. Códice 210. 23/12/1802. fl . 30. 22 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 02/07/1797. fl s. 274-274v. 23 AHCMM. Arrematação. Códice 210. 23/07/1803. fl s. 33-34.

24 Em 1783, novo edital proibia qualquer pessoa de “qualquer qualidade ou condição de lavar nas

no uso dos chafarizes públicos, como o local eleito para abrigá-los na cena urbana se transformava com o público e as práticas de consumo estabelecidas.

Os lugares onde essas obras foram edifi cadas constituem indícios de estratégias das Câmaras coloniais para distribuir e organizar o con- sumo da água pela paisagem urbana. Era a vereança que determinava o local onde seriam instaladas as fontes públicas. Certamente, as questões técnicas pesavam e ajustes faziam parte da rotina dos construtores nesse processo, entretanto, a escolha era determinada pelos camaristas, o que nos leva a investigar quais teriam sido as intenções do governo local em escolher certos espaços na cena urbana.

Primeiramente, é preciso mencionar que os chafarizes funcionavam como “pontos terminais de uma conduta de abastecimento”.25 As águas,

depois de percorrerem canos e declives, jorravam por chafarizes e fontes públicas edifi cadas nos pontos escolhidos. De maneira geral, os verea- dores determinavam que um canal emissário do aqueduto subterrâneo fosse construído para conduzir água até o local onde um novo chafariz forneceria água à população. Os chafarizes constituem, assim, a expres- são material de uma prática urbanística colonial de controle e gestão da água pela municipalidade.

Ao analisarmos os lugares onde essas obras foram edifi cadas, identi- fi camos possíveis intenções do governo local na distribuição do forneci- mento de água. A bica d’água, construída no caminho novo de Mariana para Vila Rica, em 1782 – única exceção de fornecimento de água fora dos limites da cidade –, por exemplo,26exercia uma função importante

para uso do novo caminho: provia o líquido àqueles que transitavam no recente trecho construído para ligar as sedes do poder eclesiástico da Capitania e da Comarca de Vila Rica. Fora dos limites urbanos de Ma-

xar imundícies nas águas”. AHCMM. Edital. Códice 462. 1783. fl . 208v.

25 CONCEIÇÃO, Luis Felipe. Op. Cit., p. 339.

26 VASCONCELLOS, Salomão de. Op. Cit., p. 16. O novo caminho e a bicas d’água foram fi nan-

ciados com as rendas da Câmara de Mariana e executados por José Pereira Arouca. AHCMM. Ar-

rematação. Códice 377. 02/07/1782. fl s. 90-90v. Sobre reparos no caminho, cf. também: AHCMM. Arrematação. Códice 377. 04/08/1781. fl s. 181-183v.

riana, a posição estratégica dessas bicas seria um atrativo para os tran- seuntes utilizarem o novo itinerário criado pela Câmara para ligar esses centros urbanos. Afi nal, a informação de que havia disponibilidade de água no trajeto certamente infl uenciava na escolha dos viandantes. Ou- tro caso interessante, no mesmo sentido, é a localização do Chafariz de São Pedro, construído entre os anos de 1749 e 1752, próximo à Igreja de São Pedro. A partir de 1782, a entrada de Mariana foi deslocada para o Morro de São Pedro. Com isso, o chafariz passou a contar com um número cada vez maior de tropeiros e viajantes, além dos habitantes que habitualmente recorriam à obra pública, situada no fi m da Rua Nova. Vale lembrar que essa rua tornou-se um dos novos limites da povoação na segunda metade do século XVIII.27 Em ambos os casos, a informação

de que havia disponibilidade de água ao longo de um penoso percurso infl uenciava na escolha dos transeuntes.

