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3 EXPERIÊNCIAS CLÍNICAS: ONDAS NUNCA VOLTAM? APROXIMAÇÃO PARA

5.2 Agitações: dificuldades para uma continência verdadeira entre ilhas de

Damo-nos tão bem um com o outro Na companhia de tudo

Que nunca pensamos um no outro, Mas vivemos juntos e dois,

Com um acordo íntimo

Como a mão direita e a esquerda. (Fernando Pessoa)

Notei, a partir de seus relatos, que quando Mariano se aproximava de alguém, em diferentes situações, procurava criar um clima de respeito para com ele. Em parte, isso parecia devido ao esforço que ele fazia para falar, criar um clima grave. O interlocutor parecia sentir-se obrigado a uma postura de seriedade e solicitude. Isso parecia conter certa forma de pressão e, até certo ponto, contribuía para estabelecer um molde dentro do qual a relação deveria ocorrer inclusive na análise.

Tustin (1990) afirma que a ruptura da sensação de continuidade com a mãe, que autistas e pessoas com barreiras autistas vivenciaram, foi insuportável, ou num momento em que não havia ocorrido suficiente formação de aparato mental capaz de tolerá-la. Nessa época, também não havia suficientes condições para estabelecer funções simbólicas e trocas. Ela e posteriormente Mitrani (2007) enfatizam a busca pelo ritmo de segurança, mas ponderam que o paciente não reclama por ele, o terapeuta é quem precisa ser capaz de detectar essa necessidade e dar uma resposta através da continência.

Quando um paciente é capaz de se queixar e exigir acolhida, é um sinal de que algo já se desenvolveu. Portanto, as reclamações de Mariano eram, até certo ponto, um avanço. Mas, aos poucos, comecei a observar que elas tinham outras funções. A primeira parecia seguir o desejo de ser compreendido e realmente ter um contato comigo, um progresso na capacidade de solicitar companhia viva (ALVAREZ, 1992).

Mas, mesmo usando essa capacidade, outra parte dele revelava a tendência a manter o padrão de pseudorrelações objetais adesivas, de forma que

se sentir mal-entendido era vantajoso para a área de personalidade que desejasse manter a aderência como superior a uma verdadeira relação.

Água e locais molhados apareciam muito em seus sonhos. Certa vez, contou ter tido um sonho do qual gostara muito. Ele se encontrava à beira de uma lagoa, e com vontade de entrar. Decide-se a fazê-lo e fica muito alegre, pois uma criança se aproxima dele. A criança, um menino, brincava na água e, então começa a fazer xixi, mostrando grande prazer com isso. Mariano descreveu o sonho com entusiasmo, e frisou o ato da criança urinar como coisa prazerosa e sinal de muita liberdade. Disse que era bom poder fazer xixi onde quisesse, e não ter problema, não se incomodar com nada. Ninguém iria reclamar ou perceber, a criança era livre.

Meu primeiro sentimento foi o de continuidade: água, xixi, tudo junto, molhado, causando a sensação de uniformidade e de continuação, tão importante para os pacientes com uma cápsula de autismo (TUSTIN, 1990). Houve, então, uma vivência de acolhida, com vários aspectos juntos, dos quais seleciono alguns.

Falei com ele sobre a sensação de acolhimento e todo aquele “jogo” de brincar num lago: ele e a criança estão na água, traziam ideias de aceitação e liberdade para fazer suas coisas aparecerem na análise. Mas será que era acolher mesmo ou só ficar molhado junto? A questão das pseudorrelações adesivas descritas por Mitrani mostrara-se relevante: parece haver relação, mas se adesiva, seria sem profundidade, sem encontro real, embora a valorização de um encontro também estivesse presente. Interpretei, ainda, que aquele nosso encontro, em que havia sonho e conversa, poderia ajudar a pensar se ele estava disposto a encontros, ou só a ficar molhado, ou misturado...

Ele pareceu achar graça, falou que era difícil saber, e continuou elogiando a liberdade. Diante disso, pensei que depois do acolhimento, segue-se a necessidade de entender, e podem surgir aspectos mais estranhos, diferenças, situações que provocam ciúme, se todos não pensarem igual, ou se alguém ficou numa posição supostamente inferior. Por exemplo, fazer xixi tem algumas funções, água tem outras... Depois de haver o real entendimento, podemos ficar de verdade com alguém.

