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CAPÍTULO 2 – GÊNERO E INTERSECCIONALIDADE NAS ESCOLAS

2.2 A PERSPECTIVA DE GÊNERO NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

2.2.1 A AGENDA DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO

A partir de 2003 a agenda de gênero na educação se fortalece com a estruturação das questões das mulheres. Como iniciativa da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM/PR), por meio da parceria entre a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR), a Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC), a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC)35 e o Centro Latino Americano em

35 A partir de 2011 essa Secretaria passou a ser denominada Secretaria de Educação Continuada,

111 Sexualidade e Direitos Humanos (SLAM/UERJ), em 2005, estruturou-se o Programa Gênero e Diversidade na Escola visando a formação continuada de professoras e gestoras da Educação Básica nas temáticas gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. (BRASIL, PNPM, 2003-2013)36.

Nestes termos, o Programa vem atender aos objetivos e metas estabelecidos pelo PNM (2013-2015, p.23-24), como por exemplo: Objetivo Geral: “Consolidar na política educacional as perspectivas de gênero, raça, etnia, orientação sexual, geracional, das pessoas com deficiência e o respeito à diversidade em todas as suas formas, de modo a garantir uma educação igualitária e cidadã”; Objetivo Específico: “Eliminar conteúdos sexistas e discriminatórios e promover a inserção de temas voltados para a igualdade de gênero e valorização das diversidades nos currículos, materiais didáticos e paradidáticos da educação básica”; Meta: “Formar até 140 mil profissionais da rede pública de educação nas temáticas de gênero, étnicas, raciais e de orientação sexual por meio do Programa Gênero e Diversidade na Escola.”

Pode-se afirmar a significativa importância de políticas públicas como o Programa Gênero e Diversidade na Escola no âmbito das Universidades, mas evidencia-se a perspectiva de avançar para além desses espaços promovendo novos espaços. (CARREIRA et al., 2016a).

Outras ações desenvolvidas pelas Secretarias de Educação Estaduais e Municipais das capitais do país, além das ouvidorias dos seus respectivos Estados e Municípios, visando, nos anos 2011, o fortalecimento da educação para a igualdade de gênero e de sexualidade nas políticas educacionais. No entanto, poucas Secretarias de Educação explicitaram gênero nos nomes de coordenações, departamentos e núcleos. Quando utilizado o termo, vinculado à promoção da igualdade de gênero na educação está articulado às agendas de Direitos Humanos e Saúde. (CARREIRA et al., 2016a). Quando ocorre alguma ação concentra-se nas etapas da educação básica: ensino fundamental e médio e na modalidade educação de jovens e adultos.

As dificuldades da maioria das Secretarias de Educação Estaduais e Municipais do país em desenvolver ações como previsto nas legislações, citadas anteriormente, e no Plano Nacional de Educação relaciona-se com a disposição de recursos no

36 A proposta é também investir na qualificação de 40 mil gestoras em políticas públicas nas temáticas:

gênero, etnia e raça por meio do Programa Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. (GPP/GR). (BRASIL, PNM, 2013-2015).

112 orçamento para realizar programas comprometidos na implementação de estratégias transversais de governo, articuladas com a educação e destinadas a promover a diversidade, os direitos humanos, a inclusão e a igualdade de gênero na educação.37

No contexto de descentralização da educação via municipalização, a escola como uma das instâncias desse processo, encontra na formação do Plano de Educação a possibilidade de participação da comunidade local e de toda a sociedade no exercício da democracia direta definindo a elaboração de seus respectivos Planos Municipais de Educação com o papel estratégico político-educacional. (SOUZA; FARIA, 2004).

Relacionando o Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM) e o Plano Nacional de Educação (PNE), como políticas de Estado brasileiras, identifica-se o campo do magistério como lócus propício para a afirmação da cidadania das mulheres, assim como se define a professora como sujeito multiplicador de tais políticas no âmbito da escola por ser agente direto na “inclusão das questões de gênero, raça e etnia nos currículos escolares, além do reconhecimento e busca de formas que alterem as práticas educativas, a produção de conhecimento, a educação formal, a cultura e a comunicação discriminatórias.” (BRASIL, PNPM, 2005).

O PNPM (2005) traça quatro linhas de ação. Nosso estudo volta-se para a ação “Educação inclusiva e não-sexista” que objetiva, entre outros objetivos,

incorporar a perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual no processo educacional formal e informal; garantir um sistema educacional não discriminatório, que não reproduza estereótipos de gênero, raça, etnia; [...] promover a visibilidade da contribuição das mulheres na construção histórica da humanidade; [...].

Entre as finalidades definidas pelo Plano destaca-se “promover ações no processo educacional para a equidade de gênero, raça, etnia e orientação sexual”, portanto, gênero sempre em uma perspectiva interseccional. (PNPM, 2005). Em acordo com o que está previsto no PNE (2014-2024): seu artigo 2º, prevê a implantação de programas e políticas educacionais destinadas a combater “todas as

37 Nos anos 2014 e 2015 o Brasil passou por um período difícil durante a tramitação dos Planos,

Nacional de Educação (2014-2024), Estaduais e Municipais que tramitavam em suas respectivas casas legislativas. A onda de questionamentos em torno do lugar de gênero, sexualidade e raça nos Planos vem sendo protagonizada por grupos religiosos fundamentalistas e com outros grupos contrários às agendas de direitos humanos, como, por exemplo, o movimento “Escola sem Partido”. (CARREIRA et al., 2016b, p. 5 e 16). Situação que levou à exclusão de qualquer referência a gênero e a sexualidade do texto do PNE em muitos Planos de Educação Estaduais e Municipais do país.

113 formas de discriminação” existentes na escola. No mesmo artigo, o PNE prevê a promoção dos direitos humanos e da diversidade na educação brasileira.

O estudo da tese que ora apresentamos defende a perspectiva de intervenção do Estado na formação continuada de professoras da educação básica visando incorporar a política de gênero, raça, etnia e orientação sexual no processo educacional.

O Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) desenvolve em 14 países – no qual o Brasil faz parte – a Campanha por uma educação não sexista e antidiscriminatória nos anos 2009 e 2011. O propósito é constituir uma articulação plural de organização e sociedade civil em defesa dos direitos humanos e por uma educação pública laica, gratuita para todos os cidadãos; além de dar visibilidade aos desafios das relações sociais de gênero. (CARREIRA, 2016b).

De acordo com o modelo de política social brasileira adotado nas últimas décadas a garantia da oferta de bens e serviços se dará por meio de programas e ações do Estado na implementação de um conjunto diversificado de políticas públicas setoriais e transversais. A igualdade de gênero como uma política transversal, “é, ao mesmo tempo, um construto teórico e um conjunto de ações e práticas políticas e governamentais”. (BRASIL, PNM, 2013-2015).

Ressalta-se, o objetivo da política social quanto à promoção social volta nossa atenção para a política setorial de educação sustentando a premissa que a qualificação docente por meio de Programas que privilegiem políticas transversais precisa ser considerada para a superação de preconceitos, à medida que amplia o número de sujeitos multiplicadores do entendimento das estruturas e dinâmicas sociais que se mobilizam na produção de desigualdades presentes na história da formação da cultura brasileira.

A conjuntura atual brasileira apresentou-se em pleno avanço no que diz respeito ao conservadorismo religioso no governo do Presidente Michel Temer (2016- 2018) e no de Jair Bolsonaro (iniciado em 2019). O crescimento do número de evangélicos neopentecostais entre os deputados eleitos nas eleições de 2014 tem relação com o movimento popular de 2013 em torno da renovação política, por conta do descontentamento com as forças governamentais progressistas; as pautas sobre

114 direitos a transporte, saúde, educação, segurança pública, além da preocupação com a “degradação moral” gerando a ascensão de políticos conservadores.

O novo Congresso em 2014 anuncia, em troca de apoio ao impeachment da então Presidente Dilma Rousseff, que o país corre o risco de caminhar na contramão das políticas, principalmente as relacionadas à garantia da saúde das mulheres e igualdade de gênero. Segundo Zanatta et al. (2016, p.02),

O foco da atenção sobre os partidos conservadores como principais promotores de retrocessos frente às políticas para a saúde das mulheres e a igualdade de gênero não é recente. Um estudo realizado na Espanha para avaliar o impacto dos governos sobre as políticas e ações para a promoção da igualdade de gênero e saúde da mulher, no período de 2002 a 2014, evidenciou que com a desculpa da crise econômica somente os partidos conservadores e de direita promoveram retrocessos para a pauta de gênero e saúde da mulher durante o seu período de governabilidade. Todavia, no atual cenário governamental, não se enfrenta somente o problema do conservadorismo político, tem-se outro ainda mais crítico – o fundamentalismo religioso.

Os representantes de tais partidos, que unem política e religião, se colocam em defesa da família patriarcal, branca e heterossexual; e disseminam a misoginia, a homofobia e a intolerância à categoria de gênero.

A constante ameaça de perdas relacionadas aos direitos conquistados, que forçavam o retrocesso de conquistas, ou o seu enfraquecimento, acabaram por extinguir a Secretaria de Políticas para as Mulheres após o afastamento da Presidenta.

A escola também sofre com os impactos do conservadorismo religioso governamental ao trazerem a pauta “ideologia de gênero”. Termo utilizado por representantes da bancada religiosa que se posicionam contra a discussão de ensino sobre gênero e sexualidade nos planos municipais, estaduais e federais de educação. Sobre esse assunto falaremos no próximo capítulo.

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