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Agravo de Instrumento versus Pedido de Suspensão

4 APLICAÇÃO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR DA LEI Nº

7.9 Agravo de Instrumento versus Pedido de Suspensão

A questão que se coloca em discussão, nesse momento, é a possibilidade de se interpor recurso de agravo de instrumento concomitantemente ao Pedido de Suspensão. A Lei nº 8.437/92 trata desse assunto no §6º do artigo 4º, introduzido pela Medida Provisória n. 1984-16, em janeiro de 2000. O dispositivo prevê que a propositura do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do Pedido de Suspensão.

Ainda assim, alguns doutrinadores defendem que a Fazenda Pública tem de escolher, dentre os dois instrumentos, aquele que entender o mais adequado, em vista de que a propositura de um prejudicaria a utilização do outro. Essa corrente baseia-se na suposta natureza recursal do instituto. De fato, para aqueles que o consideram um recurso, sua interposição juntamente com o agravo de instrumento não é possível devido ao princípio da singularidade no sistema recursal brasileiro. Consoante esse entendimento, se da execução da decisão resultar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, seria cabível o Pedido de Suspensão, caso contrário, o agravo de instrumento172.

Lúcia Valle Figueiredo173, por sua vez, aponta que, quando o Poder Público elege uma das medidas, a outra estará impedida de ser pleiteada em vista da preclusão consumativa. O requerimento de suspensão ao presidente do tribunal não poderia ser realizado se já houvesse recurso de agravo de instrumento contra a mesma decisão. Veja-se, nesse sentido:

(...)

Todavia, o Juiz Presidente, que não é Órgão de Revisão das Turmas, não teria competência para conhecer pedido de Suspensão de Segurança, quando a decisão de primeira instância já estivesse sob o crivo deste Tribunal, da Turma à qual coubera por distribuição o exame do recurso.

Escolhido um caminho processual vedado estará o outro por força da preclusão lógica, que também é consumativa, sob pena de afronta ao juiz natural, princípio tão caro ao Estado Democrático de Direito.

(...)

172V. “Processual. Recurso. Liminar em mandado de segurança. Suspensão. Princípio da unicidade de recursos.

Quando se tratar de pessoa jurídica de direito público, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o recurso próprio para impugnar a decisão que concede a liminar em mandado de segurança é o pedido de suspensão e não o agravo de instrumento. Recurso improvido” (Resp 175.360-DF, DJ 09.11.1998, p. 33); “Tratando-se de liminar que não implica risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não cabe o requerimento de suspensão ao presidente do tribunal, previsto no art. 4º da Lei 4.348/64, mas, sim, agravo de instrumento para um dos órgãos colegiados da Corte” (RSTJ 103/132)

Se não fora assim, haveria de forma transversa a escolha do juiz. Deveras, se tantos caminhos poderiam ser trilhados quantos fossem necessários até a obtenção do provimento jurisdicional da forma como desejado. E o juiz natural, o juiz aleatório não escolhido pela parte, um dos direitos e garantias fundamentais, erigido em cerne fixo da Constituição, seria afrontado.174

Esses posicionamentos, contudo, devem ser afastados em vista da natureza jurídica do Pedido de Suspensão. Ressalte-se que, como analisado precedentemente, o Pedido de Suspensão não é um recurso, pois não visa à reformulação nem à invalidação da decisão atacada. Seu intuito é apenas sustar os efeitos de um pronunciamento judicial que traga risco de grave lesão a um dos bens tutelados pelo interesse público. Ou seja, os motivos ensejadores da liminar não sofrem apreciação pelo Presidente do Tribunal, nem há análise do mérito da ação originária. O agravo de instrumento, entretanto, contém efeito devolutivo amplo, resultando numa decisão que irá substituir ou anular a recorrida.

Dessa forma, o Pedido de Suspensão mostra-se como um plus conferido ao Poder Público. Os provimentos jurisdicionais prolatados contra a Fazenda Pública podem sofrer ataque tanto pelo agravo de instrumento, quanto por meio do incidente processual sub examen175. Em exata orientação, Juvêncio Vasconcelos Viana:

Por possuir um cabimento estreito e por não se fazer, ali, controle de “mera legalidade”, o pedido de suspensão de liminar, uma vez interposto, não prejudica o uso, ao mesmo tempo, do recurso de agravo de instrumento. Tampouco a interposição da medida recursal, naquela situação, é condição de admissibilidade para o pedido de suspensão.176

Cássio Scarpinnela Bueno compartilha de mesmo entendimento, afirmando que “a possibilidade de ser formulado pedido de suspensão dos efeitos da liminar e ou da sentença concessiva do mandado de segurança (...) não afasta (...) a possibilidade de a pessoa jurídica de direito público (...) afetada com a medida liminar ou com a sentença recorrer”177. Ou seja,

o Pedido de Suspensão não impede que a Administração utilize-se do recurso de agravo para impugnar a liminar concedida.

