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Agência de notícias alternativas na Web: Adital, Carta Maior e IPS

Laércio Torres de Góes

1. Agência de notícias alternativas na Web: Adital, Carta Maior e IPS

No final do século XX, várias formas de imprensa alternativa surgiram ao redor do mundo, principalmente no ciberespaço, inspiradas pelos movimentos antiglobalização, como o Fórum Social Mundial. Baseadas na crença de que os meios de comunicação tradicionais e hegemônicos contribuem para a permanência e crescimento dos problemas sociais causados pela globalização, ao difundirem e defenderem as ideias neoliberais e o discurso da inevitabilidade do fenômeno.

Dentre as várias mídias alternativas surgidas na Web que compartilham dos valores dos movimentos sociais ou do pensamento de esquerda, algumas seguiram o modelo das agências de notícias, pelo menos em sua nomenclatura. Pretendemos compreender o fenômeno das agências de notícias alternativas no âmbito do jornalismo digital, analisando principalmente as rotinas de produção de conteúdo da Adital (Agência de Informação Frei Tito para a América Latina), da Carta Maior e da IPS (Inter Press Service). As fases de coleta, seleção, apuração e publicação das notícias.

Adital 1 é uma iniciativa de pessoas e de movimentos populares e de

direitos humanos ligados à Igreja Católica. Segundo suas diretrizes disponíveis no site 2 , coloca-se como canal de comunicação para a inserção da agenda

social latino-americana e caribenha na mídia nacional e internacional, através de cobertura jornalística profissional. Sua produção destina-se, em primeiro lugar, a jornalistas da mídia mundial e outros setores da sociedade civil organizada na América Latina, Caribe e parte da Europa, Estados Unidos e Canadá. Tem 76 mil assinantes cadastrados, cujo perfil se compõe de pesquisadores e professores de ensino superior, profissionais liberais de diferentes categorias, ONGs, associações, sindicatos, instituições públicas e privadas, estudantes, pessoas ligadas a diferentes confissões religiosas.

Há duas versões em português e espanhol do site, com conteúdos também diversos, relacionados ao Brasil especificamente ou América Latina e o Caribe em geral. Afirma ter como objetivos: estimular um jornalismo de cunho ético e social; favorecer a integração e a solidariedade entre os povos; desvendar para o mundo a dignidade dos que constroem cidadania; dar visibilidade às ações libertadoras que o Deus da Vida faz brotar nos meios populares; fazer conhecer o protagonismo dos atores sociais que são as suas fontes de

informação e democratizadores da comunicação. Além de uma ampla rede de correspondentes, a Adital afirma relacionar-se com membros de ONGs e do Terceiro Setor, ativistas nos movimentos sociais e redes de Direitos Humanos, líderes sindicais, trabalhadores urbanos e rurais, docentes e discentes de universidades, minorias raciais e sexuais, portadores de deficiências, pessoas na terceira idade, grupos eclesiais e agentes das pastorais sociais de diferentes igrejas e tradições religiosas.

A agência foi criada a partir do interesse de três entidades italianas: a Fondazione Rispetto e Paritá (FRP), a Agenzia di Stampa (Adista), a Rete ‘Radiè Resch’ (RRR) que, em 1999, apresentaram a Frei Betto a proposta de organizar no Brasil uma agência de notícias que divulgasse ao mundo a vida e os acontecimentos da América Latina e Caribe. Em janeiro de 2000, uma equipe de trabalho começou a estruturar a Adital, escolhendo a cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, no Nordeste brasileiro, para sediar a agência. Em 22 de Fevereiro de 2000, lavrou-se a ata de fundação da Agência de Informação Frei Tito para América Latina.

Até 2002 contou com o apoio da Missionscentral der Franciscaner (Alemanha), ADVENIAT (Alemanha), a Rede "Radiè Resch" (Alemanha) e do Governo do Departamento de Bolzano (Itália); e, até 2004, da Fundação "Rispetto e Paritá" (Itália). A Adital foi lançada oficialmente em 13 de Março de 2001. A escolha do nome de Frei Tito (de Alencar Lima), morto em 1974, foi em homenagem a este religioso vítima da ditadura militar implantada no Brasil em 1964.

Na verdade, assim como a Carta Maior, a Adital, mais do que seguir um modelo de agências de notícias, caracterizada pela agilidade e atualidade das informações, funciona como uma revista eletrônica. Disponibiliza notícias de produção própria ou de terceiros relacionados às questões sociais da América Latina e Caribe.

Pela sua importância na comunicação alternativa, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em março de 2005, reconheceu a Adital como uma das três melhores agências de notícias, entre as 20 melhores iniciativas de comunicação da América Latina, dentro da proposta “Procuram-se ideias e melhores práticas para promover a produção e a difusão de conteúdos locais na América Latina”. A entidade selecionou 20 “boas ideias” que melhor correspondem às prioridades e linhas de ação atuais da UNESCO, considerando também “o êxito comprovado das iniciativas, o aspecto inovador dos projetos, a qualidade do conteúdo produzido e a capacidade de chegar às comunidades marginais”.

Talvez por sua ligação com a Igreja Católica, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) outorgou a Adital, em abril de 2005, o Prêmio Dom Hélder

Câmara de Imprensa na categoria Grande Mídia. O júri reconheceu o trabalho da Cobertura do Fórum Social Brasileiro, de novembro de 2003, como sendo "uma prática exemplar de jornalismo cidadão”.

A Carta Maior 3 foi criada pela iniciativa de Joaquim Palhares, advogado e

filiado do Partido dos Trabalhadores (PT), e lançada em fevereiro de 2001, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre. A Carta Maior, na verdade, era um boletim jurídico impresso gaúcho, onde Palhares fazia críticas ao sistema financeiro. Com o Fórum Social, toma a decisão de transformar o veículo em agência digital, pois tinha o temor de que o evento não teria a cobertura isenta da mídia:

Por causa do Fórum Social M undial. Eu identifiquei que a imprensa não ia dar repercussão ao Fórum. I a ser contra, criar um monte de dificuldades. Então eu vi que ia precisar de alguma coisa. E também, o partido estava maduro, pronto pra fazer uma disputa concreta pelo poder. E não tinha veículo alternativo. O s que têm hoje não existiam. Então eu achei que isso ajudaria a disputa. Abandonei a ideia do boletim e a I nternet se apresentou como um instrumento importante (...). Assim como o FSM . Essa luta contra a globalização, contra o neoliberalismo só é possível tendo em vista a Internet 4.

O compromisso declarado da Carta Maior é contribuir para desenvolver um sistema de mídia democrática no Brasil e, de modo mais amplo, trabalhar pela democratização do Estado brasileiro, pelo fortalecimento da integração sul- americana e de todos os movimentos que lutam pela construção de uma globalização solidária 5 . Afirma que seus princípios editoriais estão afinados,

entre outras coisas, com o ideário do movimento internacional que deu origem ao Fórum Social Mundial. A agência é dirigida ao público em geral e às publicações de imprensa interessada numa linha editorial antiglobalização. Possui acordos e parcerias com outros órgãos de imprensa independentes do exterior, que permitem a cobertura de eventos internacionais, como os Fóruns Sociais Mundiais.

A Carta Maior nasceu como uma iniciativa jornalística dos novos impulsos do processo do Fórum Social Mundial, propondo-se a tratar a produção de informações na perspectiva do ideário produzido pela globalização solidária. Com o tempo, ocorreu uma grande diversificação do perfil dos leitores, que inclui militantes sociais, intelectuais, formadores de opinião e jornalistas, políticos, acadêmicos e estudantes e outros, tanto de concepções mais progressistas quanto de convicções mais conservadoras, que buscam na Carta Maior parâmetros do que se discute nas esquerdas em geral 6.

notícias, mas em uma revista eletrônica, dado o tratamento analítico dos fatos adotado nas matérias. Apesar de ter ganhado em 2007 o Troféu Dia da Imprensa, promovido pela Revista Imprensa, como a melhor página de “hard news”, a Carta Maior pouco tem em comum com a produção ágil e em tempo real de informações das agências de notícias tradicionais.

A IPS é precursora das agências de notícias alternativas. Por ser a mais antiga e ter um alcance mundial, é a que possui também maior material bibliográfico e de pesquisa. Além de ter uma melhor estrutura administrativa e de organização e seguir mais fielmente o modelo das agências de notícias. A agência surgiu em 1964 como uma cooperativa internacional sem fins lucrativos de jornalistas, fundada pelo economista ítalo-argentino Roberto Sávio e pelo cientista político argentino Pablo Piacentini, no âmbito das discussões sobre a NOMIC (Nova Ordem Mundial de Informação e de Comunicação) e do desequilíbrio nos fluxos internacionais de informação.

Inicialmente, com o objetivo de converter-se numa ponte de informação entre a Europa e a América Latina, as primeiras atividades da IPS estavam direcionadas para oferecer aos governos latino-americanos – o chileno foi o primeiro a contratar seus serviços – acordos para a distribuição de um boletim diário de notícias a suas embaixadas no exterior através do rádio teletipo, mais barato que o telex. Neste acaso, a função da agência era meramente técnica, pois os boletins eram elaborados pelos respectivos governos. Com as bolsas e doações de ajuda para o desenvolvimento da IPS de várias organizações não governamentais da Europa Ocidental e dos partidos democrata-cristãos da Itália, Alemanha e Chile, a IPS estabeleceu gradualmente uma rede de telecomunicações que facilitou a distribuição de seu próprio serviço de notícias e artigos em espanhol, tanto na América como na Europa (POZO, 1996).