Quando pensamos que tudo fica igual, e é uma continuação, podemos lembrar também o claustro Head breast: a criança está identificada com um local para viver onde tudo o que faz é bem-vindo e onde encontra tudo o que precisa, é uma lagoa que provê tudo de que se precisa, como o bebê que ficou imerso no líquido amniótico e conseguiu reproduzir esse estado se abrigando no colo e no olhar atento de sua mãe. Mas encontros para crescer podem mostrar coisas para além e até divergências.

Outro aspecto do sonho era o fato de a criança ser olhada por um adulto. Quais aspectos adultos poderiam estar de olho na criança? Os meus? Os dele? Os pseudo-cuidadores de uma organização patológica? Quando Mariano dá um sentido de liberdade ao ato de fazer xixi e diz que não há problema, parece sinalizar algo.

Steiner (2011, p. 60) diz, em seu estudo sobre Schreber, que a onipotência psicótica deste permitiu-lhe contar suas memórias sem constrangimento, mostrando francamente sua doença. Assim: “The delusional system acted as a psychic retreat and functioned as a hiding place that contact with reality would shatter in a humiliating way.”, Traduzindo: o sistema delirante agia como um refúgio psíquico e funcionava como um local escondido ou apartado do contato com a realidade, que se ocorresse, iria despedaçá-lo de maneira humilhante.

Graças ao desprezo ou ao afrouxamento do senso de realidade, o psicótico revela muito sobre si. Podemos, parafraseando Freud, lembrar que o sonho, ao afrouxar o senso de realidade, revela aspectos que de outra forma ficariam escondidos. Isso nos leva a pensar, que, além das questões de uma pseudorrelação adesiva, que estariam quase manifestas, e com as quais vínhamos tentando lidar, Mariano trazia algo mais sofisticado. Ele não era psicótico, e penso que as áreas autistas encobriam, ao menos em parte, uma organização patológica, que parecia oferecer soluções mágicas: água e xixi seriam iguais, e liberdade seria poder fazer qualquer coisa, como xixi em qualquer lugar... Projetar em qualquer lugar, e ter um objeto capaz de proteger e garantir que as projeções podiam ser feitas com liberdade e sem consequência dolorosa ou sem responsabilidade de reavê-las. Então falar também poderia ser perigoso, pois poderia expressar uma liberdade destruidora, agressiva... Quando falamos precisamos saber quais de nossas palavras são água e quais são xixi. Parecia

que eram essas nuances e diferenças que Mariano tentava encontrar e aceitar, mas também entrava em conflito, por sentir outras coisas, além disso. O conflito podia distorcer a voz. Como falar com ele sobre tais coisas sem que ele se sentisse humilhado ou excluído (STEINER, 2011)?

Se Mariano se sentia convidado a elaborar algumas angústias da posição depressiva, depois de ter sido ajudado e acolhido em seus aspectos autistas, se ficara encorajado a tentar ir adiante, tínhamos agora novas tarefas: lidar com a onipotência de uma a organização patológica. Tínhamos que ficar juntos e dois, com separação e entrosamento suficientes, mas isto não era fácil ou automático, como na poesia de Pessoa, em que o poeta retrata sua vida junto ao menino Jesus.

Trazer um sonho onde se colocava a questão da liberdade e seu significado era promissor. Mas pensar realmente significa tolerar frustrações (BION, 1988) e se afastar do pensamento mágico (OGDEN, 2012, p. 193-214). Este pensamento parece se revelar na ideia de que fazer xixi já significa grande liberdade, e ao fazer na água tudo fica maravilhosamente equivalente e feliz, o que também remete ao Head breast (MELTZER, 2008). É promissor que um sonho traga a questão da liberdade, mas Mariano parece sobrepor algo onipotente à tentativa e à inspiração que a ideia liberdade traz, acabando por transformá-la em algo um pouco acabado demais, resolvido demais.