Arrematando o debate, Eduardo Arruda Alvim traz-nos brilhante conclusão:

174 TRF-3, MS 117.149.

175 Em sentido contrário, BRANDÃO, Flávia Monteiro de Castro. op. cit., pp. 29-41.

176 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética,

2003, p. 238

177 BUENO, Cassio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações. 2. ed., São Paulo:

De fato, em nosso entender, não devem pairar dúvidas sobre o cabimento do recurso de agravo em tais casos, ainda que já obtida a suspensão almejada pela Administração. Trata-se de institutos diversos, que visam resultados absolutamente distintos. A utilização de um destes instrumento não pode, portanto, invalidar a utilização do outro.178

A última corrente doutrinária defende que, além de possível, a impugnação por meio de agravo de instrumento, quando o Pedido de Suspensão tiver sido interposto, é necessária, sendo essencial para que a liminar suspensa pelo Presidente do Tribunal não preclua, evitando que o incidente processual (Pedido de Suspensão) seja prejudicado. A Ministra Ellen Gracie Northfleet afirma: “para que a preclusão não ocorra, é indispensável que ademais do requerimento de suspensão seja aviado o recurso cabível na espécie, seja o agravo contra a liminar ou a apelação contra a sentença de mérito”179.

Com efeito, caso um desses recursos seja utilizado, deve seguir seu procedimento até o julgamento final, posto que a suspensão refere-se apenas aos efeitos da decisão, mantendo-a ainda existente. Somente no agravo de instrumento e na apelação é que pode haver a anulação ou revogação do provimento de primeiro grau. Aliás, independente de ter havido ou não suspensão, não se dispensa o julgamento do recurso interposto.

Cabe destacar, também, que a apelação, embora não se vincule ao resultado do Pedido de Suspensão, mostra-se útil para evitar o trânsito em julgado da decisão final, a fim de prolongar os efeitos da suspensão deferida pela presidência do tribunal.

Por fim, lembre-se que o efeito prático do Pedido de Suspensão e do requerimento de efeito suspensivo ao relator no agravo de instrumento é o mesmo, embora um seja incidente processual e o outro recurso em sentido estrito.

7.9.1 Ferimento ao Princípio do Juiz Natural

A possibilidade de interposição de ambas as vias de impugnação, independente uma da outra, de acordo com o §6º do artigo 4º da Lei nº 8.437/92, traz um grave problema. O Poder Público acaba tendo a possibilidade de escolher qual juiz decidirá a respeito da sua

178 ALVIM, Eduardo Arruda. “Suspensão da eficácia da decisão liminar ou da sentença em mandado de

segurança – aspectos controvertidos do art. 4° da Lei 4.348/64”. Aspectos Atuais e Polêmicos do Mandado de

Segurança (51 anos depois). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 275.

causa, se o relator do agravo ou se o Presidente do Tribunal. Isso fere, além do princípio da isonomia processual, também o princípio do juiz natural.

A fim de afastar essa conclusão, a professora Lúcia Valle Figueiredo defende que “escolhido um caminho, impende-se o outro, sob pena, como já afirmamos, de atrito aos princípios constitucionais, sobretudo do juiz natural”180. No mesmo sentido, Flávia Monteiro

de Castro Brandão:

Com esses benefícios o Poder público tem a faculdade de escolher qual juiz irá julgar seu pedido, se o relator, através do requerimento de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, ou o presidente do tribunal, dirigindo- lhe pedido de suspensão. Pode, outrossim, interpor o recurso de agravo com pedido de efeito suspensivo, e não logrando êxito em sua obtenção, recorrer ao presidente do tribunal, através do pedido de suspensão previsto nas leis especiais tratadas neste trabalho.181

Vislumbramos, porém, outra solução mais adequada a essa situação. Para que não seja dado à Fazenda Pública mais esse privilégio de optar por qual desembargador analisará a demanda de que faz parte, tanto o agravo de instrumento quanto do Pedido de Suspensão deveriam ser distrubuídos. Somente assim, a Fazenda Pública não saberia qual juiz irá decidir as impugnações, não podendo escolhê-lo de acordo com suas conveniências.

Quando interposto o agravo de instrumento e o Pedido de Suspensão, o juiz para quem primeiro for dada à matéria para análise tornar-se-ia prevento para julgar as duas medidas. Dessa forma, um único desembargador seria competente para apreciar a matéria posta em juízo. Ressalte-se que isso não significa, necessariamente, que a decisão no âmbito do Pedido de Suspensão seja igual a do agravo, posto que seus requisitos são bem diferentes.