Com a expansão nos anos de 1970 e 1980 e pela necessidade de descentralização, foi criada uma estrutura regional, sendo a primeira etapa o estabelecimento de um escritório latino-americano em San Jose, Costa-Rica, em 1982; para ser seguido logo pelo escritório regional africano em Harare, em Zimbábue e, outro na Ásia Central, em Manila, Filipinas. Os escritórios centrais permaneceram em Roma. Alguns anos mais tarde, centros regionais novos foram estabelecidos na Europa e América do Norte.

Neste período, a IPS adota uma estratégia global para o Terceiro Mundo e seus problemas, de uma perspectiva menos política e governamental e mais pragmática. Além dos contratos com as agências dos países em desenvolvimento, são feitos acordos especiais com organizações internacionais e regionais, de caráter governamental e não governamental, que culmina com a possibilidade de criar uma rede de informação do Terceiro Mundo através do

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). A diversificação regional é facilitada pela instalação de um novo sistema computadorizado (ERMES-IRICOM), que conecta toda a rede de canais via satélite, permitindo a qualquer operador transmitir automaticamente a outros pontos da rede e solicitar a repetição de mensagens armazenadas incluídas durante um mês (POZO, 1996).

Em 1994, a IPS mudou sua estrutura organizacional global e seu status legal e tornou-se "uma organização não governamental internacional sem fins lucrativos", aberta aos jornalistas e aos profissionais de comunicação e às organizações ativas nos campos da informação e da comunicação. Em 2000, cada centro regional foi incorporado e transformou-se uma entidade autônoma, coordenando seus esforços e atividades com os outros centros. Em 2005, os centros regionais e o Serviço de Colunista da IPS estabeleceram a agência de notícia internacional IPS como um consórcio registrado em Roma, Itália.

Segundo política editorial publicada em seu site 7, a IPS não possui

orientação nacional nem política, e aspira uma representação igualitária de gênero, diversidade étnica e distribuição geográfica. Além disso, se dedica a promover a participação democrática na vida econômica, social e política, a participação total dos países do Sul na elaboração de políticas internacionais e a participação plena das mulheres no processo de desenvolvimento. É uma associação internacional sem fins lucrativos de jornalistas e de outros profissionais no campo das comunicações. Tem o status consultivo de ONG (Organização Não governamental) no Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Organização das Nações Unidas.

Além de seus serviços principais em inglês e espanhol, uma parte de notícias da IPS é produzida em outros idiomas, incluindo português, francês, bahasa-indonésio, bengali, holandês, finlandês, alemão, hindi, kiswahili, mandarim, nepalês, norueguês, sinhala, sueco, tamil, tailandês e urdu. O material produzido chega via satélite e Internet aos seus clientes, que incluem três mil meios de comunicação e dezenas de milhares de grupos da sociedade civil, acadêmicos e outros usuários.

Com o lema “dá voz aos que não têm voz” 8 , a IPS concentra sua

cobertura de notícias nos eventos e processos globais que afetam o desenvolvimento econômico, social e político dos povos e das nações. Mas a ênfase na globalização é a fase mais recente na atuação da agência. Com a Guerra Fria e o crescimento do movimento dos países não alinhados, ampliou seu foco nos problemas e prioridades das regiões desenvolvidas e promoveu a circulação de informações Sul-Sul para incentivar a integração regional e o desenvolvimento econômico, político e social (GIFFARD, 1998).

A especialidade da IPS é a produção de notícias do Terceiro Mundo, oferecendo uma agenda diferente das agências internacionais ocidentais, com ênfase no desenvolvimento, direitos humanos, democratização, meio ambiente, saúde, educação, cultura e gênero. Nos seus objetivos incluem a promoção do fluxo de informação entre as nações em desenvolvimento e a distribuição de notícias sobre o Sul aos clientes nas nações industrializadas do Norte (HORVIT, 2006; GIFFARD, 1999; RAUCH, 2003). A IPS proporciona análises e comentários de jornalistas e especialistas sobre os eventos e processos globais que afetam o desenvolvimento econômico, social e político dos povos e das nações, particularmente no Sul.

O uso da Internet pela IPS, a partir de 1996, tem contribuído para a sua sobrevivência. As novas tecnologias não apenas diminuíram os custos, mas fazem avançar sua missão de promover uma comunicação alternativa entre os povos do mundo e assegurar que todas as vozes de diversos grupos sejam ouvidas (GIFFARD, 1998). Como afirma em seu site em inglês, a IPS assimilou rapidamente as mudanças trazidas pelas novas tecnologias na comunicação, transformando-se de uma agência de notícias impressas para uma de conteúdo multimídia, oferecendo serviços em uma variedade de línguas e formatos. Em parcerias com outras organizações, a Internet permitiu a IPS aumentar seu espaço e alcance.