Encontrar símbolos e compreensões verdadeiras implica em renunciar a soluções maníacas e mágicas. Elas parecem deixar-se entrever pelo entusiasmo do paciente: a criança está feliz porque faz xixi, tudo se mistura, e aquilo é a liberdade. Uma diferenciação e um caminho para uma simbolização mais madura estariam perdendo terreno para uma onipotência maníaca que diz que já se encontrou toda a liberdade, descartando o fato importante de estar buscando caminhos para ela, sem precipitações. E que sua forma de se relacionar consigo mesmo e com os outros também teria que revelar esta liberdade, se ela estivesse ocorrendo.

Ao mesmo tempo, pode-se também pensar na atuação da organização patológica que diz que a liberdade é fácil, tudo está resolvido. Uma solução maníaca é oferecida: já se conquistou a liberdade, mesmo sendo através de

simples xixi (ou simplesmente atos de evacuação, como se descarregar a mente fosse o mesmo que estar bem).

Se assim fosse, não haveria porque melhorar a fala, ela já seria boa por ser uma descarga livre. Se soluções mágicas fossem importantes, ele não precisaria de mim. Mas se ocorrem outros fenômenos, um acolhimento real, isso poderia conduzir a outras etapas de trabalho.

Mariano contava comigo para “entregar” suas coisas, mas será que as aceitaria de volta? Além disso, era importante ajudá-lo a pensar nas diferenças entre as coisas e as pessoas não como uma agressão, nem como um expulsar. Seria mesmo ruim ver a diferença entre água e xixi? Será que para estar junto temos que pensar que tudo é igual? Que sempre continua e também se mistura?...

Steiner (2011) comentou que Schreber não conseguiu encontrar um objeto capaz de continência para responder e às suas projeções e nem trabalhar com elas. Na ausência desse objeto, também não teve ajuda para lidar com a humilhação que nasceu em concomitância com sua depressão, por não ser capaz de ter filhos. Schreber não encontrou esse objeto nele próprio, nem naqueles que tentaram cuidar dele, principalmente no médico que lhe garantiu imensas melhoras, que não se concretizaram.

Essas agruras fizeram com que fosse impossível para Schreber tolerar e trabalhar a depressão. Em consequência, voltou à posição esquizoparanoide e, subsequentemente, à organização patológica psicótica, que criou um refúgio psíquico (STEINER, 2011). Por isso, Schreber pareceu melhorar e ficar estável. Tal estabilidade era baseada em crenças onipotentes de ser especial e escolhido por Deus, e superior aos seres humanos. Schreber não se sentia mais deprimido nem perseguido, e o sistema cristalizou-se para o resto de sua vida, como se pode ver em seu livro de memórias.

Steiner (2011, p. 83) pensa como Klein, que o ego é constantemente sujeito a splitting e, dependendo da pressão psíquica, poderá sofrer fragmentações patológicas. Acredito, de acordo com Steiner, que naquela sessão, o analista estava recebendo partes específicas de Mariano que ele não podia tolerar: a fragilidade, a sensação de receio das soluções onipotentes, a

experiência de ser um observador excluído da relação do paciente (STEINER, 2011) com seus objetos onipotentes.

Meu paciente pareceu criar também uma crença em sua habilidade para selecionar as pessoas e as situações de acordo com o que faziam em relação à sua voz. Isso poderia ser algo razoável, mas acabou por se transformar numa exigência excessiva e num critério que excluía e depreciava facilmente, e parecia ficar, com o tempo, mais a serviço da organização patológica, do que colocá-lo em contato com o mundo e com a realidade. Tornou-se um motivo para ele ver-se justificado em diminuir as pessoas e, portanto, ter um tipo de superioridade em relação a elas, embora isso fosse negado e racionalizado por ele, quando eu tentava mostrar. Tal fato fazia também ressonância com o que Steiner (2011) descreve sobre a exclusão do analista.

Recapitulando: eu ficava na posição de observá-lo em suas relações com objetos poderosos, e eu é que sentia a fragmentação (minhas ideias eram frágeis e limitadas, nada que se comparasse à beatitude da lagoa). E também ficava sob o impacto das concepções rígidas sobre a liberdade, não podendo lhe oferecer nada igual. O objeto interno poderoso lhe oferecia soluções e prazeres e o autorizava a descartar o que era oferecido por mim, a “pouca capacidade” de ouvi-lo. Eu também era selecionada e deixada de lado.

