3.1 IMPLEMENTAÇÃO
3.1.3 Lei de acesso
Algumas tentativas de se apontar fatores importantes na implementação de leis de acesso a informação pública já foram feitas.
Calland (2003) identifica cinco pontos de partidas para o debate sobre a implementação de Leis de Acesso a Informação:
• A implementação é crucial: sem efetiva implementação, uma lei de acesso – ainda que bem desenhada – será um fracasso;
• A implementação é um acordo bilateral: entre os detentores de informação (governos) e os solicitantes (cidadãos e organizações da sociedade);
• A implementação deve ser considerada não apenas após a aprovação da Lei de Acesso, mas durante o processo de escrita da lei; e
• Leis de acesso criam uma oportunidade única de alterar profundamente a relação entre governo e sociedade; e) adotar a perspectiva dos direitos socioeconômicos.
• Vontade política e mudança de mentalidade: é importante construir, identificar e cultivar lideranças em pontos-chave do governo;
• Criação de sistemas para processar pedidos de informação: sistemas de gerenciamento de informação precisam ser desenhados e estabelecidos;
• Mecanismo de reforço (enforcement)/supervisão: é importante criar um Tribunal de Apelação Externo ou uma Comissão ou o cargo de Comissário; e
• Resposta da sociedade civil: “Como um automóvel, leis de acesso à informação precisam ser usadas – e com frequência –; senão elas [...] deixam de funcionar”. (p. 6).
Carter (2007) também faz uma lista dos pontos que considera importantes para a exitosa implementação de uma Lei de Acesso à Informação, aos quais chama de “ingredientes para uma Lei de Acesso à Informação com dentes”:
• Accontability framework: é muito mais fácil alcançar a transparência quando a Lei de Acesso for parte de um pacote de leis administrativas gerais que permitem ao cidadão usar, efetivamente, a informação que ele passa a ter com a entrada em vigor da mesma;
• Componentes Legislativos: a lei, em si, é o principal ingrediente, mas ela deve conter os seguintes elementos:
• Objetivos claramente explicitados, com ênfase na abertura;
• determinações amplas de publicação de informação de maneira proativa;
• escopo limitado de exceções, com testes de interesse público para a maioria deles;
• baixos custos para pedidos de informação;
• proteção contra responsabilização legal para funcionários públicos que tomam decisões pró-abertura;
• defesas administrativas para minimizar abusos da Lei;
• sanções para violações ou condutas impróprias ou obstrutivas;
• determinações para órgãos públicos coletarem e reportarem estatísticas relacionadas à liberdade de informação; e
• órgão externo independente, com poderes e possibilidades de efetuar sanções.
• Suporte administrativo:
• forte liderança e apoio de altos níveis do governo;
• equipe adequada e outros recursos para assumirem responsabilidades nos diferentes órgãos;
• treinamento;
• conformidade com a Lei de Acesso incorporada a medidas de desempenho;
• sistemas adequados de gerenciamento de informação; e
• recursos adequados para órgãos de revisão externos.
• Treinamento: idealmente, os seguintes grupos deveriam ser o foco dos treinamentos: • funcionários executivos ou de alto nível hierárquico;
• funcionários que lidarão, na prática, com decisões de abrir informação ou de rever decisões de abertura;
• equipes envolvidas com gerenciamento de informações;ó
• os demais funcionários públicos deverão, ao menos, conhecer a Lei de Acesso.
Em 2010, a Organização dos Estados Americanos (OEA, 2010) aprovou uma “Lei Modelo de Acesso a Informação”, com 72 artigos. Essa lei é divida em capítulos:
• Definições, alcances e finalidades, direito de acesso e interpretação;
• Medidas para promover a abertura: regras para registro e publicação de informações;
• Acesso à informação que está em poder das autoridades públicas: regras para solicitação de informações e resposta a ela, gestão de documentos;
• Exceções, dividido em dois grandes grupos: prejuízo a interesses privados e risco “claro, provável e específico” de um prejuízo significativo a certos interesses públicos;
• Apelações: apelação interna, apelação externa, revisão judicial;
• Comissão de Informação: a lei modelo sugere a criação de uma comissão composta por cinco membros, designados pelo Executivo após ter sido aprovada por dois terços do Legislativo, em um processo dotado de transparência e participação pública;
• Medidas de Promoção e Cumprimento: monitoramento, por parte do Legislativo, capacitação de funcionários públicos e adoção do direito à informação no currículo escolar; e
• Medidas transitórias.
O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) também criou, em 2004, um “guia prático” do direito à informação. (PUDDEPHATT, 2004). O quarto capítulo denomina-se “implementation of right to information legislation” (“implementação para legislação de direito à informação”) e divide-se nos seguintes itens:
• Construindo a consciência pública;
• Promovendo um funcionalismo público informado;
• Encorajando a mudança cultural;
• Desenvolvendo um efetivo sistema de gestão da informação; e
• Estabelecendo os mecanismos de reforço e regulação.
Com relação ao primeiro item, o documento afirma que “o governo deve informar ao público sobre o direito do acesso à informação, incluindo, especificamente, como colocá-lo em prática” (PUDDEPHATT, op. cit., p. 27). No segundo tópico, o documento afirma que o treinamento é importante e que esses treinamentos deveriam focar a) na importância do acesso; b) os procedimentos pelo qual as pessoas pedem informação; c) como os pedidos devem ser respondidos; d) como manter e acessar registros. (Ibid.).
Quanto ao terceiro item (mudança cultural), afirma-se que em lugares onde o estado é frágil e existe um histórico de partido único no controle, funcionários públicos tendem a crer que os documentos governamentais lhes pertencem. Essa mudança de mentalidade, em direção à transparência é um “desafio formidável” (loc. cit.) que relembra a importância dos programas de treinamento.
Com relação ao quarto item, o documento afirma que o processamento de pedidos de informação deve ser facilitado por meio de efetivos mecanismos e estruturas descentralizados. (Ibid.). No quinto e último tópico, lê-se que “o papel dos tribunais é crucial”. (Ibid., p. 30). Neste sentido, órgãos independentes podem sofrer interferências políticas e escassez de recursos, por isso a força do sistema legal é importante. “Sem juízes independentes e uma cultura do rule of law essa reforma (a Lei de Acesso à Informação), ou qualquer outra, dificilmente terá efeito”. (PUDDEPHATT, loc. cit.).