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Os Agricultores Familiares e seu Ambiente 1 Localização das Propriedades

5. A Trajetória Ocupacional: os desafios de três agricultores familiares

5.1. Uma Opção de Vida

5.1.8. Agricultura Sustentável Hoje

Nos últimos anos Guilherme tem observado uma grande mudança na agricultura sustentável. Comenta que quando iniciou na atividade, percebeu que existem pessoas que há anos praticam esse tipo de agricultura, principalmente em estados como São Paulo, Paraná e Rio grande do Sul. Esses pioneiros ficam revoltados ao constatarem que um grande número de pessoas oportunistas e atravessadores estão atuando nesse mercado de forma inescrupulosa. De repente todos estavam produzindo alimentos sem veneno e sem adubos químicos e comercializando como se que tivessem sido produzidos a partir de uma agricultura sustentável, ou ainda atestando que estavam produzindo em favorecimento à saúde ou em benefício do consumidor. O que esses pioneiros observam é que esses oportunistas estão visando apenas o lucro financeiro e literalmente enganando os consumidores.

Um dos fatores que contribuiu para essa situação foi a existência de um grande distanciamento entre produtores e consumidores. Esse distanciamento não permite que o consumidor tenha acesso a informações que o permita conhecer a origem do produto que consome. Guilherme expressa esse sentimento da seguinte forma:

“(...) para mim esse contato entre produtor – consumidor é essencial, sem isso eu diria que não é sustentável. É essencial que tenha essa aproximação, é essencial que o agricultor perceba como é que a pessoa consome aquele produto que ele esta produzindo, e é essencial que o consumidor saiba como foi produzido ou como funciona em geral, o sistema de produção antes de chegar até na sua mesa. Alguns produtores não fazem esta ligação por ignorância, outros por limitação de recursos e de capacidade de ver o que esta acontecendo, outros por má intenção mesmo, de querer manter um nicho de mercado de um tipo de produto enfim, os motivos são vários, mas eu acho que a maioria deles é por impossibilidade ou por ignorância de como funciona o sistema. Talvez por impossibilidade de se aproximar de alguém, as pessoas no interior têm a tendência de serem mais recatadas e mais tímidas, nem gostam de ir para a cidade, não é isso que causa, mas é o que mantém esse afastamento

hoje”.

O distanciamento entre agricultores e consumidores provocou no mundo moderno situações onde se percebe uma profunda diferenciação entre o que é natureza e aquilo que é produzido para vender. O homem moderno acaba por perder a noção de que a natureza é um conjunto de fenômenos dos quais o próprio homem e seus atos estão incluídos. O fato de muitas pessoas da cidade não saberem que, cenoura cresce debaixo da terra ou acharem que minhoca faz mal para a terra e para as plantas, é uma constatação triste, pois estas pessoas perderam a noção de como funciona o sistema que, querendo ou não, elas estão inseridas.

Quando questionado se o movimento da agricultura orgânica cresceu nos últimos anos, nosso personagem argumentou que o crescimento está ocorrendo, mas a passos muito lentos. Ele atribuiu a lentidão à existência de um grande número de oportunistas que estão misturados aos produtores conscientes; estes oportunistas não são facilmente identificados pelos consumidores, e são pessoas que interferem negativamente no mercado.

Há também a existência de técnicos despreparados que atuam no mercado em benefício próprio, que vêem neste tipo de agricultura um nicho de mercado para ganharem dinheiro e fornecerem assistência técnica, sem nenhuma preocupação com o aspecto relevante com a agricultura orgânica. Tudo isso acaba tornando lento o processo de crescimento da agroecologia, criando obstáculos entre produtores e consumidores difíceis de serem transpostos. Guilherme defende um contato direto entre agricultor e o consumidor, onde se estabelece uma relação de amizade. Nessa relação, o consumidor tem a possibilidade de conhecer a propriedade onde é produzido o alimento que consome.

5.1.9. A Certificação

Uma das saídas para o crescimento desse tipo de agricultura, passa pela certificação. Ela possibilita a regulação do mercado e disciplina a produção. A certificação nos dias atuais é fundamental para que se possa eliminar os produtores e comerciantes duvidosos. Essas pessoas dificilmente possuem conhecimentos técnicos e de vivência em agricultura orgânica. Com a certificação elas praticamente são compelidas a abandonar a atividade.

Atualmente a certificação é uma necessidade, principalmente por existir um grande distanciamento entre agricultores e consumidores. Há uma grande desconfiança sobre a

origem de determinados produtos, principalmente quando este produto tem origem em outras cidades ou Estados.

Em um ambiente de produção local a certificação é inteiramente dispensável para o mercados. Neste contexto, onde o consumidor está em contato direto com o agricultor, se estabelece relações de confiança, credibilidade e até de amizade.

“Como nós temos uma comercialização direta, produzimos aqui e ao mesmo tempo vendemos na loja, eu tenho a possibilidade de ter uma aproximação com o cliente e convidar ele para ver a produção e criar este vínculo, é uma coisa que se mistura com amizade, ele conhece a produção e pode trazer a família e ver. É uma confiança que dispensa o selo de certificação para esse tipo de comércio, agora se você parte para um comércio maior, nesse caso o selo é necessário. Quanto a preço, no mercado local o selo não garante melhores preços, significa somente custo maior”.

A produção de Guilherme no Quintal da Ilha, não possui uma certificação oficial. A associação da qual faz parte, a ECO, é associada à Rede Ecovida4 de Certificação

Participativa. A Rede Ecovida é uma rede que resolveu, a partir de várias experiências de produção sustentável, unir as várias iniciativas que estavam atuando de forma isolada, e constituir a Rede Ecovida. Esta entidade segue o princípio da auto gestão e da auto certificação, mas possui regras e princípios que devem ser seguidos pelos participantes da Rede.

Em Santa Catarina, além da atuação de certificadoras de outros estados, existe o processo de certificação implementado pela FUNDAGRO (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Rural Sustentável do Estado de Santa Catarina), é uma organização não governamental que confere a seus agricultores certificados um selo de garantia da qualidade e origem do produto.

4 Rede Ecovida: “é um espaço de articulação entre agricultores familiares e suas organizações,

organizações de assessoria e pessoas envolvidas e simpatizantes com a produção, processamento, comercialização e consumo de alimentos agroecológicos”. (Documento: Rede Ecovida de Agroecologia, Normas de Organização e Funcionamento. Lages, dezembro de 2001).