Esse fato lembra, também, alguma inversão de perspectiva (BION, 1988), as pessoas não estão à sua altura, eu não sou capaz de ajudá-lo, aliás, ele nem necessita, e ele não está realmente interessado, já tem lagoa, espaço, liberdade.

Se eu tentasse ajudá-lo a ser mais tolerante e receptivo, em princípio parecia aceitar, mas, pouco depois, demonstrava, com os elementos trazidos às sessões, que eu o estava enfraquecendo. Se no começo da análise pude ajudá- lo, agora eu iria atrapalhá-lo e o “faria” fraco, atrasado.

Mariano não era delirante, mas algumas de suas crenças, como a sobre a seletividade, a liberdade, eram ao menos parcialmente sustentadas por fantasias onipotentes, de modo que questioná-las era dificílimo. A manutenção dessas crenças perpetua o refúgio e afasta da posição depressiva. Britton (2003) mostrou que abandonar crenças deste tipo, é um processo que requer imenso luto. Em alguém que já viveu uma grande perda – o acidente que o deixara acamado e

envolvera longa renuncia concreta –, forças poderiam ser postas em ação para lidar com todo o sofrimento, as forças de uma área psicótica da personalidade ou uma organização patológica. Naquele momento da análise tal organização pode ter se sentido ameaçada, correndo risco de perder a hegemonia. Não viver mais nada similar a um desmantelamento, ou um terror de ser destruído, um acidente, um trauma enfim, pode se tornar uma obsessão nestes casos e, nesta luta para fugir da dor, o desenvolvimento pode se estancar, e os refúgios se afirmarem.

Embora sua voz mostrasse fragilidade e conflito e isso o estimulasse a buscar ajuda, era usada pela organização para outras finalidades que vêm sendo descritas, distorcendo e dificultando que ele realmente se ligasse a objetos reais. A organização também fazia com que fosse indulgente consigo mesmo, embora não lhe privasse de contar mais extensamente com minha ajuda para melhorar a voz, que era algo tão desejado. Não obtendo essa ajuda, podia justificar que eu e outras pessoas fôssemos depreciadas e excluídas. Tudo isso nos leva a um questionamento sobre a inveja impenitente40. Creio que havia algum insight a respeito, mas um acordo perverso se havia estabelecido e mantinha tudo na mesma.

Hanna Segal (1993) fala que a experiência de ser contido requer uma

tolerância ao fato de se precisar de um objeto que faça isso, quer dizer,

suportar que há um objeto do qual vem algo útil. Penso que conseguíamos, até certo ponto, criar este objeto continente na relação e que Mariano, de uma forma discreta, confiava nele e sabia que eu fazia o mesmo. Penso que mostrando suas dificuldades e desconfianças ele dava oportunidade a que elas aparecessem e fossem trabalhadas. E que havia nele uma área necessitada e carente que confiava em mim para ajudá-lo a perceber e discriminar seus problemas. E que acreditava que podíamos suportar aqueles percalços, isto é, confiava numa continência real.

Mas paralelamente a isso, não conseguia deixar de atuar na análise a experiência de exclusão. Steiner enfatiza a intolerância à dependência de bons objetos, não pela necessidade legítima de criar um self independente e individual (o que remeteria ao protesto masculino), mas pela inveja para com a bondade

destes objetos. Objetos dotados de uma bondade humana e normal, não onipotente, e principalmente capaz de criar e sustentar vínculos reais e criativos.

Pouco tempo depois, trouxe outro sonho em que se encontrava descendo para dentro de um poço. Creio que neste sonho as questões de acolher e conter podem ser revisitadas. Ele descia por uma passarela que circundava a parede do fosso, escavada nela e que ia até o fundo. À medida que descia, notava água minando das paredes, como que de várias fontes. Chegava a um local onde estava uma mulher sentada numa cadeira e se sentia muito bem acolhido.