Na mesma Rua Nova, em toda sua extensão, por onde passava o aqueduto subterrâneo da cidade, havia três chafarizes, os quais leva- ram em sua denominação o nome dos templos religiosos adjacentes: o Chafariz de São Pedro, São Francisco dos Pardos e São Francisco dos Brancos.28 A construção desses chafarizes na mesma rua do aqueduto

subterrâneo deveria ser fi nanceiramente favorável aos cofres do Conce- lho, uma vez que diminuiria os custos das obras e evitaria possíveis difi - culdades técnicas na disposição e declive dos canos no terreno urbano. A proximidade dos templos religiosos constituiu outra característica marcante da localização desses equipamentos na paisagem urbana. Tal prática urbanística seria indício de uma preocupação do órgão local em atender os ritos católicos e seus irmãos cristãos. A concessão de penas d’água para atender os religiosos ocorreu em Mariana e em outras locali- dades da América Portuguesa.29 Em 1797, na reconstrução do Chafariz

dos Monsus e de seu encanamento, um dos canos seguia por um dos lados da Capela do Rosário e continuava pela mesma rua até chegar à

27 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 31/12/1769. fl s. 74v-75. 28 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 31/12/1769. fl s. 74v-75. 29 AHCMM. Arrematação. Códice 377. fl s. 274-274v.

obra pública. Acreditamos que ao menos uma pena d’água deveria bene- fi ciar o templo. Em João Pessoa, de acordo com André Cabral Honor, no século XVI, os frades de São Bento contavam com uma fonte abastecida pela terceira parte das águas que alimentavam o chafariz da cidade.30

Na mesma localidade, o Convento dos Franciscanos, em 1717, foi guar- necido em seu interior com a Fonte de Santo Antônio, de uso exclusivo da congregação e alimentada com as águas do próprio terreno. Em raros momentos, ela foi aberta ao público, apenas em casos de “calamidade quando foram instalados hospitais de emergência no convento”,31 caso

em que os próprios franciscanos arcaram com os custos e com os bene- fícios da Fonte de Santo Antônio.

Os chafarizes públicos poderiam transformar e serem transformados pelos espaços onde foram instalados. Criados para ordenar o consumo da água, reconhecidos como signos materiais da capacidade e distinção urbana, o uso desses espaços poderia lhes atribuir novos signifi cados na trama da cidade. As trajetórias dos Chafarizes do Rossio e de São Gonça- lo elucidam como esses suportes d’água se tornaram palcos da desordem física e social, e as estratégias da Câmara para contornar esses desvios.

O Chafariz do Rossio, conhecido como Chafariz da Praça ou de Re- puxo, edifi cado em 1749, foi o primeiro a receber as águas do aqueduto subterrâneo.32 Entre desmontes, construções e reparos sofridos, essa

obra pública ocupava um espaço de exímia importância na vida urbana. O Rossio, também conhecido como Largo da Carvalhada, era o lugar da cidade onde aconteciam os curros e as touradas, os festejos dos nasci- mentos e casamentos da família real.33

30 HONOR, André Cabral. Sociedade e cotidiano: as fontes d’água na formação da cidade de João

Pessoa no período colonial. (Bacharelado em História) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2006, p. 38-55.

31 Idem. p. 38.

32 AHCMM. Códice 135. Auto de Arrematação do Chafariz e fonte que se há de fazer nesta cidade.

26/02/1745. fl s. 50v-53v.

33 VASCONCELLOS, Salomão. Op. Cit., Saint- Hilaire, no início do século XIX, reiterava: “A Praça

das Cavalhadas é um quadrilátero alongado e coberto de grama; é lá que nos festejos públicos se fazem as corridas a cavalo e os torneios públicos”. SAINT-HILAIRE. Viagem pelas Províncias do Rio

Em 1795, o chafariz que fazia parte desse cenário de intensa circu- lação foi desmontado para atender à reordenação espacial dirigida pela Câmara Municipal no largo. Os ofi ciais locais decidiram “fazer e regular a praça principal desta cidade vulgarmente chamada do Largo do Cha- fariz”.34 A reforma envolveu o desmanche de parte da morada de Joana

