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4 APLICAÇÃO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR DA LEI Nº

7.5 Contraditório

O § 2o do artigo 4º da Lei nº 8.437/92, presente no texto da lei desde sua versão original, e modificado pela Medida Provisória n. 1.984-19, afirma que o Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas. Antes dessa previsão, a doutrina criticava bastante a ausência do contraditório quando da suspensão de segurança, visto que violaria o devido processo legal, constitucionalmente consagrado. Nesse sentido:

Apesar de o art. 4º da lei 4.348 ser omisso no tocante à implementação do contraditório, deve-se, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, entender obrigatória a comunicação ao sujeito ativo (impetrante) do pedido de suspensão, a fim de, querendo, apresentar resposta, sob pena de nulidade da decisão.152

Analisando o texto legal, porém, não se pode calar diante de tão grosseiro paliativo. Explica-se: a regra deveria prever que o presidente do Tribunal deve intimar o autor e o Ministério Público para se manifestarem, querendo, no prazo legal, e não conferir apenas a faculdade dessa oitiva. É imprescindível que a parte contrária manifeste-se previamente, visto que as particularidades desse incidente processual não são capazes de desviar as garantias dos princípios da bilateralidade da audiência e da ampla defesa, válidas no processo judicial e

150 Nesse sentido, CUNHA, Leonardo José Carneiro da. op. cit., p. 288.

151 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética,

2003, p. 239.

administrativo153. Lembre-se que, mesmo com características sui generis, está-se diante de um procedimento judicial, quando as regras de processo devem ser atendidas, sob pena de inconstitucionalidade154.

Para amenizar essa conclusão, o texto legal deve ser interpretado conforme a Constituição, fazendo com que a que a regra seja a ciência da parte eventualmente paciente da suspensão, e não a exceção. Onde se lê o presidente do tribunal pode ouvir o autor e o Ministério Público, deve-se extrair a ilação de que é obrigatória a formação do contraditório.155

Apenas caso essa oitiva mostre-se arriscada, em razão do tempo, frente aos bens tutelados pelo interesse público, é que o contraditório pode ser mitigado. Assim como nos provimentos de urgência, para que uma decisão seja deferida sem a seqüência ordinária dos atos processuais, os requisitos periculum in mora, na tutela cautelar, ou risco de dano irreparável ou de difícil reparação, na antecipação de tutela, devem estar presentes. É que nessa situação, necessita-se de uma ponderação entre os princípios da efetividade da tutela jurisdicional e do contraditório156, utilizando-se a razoabilidade como medida.

Ressalte-se que o perigo demonstrado tem de guardar relação com a oitiva da parte adversa, e não simplesmente com a execução da decisão atacada, o que é requisito da própria concessão da suspensão. Sempre que possível, portanto, antes da decisão final, o Presidente tem de ouvir a parte interessada.

Essa posição ajusta-se perfeitamente à previsão do § 7º do mesmo artigo, que dispõe sobre a concessão liminar da suspensão. De acordo com o professor Juvêncio Vasconcelos Viana, “ouvir a parte adversa, que suportará a suspensividade oriunda do incidente, é a melhor postura a esperar-se da presidência. Tanto é que se introduziu no sistema a possibilidade de concessão liminar da decisão”157. Dessa forma, caso o contraditório não

tivesse de ser obedecido, o deferimento liminar seria exatamente a mesma situação da decisão final de suspensão, não havendo razão de ser a elaboração desse novo parágrafo, introduzido

153 BRASIL. Constituição da República Federativa do. Art. 5º. LV - aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

154 Cf. ALVIM, Eduardo Arruda. “Suspensão da eficácia da decisão liminar ou da sentença em mandado de

segurança – aspectos controvertidos do art. 4° da Lei 4.348/64”. Aspectos Atuais e Polêmicos do Mandado de

Segurança (51 anos depois). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 265.

155 Cf. OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de Oliveira. op. cit., p. 401. 156 Cf. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. op. cit., p. 289.

157 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo: Dialética,

no ordenamento jurídico por meio de medida provisória. Infelizmente, porém, os Tribunais Superiores já decidiram pela desnecessidade da audiência da parte contrária158.

Veja-se, no mesmo sentido, decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul:

Agravo regimental contra decisão proferida em pedido de suspensão de liminar – Nulidade da decisão por ofensa ao princípio do contraditório. Não ocorrência – Não há nulidade na decisão concessiva da liminar sem prévia oitiva da parte contrária ou do Ministério Público, que porque a lei (art. 4º, § 2º, da Lei 8.437/92) apenas encerra uma faculdade, de uso discricionário pelo julgador, que porque apenas há uma limitação imanente ao princípio da bilateralidade da audiência, onde se privilegia o interesse superior da justiça, porquanto a parte terá oportunidade de intervir posteriormente no processo, inclusive com direito assegurado ao recurso contra a medida liminar concedida sem sua participação (...) 159

Como se vê, uma garantia constitucional é suprimida absurdamente com a justificativa de que, posteriormente, caso a parte queira, poderá recorrer da decisão concedida sem sua manifestação. Com a devida vênia, a justificativa para que o contraditório não seja observado confunde a relação causa-efeito dos atos processuais, colocando-se “os carros à frente dos bois”. Embora pareça já pacificada a questão pelos órgãos jurisdicionais, entendemos, por ser a posição mais acertada, do ponto de vista constitucional, a necessidade da intimação da parte autora da demanda contra a Fazenda Pública.