O apelo sensorial tem relevância, mas também há um encontro num local especial. Head breast (MELTZER, 2008)? Refúgio? No discreto horizonte de um encontro num poço, numa sala de análise, há sempre a possibilidade para ampliar a continência. Aspectos como a continuidade e a união fusional (TUSTIN, 1990, MITRANI, 2007) eram mais uma vez evocados, talvez para encobrir e dar a impressão de prescindir de outras formas de encontro. Steiner (2011) descreve os receios do paciente de se ver ligado ao analista de formas afetivas, onde exista uma assimetria, isto é, a percepção de diferenças que levem a sentimentos de dependência e de estar sujeito a não conseguir tudo o que deseje ou precise, e envolvem as questões edípicas. Embora estivéssemos juntos, suas fantasias pareciam nos colocar mais como aderidos ou fundidos e menos como contribuintes e parceiros. As relações simbólicas e interindividuais implicando separação poderiam ser engolfadas pela forte sensorialidade e até pela beleza da imagem. Qualquer coisa que não fosse fusão seria deixada de lado e poderia ser substituída por outra que promovia o ouvir-calar-estar aderido-dissolvido, como a melhor forma de união.

Ao mesmo tempo que os encontros ocorriam, outra área parecia aproveitá- los de outras maneiras, e para reforçar a organização patológica, como se eu também fosse uma parte dela, ou me ligasse a ele adesivamente.

Tal clima leva a pensar no acordo perverso apontado por Steiner. Esse implica em que uma parte da personalidade pode ter insight sobre o que está ocorrendo, mas aceita a situação como se nada pudesse ser melhor compreendido ou mudado.

Mariano, ao longo do tratamento, havia mencionado que se encontrava com prostitutas, pois se sentia “carente de sexo, pois era homem”. Mantinha relações com a ex-companheira, sempre que se viam, mesmo com sua expressa recusa de reatar com ela. As sensações corporais pareciam reafirmar uma primazia nestes encontros com prostitutas, e evocavam a continuidade e o caráter assimbólico das pseudorrelações objetais adesivas, descritas por Mitrani (2007). E deixariam as emoções e outros sofrimentos bem longe. Mas Mariano não reagia bem quando eu tentava falar sobre o realce que ele dava às sensações, e à menor importância que destinava ao envolvimento afetivo, que era diminuído, distorcido e/ou negado em relação à mim e à esposa.

A necessidade de manter uma dissociação persistente entre sexo e afetividade pareciam-me ligadas a seus aspectos autistas até certo ponto. Além destes, estavam a serviço de outros mecanismos, destinados a sustentar a relação com um objeto onipotente, que “sobrepujasse” as demais. Se as pessoas se prestavam a relações sem aprofundamento, ou se eram pouco capazes de oferecer mais que isto, se eu também era pouco capaz de oferecer mais que aderência, ele não precisaria deixar seu refúgio. Talvez acreditasse que eu devia ajudá-lo no âmbito da sensorialidade da voz: uma voz mais bela, suave e calma, como ele dissera ser a minha no momento em que me conhecera.

Conforme Steiner (2011) penso que o sonho traz a ambivalência da situação: acolher é importante, mas se a acolhida for só aderência e não puder ajudá-lo um pouco mais eu seria apenas uma assistente, uma expectadora periférica. A exclusão e\ou a diminuição da importância do analista enfatizadas por Steiner, pareciam-me muito perceptíveis naqueles momentos com Mariano.

Quando trouxe o sonho, ele parecia feliz e me disse que, para ele, aquilo representava que eu iria ajudá-lo. Tendo em vista que entender as pseudorrelações adesivas seria um passo para possibilitar a ampliação da capacidade simbólica e a abertura para novas relações, achei que havia ali elementos que indicavam a possibilidade de ele aceitar ajuda, mas simultaneamente, de me colocar como um suporte para restabelecer uma proteção do tipo do refúgio.

Concordei sobre a ajuda e falei da possibilidade de pensarmos se podíamos ficar juntos no poço, talvez também pudéssemos ficar juntos de outra

forma, como o bebê fica junto da mãe depois de nascer, saindo do poço da barriga. Ele concordou, e chorou um pouco. Disse que sua mãe era muito brava, e que os anos foram acentuando tal modo de ser. Então, eu falei que talvez fosse possível descobrir várias outras situações com as quais se pode ficar junto e como isso poderia ser. Se ficarmos junto de alguém bravo e também nos enraivecemos, acabamos ficando parecidos com aquilo de que queríamos nos diferenciar... Assim, pensar nas nossas atitudes: se são iguais às das quais não