Jacinta e a construção de um novo chafariz no largo, tudo para “regular e aformosear a praça”.35

O motivo da reorganização espacial foi a falta de alinhamento entre as esquinas onde fi cavam as moradas de Joana Jacinta e Rita Eufrázia. Conforme descrevem os ofi ciais locais, a habitação de Joana Jacinta “cor- ria para o centro da praça”, fora do “ângulo correspondente” à esquina, onde estava a casa de Rita Eufrázia. Após alguns anos de insistência, o Senado conseguiu convencer Joana Jacinta, a qual aceitou que tirassem “semelhante obstáculo”, com a condição de que o governo local fi zesse a casa da mesma forma para os fundos do terreno, em conformidade “com o outro referido ângulo, que faz para Rua de São José”.36 Na mesma au-

diência, o Senado acordou ainda “mudar-se o Chafariz que está na dita praça por desembaraçá-la, encurtando-[a] proporcionalmente a um lado dela”.37 José Francisco Álvares procedeu à reedifi cação da casa de Joana

Jacinta Cláudia de Freitas38 e Francisco Álvares Quinta, à demolição do

Chafariz da Praça e à fatura de uma nova fonte, “encostada à parede que divide o quintal de Dona Joana Jacinta para o Largo da Praça”:39

Será obrigado quem arrematar a obra acordada fazer da pa- rede de D. Jacinta daquela que divide a Rua debaixo até o cunhal da Casa de D. Rita e dobrando a corda ao meio aonde der fará pião para o assento da dita fonte, dividindo o lugar que ela se ocupar tanto para um lado como para

34 AHCMM. Acórdão. Códice 209. 16/07/1795. fl s. 132v. 35 AHCMM. Acórdão. Códice 209. 16/07/1795. fl s. 132v.

36 AHCMM. Acórdão. Códice 209. 16/07/1795. fl . 132v. AHCMM. Arrematação. fl s. 250v-252v. 37 AHCMM. Acórdão. Códice 209. 16/07/1795. fl s. 132v.

38 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 07/1795. fl s. 250-252v. 39 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 10/07/1795. fl s. 252v-253v.

o outro em razão de fi car bem no meio daquela frente.40

A reforma no Largo do Rossio primou pela ordenação visual da pra- ça.41 Cada forma urbana da cidade contribuía para o funcionamento da

fi siologia urbana e, no conjunto das atribuições incumbidas aos chafa- rizes, importava ainda estarem adequadamente dispostos, em harmonia e conformidade com o espaço onde foram inseridos. Na edifi cação da nova fonte, encostada ao centro do quarteirão, os furos para as bicas e seus canudos deveriam estar divididos “de sorte que não fi que mais dis- tância de um para o outro”, uma preocupação urbanística tanto com a organização interna quanto com a fi nalidade essencial da obra: fornecer o líquido adornando apropriadamente o espaço da cidade.

No caso do Chafariz de São Gonçalo, um conjunto de elementos levou à trasladação da obra para o largo do Rossio. A fonte pública cons- truída em 1759, “na Rua Direita, junto à ponte de São Gonçalo”,42 abas-

tecia o arrabalde de São Gonçalo e ocupava uma posição estratégica ao fornecer o líquido na saída da cidade, no primeiro caminho para Vila Rica.43 Conforme vimos, até 1782, era pelo morro de São Gonçalo que

os transeuntes seguiam para a sede da comarca Vila Rica, quando, então, um novo trecho do caminho foi modifi cado, transformando o Morro de São Pedro em novo ponto de saída da cidade.44

40 AHCMM. Arrematação. Códice 377. 10/07/1795. fl s. 252v-253v.

41 Sobre a função e reformas nas praças coloniais Cf. CALDEIRA, Júnia Marques. A Praça Brasileira:

trajetória de um espaço urbano, origem e modernidade. Tese (Doutorado em História).– Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007, pp.73-93; CURTIS, James R. Praças, Place, ande Public Life in Urban Brazil. Geographical Review, v. 90, n. 4, oct., 2000. Disponível em http://www.jstor.org/stable/3250780. Acesso em: 22 mar.2009

