• Nenhum resultado encontrado

Regimes de propriedade: Baldio, Propriedade Privada e Anti-baldio Nos primórdios da civilização ocidental, todos os recursos poderiam ser

TERRA, CASAMENTO, HERANÇA E POUPANÇA ESTUDO DE CASO DE UMA ALDEIA MINHOTA

5. DIFERENCIAÇÃO SOCIAL E DIVERSIFICAÇÃO OCUPACIONAL: O ´ANTES´ E O ´AGORA´

1.2 Regimes de propriedade: Baldio, Propriedade Privada e Anti-baldio Nos primórdios da civilização ocidental, todos os recursos poderiam ser

considerados de livre acesso (Baldios em sentido lato), no entanto rapidamente, bem antes da criação do moderno Estado-nação, foram desenvolvidas normas sociais para manter uma ordem implícita associada ao consumo desses recursos em ambientes com vários usuários. Com a institucionalização do Moderno Estado- nação esta ordem explicitou-se, ocorreu uma transição a partir do livre acesso para regimes jurídicos baseados no direito de propriedade. O Direito e a Economia clássica sugerem que a emergência do direito de propriedade seja uma história de sucesso evolutivo (Coase, 1960; Demsetz, 1967). A concordância com esta ideia implica que a emergência do direito de propriedade tenha sido um processo no sentido da eficiência, que conduziu a regimes de propriedade mais complexos, expurgados de tendências trágicas.

O conceito de direito de propriedade não é fácil de definir de forma inequívoca. A chave para compreender este conceito passa por, provavelmente, adicionar a noção de exclusividade. Para um indivíduo (ou grupo de indivíduos) reivindicar o direito de propriedade, terá primeiro de possuir a capacidade de excluir todos os outros potenciais utilizadores. Com a concorrência excluída, o indivíduo pode então decidir como utilizar a propriedade e como afectar os rendimentos derivados dessa propriedade. De menor importância, mas geralmente incluído no conceito do direito de propriedade, está a noção de transmissibilidade. Isto significa que o proprietário dos direitos exclusivos pode transferi-los para outra pessoa em troca de direitos exclusivos de outros bens. Quando os custos de transacção são baixos, a atribuição inicial de direitos de propriedade não tem grande importância (Coase, 1960), pois os direitos podem ser voluntariamente ajustados e trocados para promover o aumento da produção. Porém, quando os custos de transacção são elevados, como é frequentemente, a atribuição de direitos de propriedade é mais crítica, uma vez que as transferências são menos fluídas. Nestas condições, a pré existência de direitos

104

 Agricultura Familiar e Sustentabilidade dos Territórios Rurais \ Vila Real de Trás-os-Montes 

104

 Agricultura Familiar e Sustentabilidade dos Territórios Rurais \ Vila Real de Trás-os-Montes 

104

de propriedade tem efeitos profundos e duradouros sobre a produção e distribuição dos bens com elevado custo de transacção, como é a terra.

No clássico de Demsetz (1967), a formulação de que os valores crescentes dos recursos levam à criação da propriedade privada, implica que a propriedade privada seja apenas instituída quando os benefícios desta tipologia de propriedade superarem os custos da sua institucionalização. Assim, a função primária da emergência do acervo de direitos de propriedade é a de criar incentivos orientadores, para alcançar uma maior internalização das externalidades. Todos os custos e benefícios associados com interdependências sociais são potenciais externalidades. Esta formulação foi modificada e melhorada ao longo do tempo; particularmente em relação aos regimes de propriedade comum, os proponentes continuarão a aplicar uma base de análise custo-benefício para prever a evolução dos sistemas de propriedade para eficiência e para a constituição de redes de bem- estar social. Nestes termos, a propriedade é simplesmente outra instituição legal que evolui para a eficiência sob a influência de determinadas condições competitivas (Fiftzpatrick, 2006). No limite, se os direitos de propriedade são completamente definidos e executados na sua plenitude, de modo que a rede de benefícios líquidos privados e sociais sejam igualizadas, então não haverá externalidades (Libecap, 1986).

As tendências trágicas dos Baldios emergem fundamentalmente da falta de fragmentação de titularidades. Os utilizadores de recursos escassos e aparentemente munidos da plenitude dos poderes e prerrogativas inerentes à titularidade irrestrita, acabam por causar o sobre-uso e o esgotamento desse recurso, essencialmente por sobreposição e descoordenação, (Gordon, 1954; Hardin, 1968).

Nos estudos sobre a acção colectiva, vários autores, como Baland e Platteau (1996), Ostrom (1990), Runge (1981) e Larson e Bromley (1990), enfatizam a distinção entre o livre acesso e os regimes de propriedade comum, com o objectivo de fazer uma comparação entre os regimes de propriedade privada e os regimes de propriedade comum. A ausência de regras no livre acesso, implica elevada rivalidade na exploração, o que resulta em externalidades negativas devido ao acesso ilimitado. A propriedade comum poderá internalizar as externalidades de usuários de recursos múltiplos por meio de regras de acesso limitado e gestão coordenada, garantindo o seu cumprimento (Runge, 1981; Libecap, 1989).

Apesar de ter sido Meade (1952) quem primeiro introduziu o conceito Anti- baldios no sentido de uma externalidade, o primeiro exemplo com sucesso a ilustrar

105 105  Introdução

105  (As)Sincronicidade entre os territórios comunitários de montanha (baldios) e a Agricultura Familiar

no Norte de Portugal

essa ineficiência foi proposta por Heller (1998), que analisou a transição da economia marxista para uma economia predominantemente de mercado. Verificou que no início de 1990 muitas lojas em Moscovo permaneciam vazias, enquanto os pequenos quiosques que foram improvisadas nas ruas estavam cheios e realizavam inúmeras transacções. O problema estava no fato de os inúmeros e diferentes reguladores (agências de privatização, autoridades locais e governo federal) possuírem o direito de excluir. Ninguém poderia abrir um negócio, sem recolher todas as licenças de cada um desses reguladores. Assim, quadros jurídicos e institucionais incipientes revelaram a incapacidade de integrarem uma titularidade eficiente. O potencial trágico dos Anti-Baldios surge por causa da efectiva decomposição de titularidades sobre recursos, capaz de suscitar problemas, do mesmo modo que nos Baldios advêm de sobreposição e de descoordenação entre essas titularidades.

Heller (1999) introduz o conceito do “princípio de fronteira”. As fronteiras entre as diferentes formas de propriedade podem ser facilmente entendidas com recurso à Figura 1. As linhas grossas verticais representam as fronteiras da propriedade privada possíveis numa sociedade desenvolvida e funcional, em qualquer época. Salienta-se que Baldios, Propriedade Privada e Anti-Baldios não são realidades contíguas (Heller, 1999); entre estas categorias encontram-se situações intermédias: Baldios de acesso limitado e Anti-Baldios de exclusão limitada (ver Figura 1).

Figura 1. As fronteiras da propriedade privada, matriz analítica de estudo na transição da titularidade dos terrenos comunitários em Portugal (fonte: Heller, 1999).

A esquematização proposta por Heller (1999), sendo extremamente simples e intuitiva, corresponde a um esqueleto analítico adequado para situações extremas e protótipos. Propomo-nos testar a sua aderência/divergência à situação concreta da institucionalização da propriedade comunitária em Portugal.

106

 Agricultura Familiar e Sustentabilidade dos Territórios Rurais \ Vila Real de Trás-os-Montes 

106

 Agricultura Familiar e Sustentabilidade dos Territórios Rurais \ Vila Real de Trás-os-Montes 

106