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A discussão sobre a esfera pública e sua capacidade ou incapacidade de influenciar o Estado evidencia a necessidade de se incluir no debate as discussões sobre formação da agenda.

Para Kingdon (2006, p. 222), agenda é “a lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento de séria atenção tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas fora do governo mas estritamente associadas às autoridades”.

Cobb e Elder (1995) trabalham com o conceito de “tema” (issue), que seria anterior à agenda. Para os autores, um tema é um conflito entre dois ou mais grupos identificáveis a respeito de assuntos relacionados à distribuição de posições ou recursos. Para Cobb e Elder (op. cit.), um tema é criado quando são combinadas a ação dos “iniciadores” (initiators) e o uso de um “disparador” (triggering device).

Os iniciadores seriam pessoas ou grupos que disputam recursos ou posições: os disparadores, mecanismos ou eventos que desencadeiam as demandas dos iniciadores. Uma vez criado o tema, existem condições para a criação da agenda.

Para Cobb e Elder (op. cit.), há dois tipos de agenda política: a agenda sistêmica e a agenda formal. Para que um tema ganhe acesso à agenda sistêmica, seriam necessários três pré-requisitos: atenção ampla (ou, ao menos, preocupação); um consenso compartilhado por uma porção razoável do público de que alguma ação é necessária; e uma percepção de que o assunto merece a atenção governamental.

O segundo tipo de agenda é a agenda formal ou institucional, definida por Cobb e Elder (op. cit., p. 99, tradução nossa) como “o conjunto de itens explicitamente colocados para a consideração séria e ativa de tomadores de decisão”.

Os autores esclarecem que os adjetivos “séria” e “ativa” servem para diferenciar a agenda formal da pseudo-agenda, que seria a forma de registrar uma demanda sem considerar seus méritos explicitamente. As autoridades, ainda segundo os autores, costumam utilizar a pseudo-agenda para minimizar a frustração de alguns grupos e para evitar que a recusa em registrar a demanda possa ter custos políticos.

De acordo com Fuks (2000, p. 80, tradução nossa),

[...] duas questões básicas no estudo a respeito da definição de assuntos públicos e, mais especificamente, da definição de agenda são as seguintes: 1) como surgem novos assuntos públicos e por que alguns (e não outros) ascendem às arenas públicas e ali permanecem (ou não); 2) que atores participam do processo de definição de assuntos públicos. [...] a emergência de questões na agenda pública explica-se mais em termos da dinâmica social e política do que dos atributos intrínsecos dos assuntos em disputa; ou seja, das condições 'reais' dos problemas em questão. .

O autor propõe, então, uma “reformulação da sociologia dos problemas sociais, [uma proposta que] envolve o deslocamento do foco da análise das chamadas ‘condições objetivas’ para o processo de reconhecimento subjetivo que conduz à sua definição enquanto problema social”. (loc. cit.). O sucesso da emergência de um tema estaria relacionado com os recursos materiais, organizacionais e simbólicos disponíveis para determinado grupo.

O autor (Ibid.) exemplifica a importância de se considerar o “reconhecimento subjetivo” mencionado no caso narrado por Baumgarner e Jones a respeito da evasão escolar nos EUA: enquanto o dado é percebido como uma escolha pessoal daqueles que abandonam as escolas, o problema deve ser resolvido no âmbito familiar. Apenas no momento em que essa evasão é vista como responsável pela perda da qualidade de mão de obra e de competitividade internacional, é que o assunto passa para o âmbito das arenas de ação e debate público.

Fuks (2000, p. 81, tradução nossa) destaca que esse reconhecimento subjetivo passa, também, pelo contexto cultural, uma vez que “(c)ertos assuntos são favorecidos por sua associação com temas culturais e valores mais amplos, já sedimentados”, como “livre mercado”, “propriedade privada” e “progresso.”

Além de fatores culturais, “elementos estruturais como a organização do Estado e a Constituição também configuram o contexto do processo de definição dos assuntos públicos”. (BOSSO, 1994 apud FUKS, loc. cit.).

Outro aspecto importante levado em conta pelos teóricos da formação da agenda é o peso diferenciado dos vários grupos em disputa por espaço no debate público.

Para Cobb e Elber (1995), alguns fatores explicam essa assimetria: em primeiro lugar, os tomadores de decisão podem estar em débito com um grupo específico ou podem se identificar como membro daquele grupo. Segundo: alguns grupos têm mais recursos do que outros ou tem melhores condições para mobilizar recursos. Terceiro: alguns grupos estão localizados, estrategicamente, na estrutura econômica ou social da sociedade; assim, seus interesses não podem ser ignorados. Quarto: alguns grupos (como médicos ou líderes religiosos) são muito estimados pela população e, por isso, têm mais acesso aos tomadores de decisão.

No que diz respeito aos atores que participam do processo de definição de problemas públicos, Fuks parte da concepção de conflito político elaborada por Schattschneider.

O conflito político não é como um debate intercolegial (entre alunos de faculdade), no qual os oponentes concordam, de antemão, na definição dos assuntos. De fato, a definição das alternativas é o instrumento supremo de poder; os adversários raramente concordam na definição dos assuntos, porque essa definição envolve poder. Aquele que define o assunto da política comanda o país; porque a definição das alternativas implica a escolha dos conflitos e a seleção de conflitos aloca poder. (SCHATTSCHNEIDER, 1960 apud FUKS, 2000, p.81).

O conflito político depende, em seu desdobramento, do controle do nível de participação pública. A entrada em cena de novos atores seria o meio mais eficaz de se alterar a correlação de forças original e, consequentemente, o desfecho do conflito. “Interessa ao ator em desvantagem vencer a apatia da maioria dos cidadãos e estimular a mobilização do público em torno do conflito por meio de uma nova definição do assunto em pauta”. (Ibid. apud FUKS, op. cit., p. 86).

O conjunto de atores nessa disputa varia desde a restrita comunidade de especialistas em determinadas áreas das políticas públicas até o espaço social mais amplo, avalia Fuks (op. cit., p. 84). No entanto, o autor concorda com Cobb e Elber (1995) sobre a proeminência de certos atores nessa arena:

[o]s atores situados no âmbito das instituições governamentais estão entre aqueles que assumem uma posição privilegiada nessa disputa. A visibilidade de seus pronunciamentos e o caráter singular do discurso público oficial – fortalecido por seu amparo em outras formulações estatais (p. ex.: leis) – asseguram a esses atores condições especiais de participação no debate público.