42 AHCMM. Acórdão. Códice 705. 13/02/1750. fl s. 43v. Cf. também: AHCMM. Arrematação. Códice

135. 01/08/1750. fl s. 96v-97. (AHCMM. Códice 462. Edital, 10/11/1753. fl . 116.). Mas foi apenas em 1759 que Antônio Moreira executou o novo chafariz com seu aqueduto, recebendo pela obra, no ano seguinte, 1:200$000 réis (AHCMM. Lista de despesa de 1760. Códice 176. fl . 154). O novo chafariz seria alimentado por uma mãe d’água que se localizava nas proximidades, obrigando o construtor a fazer todo o encanamento de telhões betumados de “cal e azeite de mamona” e de “cem em cem palmos uma pia de pedra para nela se assentar os esporos da dita água”. AHCMM. Códice 220. 25/04/1759. fl s. 64v-65v.

43 Em 1760, João de Caldas Bacelar procedeu aos reparos na calçada e nas saídas das águas da Fonte

de São Gonçalo que passavam pelo “rebaixe da calçada que segue para Vila Rica”. AHCMM. Arre-

matação. Códice 220. 10/12/1760. fl s. 91-92v.

A Fonte de São Gonçalo era abastecida por uma mina d’água do morro e foram frequentes as reclamações sobre a falta d’água e os repa- ros na sua estrutura construtiva para resolver esse problema. Em 1762, poucos anos após sua inauguração, o ouvidor José Pio Ferreira Souto or- denou que se procedessem as intervenções necessárias no encanamento para que fosse incluída mais água no chafariz.45 Na correição geral re-

alizada pelo ouvidor Manuel Joaquim Pedroso, em 1781, o funcionário régio alegava sobre “a muita necessidade de se encanar as águas para o Chafariz de São Gonçalo”, localizado no “caminho [...] o mais antigo e primeira entrada desta cidade e o que dá passagem a todos os viandantes que iam para o Mato Dentro”. O governo local deveria tomar as provi- dências cabíveis: “buscar mais alta [a água] para poder correr no mesmo chafariz, [...] porque os maiores daquela paragem padecem necessidade grande”.46

Segundo Moura Santos, o Chafariz de São Gonçalo teria sido insta- lado no Largo da Quitanda, “a praça do mercado, local onde os tropeiros que percorriam a região vendiam suas mercadorias”. De acordo com o autor, com a expansão da cidade para o sentido sul (atrás da Sé), o bairro decadente teria se transformado em “uma comuna de malandros e ele- mentos da escória”.47

Em 1801, uma medida da Câmara veio alterar ainda mais esse es- paço da cidade. Os ofi ciais locais arremataram a trasladação do Chafariz de São Gonçalo para o Largo do Rossio.48 A frequente falta d’água e a

transformação social do Largo da Quitanda seriam motivos razoáveis para a decisão dos vereadores pelo deslocamento dessa obra para outro trecho da cidade. Neste momento, o Caminho de São Gonçalo já havia caído em desuso e substituído pela saída do Morro de São Pedro, o que

45 AHCMM. Audiência da Correição da Câmara. Códice173. Ano de 1762. fl s. 27v-29.

46 AHCMM. Audiência Geral da Correição feita aos ofi ciais da Câmara desta cidade o presente ano de

1781. Códice 173. fl . 51v.

47 Encontramos duas referências de localização para a Fonte de São Gonçalo. Para Moura Santos,

o chafariz teria sido construído no Largo da Quitanda, enquanto na arrematação da obra consta a edifi cação “na Rua Direita, junto à ponte de São Gonçalo”. MOURA SANTOS, Waldemar de. Lendas