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AGRICULTURA FAMILIAR E POLICULTURA NO ENTRE DOURO E MINHO

Miguel Carlos Lemos

lemos.barcelos@gmail.com

Exploração de leite e vinho

TESTEMUNHO DE UM AGRICULTOR

Fico muito agradecido pela oportunidade que me proporcionaram em dar o meu testemunho como detentor de uma empresa agrícola familiar.

Sou filho e neto de pequenos agricultores no concelho de Barcelos.

Nesta região e até sensivelmente 1985, a agricultura era maioritariamente de policulturas, por isso, quando por algum motivo a colheita corria mal, havia outras soluções, nem que fosse o recurso há floresta.

Foi neste ambiente de ter que entender de quase tudo, ter que trabalhar e estudar ao mesmo tempo, fazer horas extra no trabalho, ou seja, muito sacrifício e dedicação para conseguir ultrapassar as crises políticas, financeiras, familiares (partilhas compra de tornas etc.), intempéries e outras.

Foi uma época de lutas químicas cegas, de produções já com alguma dimensão (vinho, batata, feijão, hortícolas), mas com pouco controlo de qualidade e que consequentemente se traduzia em preços baixos ao produtor.

Foi neste ambiente de euforia dos químicos milagrosos que cresci.

Então pelos anos 85/86, eu já com o nono ano de escolaridade, curso de empresário agrícola, e serviço militar cumprido, tendo em atenção a conjuntura política que se vivia que se traduzia em falta de emprego, preços baixos á produção e com os agricultores desmotivados. Eram também as injustiças que as cooperativas praticavam, com prepotência e arrogância que eu não conseguia assistir.

Com a adesão de Portugal á CEE, acordei com os meus pais por volta de Janeiro de 1988, em tomar a pequena exploração por arrendamento e dar-lhe um seguimento diferente, com produção de leite vacas holstein e vinho verde.

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 Agricultura Familiar e Sustentabilidade dos Territórios Rurais \ Vila Real de Trás-os-Montes 

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 Agricultura Familiar e Sustentabilidade dos Territórios Rurais \ Vila Real de Trás-os-Montes

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Visto que teimavam em não dar seguimento ao projecto em causa, resolvi sair do país.

Emigrei para os USA, dei-me muito bem, foi lá que vi produtores de leite a fazerem protocolos de prestação de serviços em quase tudo, desde fornecimento de forragens, às lavouras e serviços especializados, como veterinários e outros.

Admirava aquela economia (compra de bens de consumo em prestações), a sociedade era muito organizada, pessoas em geral bem instruídas e educadas, quem trabalhava tinha dinheiro, notava-se responsabilidade a vários níveis, tanto dos trabalhadores como dos empregadores e serviços públicos.

Mas, depois de participar num congresso sobre agricultura de futuro, que se desenrolou por um mês em vários estados, fiquei com a certeza que poderia executar um projecto idêntico mas em pequena escala.

Estava a chegar o Natal, recebi informação que o meu projecto 797 tinha sido aprovado, juntei as saudades que tinha da família, da minha região e de uma sociedade menos mecânica, onde se podia faltar ao trabalho um dia e não ser despedido, onde se podia estar doente e receber assistência hospitalar sem que tivesse que ter seguro para o efeito, etc., no fundo preferia constituir família numa sociedade mais normal.

Regressei, pus em marcha o meu projecto e ainda não parei, criei mais e melhores condições para as vacas leiteiras, aumentando e melhorando progressivamente o efectivo.

Fiz a mudança da vinha de Várzea para a meia encosta, com castas e técnicas aconselhadas.

Fiz e continuo a fazer formação na área agrícola, penso que é condição obrigatória para ter algum sucesso nesta área.

Neste momento estou com uma média de produção quilos de leite por vaca de 11.500 kg.

A produção de uvas ronda os 30.000 quilos, em que depois de me cansar de ajudar na recuperação da adega cooperativa local, concluí que para mim não era mais possível continuar a perder as uvas e a alimentar gestões ruinosas para a lavoura.

Passei a entregar a um industrial que me valoriza a qualidade e paga a 30 dias, faço também vinificação e engarrafamento de aproximadamente 50% da produção.

Neste percurso, constitui família, temos três filhos, a minha esposa não ajuda na exploração porque prefere produzir confecção, visto que é nisso que é

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profissional. Os meus pais e o meu tio,ajudaram-me muito, mas estão agora com perto de oitenta anos, felizmente ainda têm saúde.

Fui quase que obrigado a comprar os terrenos que rodeavam a minha pequena exploração, perfazendo hoje á volta de quinze ha, fiz assim o meu emparcelamento, conto com uma parcela de 10 ha.

Sinto agora muito a falta de apoio direto da esposa e dos filhos, penso que a liberdade que sempre dei às pessoas que me rodearam até hoje, contribuiu para esta situação.

Tive e continuo a ter muitas dificuldades, com burocracias, leis desenquadradas com a minha região, bancos que me assaltam com a permissão do estado, dificuldades muitas vezes criadas propositadamente pelas organizações que nos representam para justificar a contínua transferência de verbas, que no meu entender seriam melhor empregues na bonificação de juros na ajuda á produção de produtos regionais de qualidade.

Mas vou conseguindo ultrapassar as dificuldades que vão surgindo, como por exemplo: os € 80.000 que perdi em 2011 e 2012, a produzir leite abaixo do custo, o aquecimento global que já afecta as culturas e os animais, as dificuldades na escolha cada vez mais difícil de fitofármacos para poluir o menos possível etc.

Continuo convencido que a policultura será sempre uma mais-valia, e não tenho grandes duvidas que, com gosto, com persistência, com a formação e com as ferramentas que os jovens têm disponíveis hoje em dia, tudo leva a crer que a continuidade da agricultura familiar não se encontra ameaçada, continuando assim a ser um bom pilar de sustentabilidade da sociedade.

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AGRICULTURA FAMILIAR EM TERRITÓRIOS DE MONTANHA: