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Os Agricultores Familiares e seu Ambiente 1 Localização das Propriedades

5. A Trajetória Ocupacional: os desafios de três agricultores familiares

5.1. Uma Opção de Vida

5.1.1. O Primeiro Contato

Seu primeiro contato efetivo com a agricultura ocorreu quando já cursava agronomia, ao visitar e vivenciar por algumas semanas a propriedade dos pais de um colega de curso, filho de agricultores catarinenses familiar do Oeste de Santa Catarina, no município de Concórdia. Durante o período que permaneceu na propriedade, teve a oportunidade de conhecer o que Guilherme chama de “modelo agrícola integrado catarinense”, e relata a sua impressão:

“Nessa visita pude ver coisas bonitas, mas pude ver muitos problemas também. Um dos problemas era a integração que o pai dele tinha com a Sadia, nesse sistema, ele era praticamente um funcionário sem salário. Era uma propriedade bastante diversificada, tinha dois ou três grandes aviários, vários tipos de frutas (figo, uva, ameixa, pêssego), hortaliças para consumo, vacas e porcos, tinham criação de abelhas para produção de mel. A mãe dele fazia doces e compotas, tudo isso era para consumo, sendo que o excedente era vendido. Toda essa diversificação me causou uma boa impressão. Percebi também que eles trabalhavam muito. Como a atividade principal era a produção de aves pelo sistema da integração, essa atividade tomava a maior parte do tempo. O dia a dia deles era muito

corrido, dá para dizer que era mais estressante que o dia de algumas pessoas que vivem na cidade, era acordar de manhã e tocar o trabalho até o sol se pôr e muitas vezes noite adentro. E aí a gente se pergunta, até quando eles iam agüentar isso? De fato lembro do Ivan falando alguns anos depois, que numa das vezes que ele foi visitar seu pai, ele estava chorando porque queria parar de trabalhar e não conseguia, já estava velho e cansado, com os filhos criados, mas não podia parar de trabalhar porque estava atrelado àquele sistema de integração, se fosse produzir outra coisa não teria para quem vender, e desta forma não via saída econômica para ele. Hoje eu não sei como eles estão”.

Ainda durante o curso de agronomia, seu primeiro contato com a agroecologia foi quando iniciou seus trabalhos na área de pastagens. Nessa fase começa a ver com mais profundidade as relações entre animais e plantas e a ver que esses dois sistemas estão intimamente ligados. De fato não aprendeu agroecologia na universidade, mas que aprendeu sobre agricultura sustentável com pessoas ligadas à universidade, onde ele se aproximava de pessoas que ele julgava mais sensíveis e essas pessoas lhe transmitiam os seus conhecimentos. Salienta que ao trabalhar como bolsista por quatro anos nesta área, teve a oportunidade de conhecer tecnologias mais integradas aos ambientes naturais como o Pastoreio Racional Voison3, a semear pastagem sobre campo nativo sem lavração e a fazer rotação de pastagens.

Segundo Guilherme isso lhe dá uma boa base para o que ele chama de agroecologia.

Ao retornar de Cuba, seu curso de agronomia estava praticamente encerrando, ao término das bolsas de estudo, voltou a trabalhar para se sustentar. Projetava, executava, limpava e arrumava jardins e horta em casas particulares (e às vezes horta e jardins no mesmo espaço de forma integrada). Foi nessa fase que Guilherme começou a se interessar pela olericultura, e passa a procurar conhecer melhor as hortaliças e a cultivá-las.

Nessa mesma época, enquanto sua companheira Cida realizava seu estágio de conclusão do curso de Agronomia na estância Demétria em Botucatu, SP, Guilherme participou de um curso de Cultivo de Ervas Medicinais. A estância Demétria segue a corrente Biodinâmica de agricultura alternativa, vinculada aos ensinamentos de Rudolf Steiner, um

3 Pastoreio Racional Voison: O método conhecido como Pastoreio Racional Voisin (PRV) constitui uma

tecnologia de processo que atende as melhores exigências para o crescimento e desenvolvimento das pastagens e atendimento das necessidades dos animais em pastoreio. Através dos tempos de repouso concedidos aos piquetes, proporciona-se às plantas todas as condições para que possam crescer sem interrupções ou agressões, até que atinjam um novo ponto de corte. (MACHADO, 1971).

filósofo que escreveu sobre vários campos do conhecimento, entre eles o da agronomia. Durante o período em que participou do curso, Guilherme observou que na estância eram desenvolvidas atividades de ensino onde os sistemas produtivos desconsideravam vários dos ensinamentos de Steiner. Com relação a essa observação Guilherme faz o seguinte comentário:

“(...) na estância era um sistema onde os técnicos que comandavam ministravam os cursos dispunham de serviçais que trabalhavam muitas vezes, acredito que por um salário mínimo mais casa e comida. Não era um processo natural, era uma coisa que os técnicos criaram na cabeça deles, onde dispunham de mão de obra que era contratada pelo que fosse possível de pagar e pronto. A gente olhava aquilo e parecia bóia fria trabalhando e com certeza não era justo, era altamente elitista”.

Ainda como estudante de agronomia e em perspectivas de trabalho depois de formado, Guilherme inicia uma sociedade com dois colegas de curso, Ivan e Cida. Logo depois Cida deixa de ser apenas colega para se tornar sua esposa. A sociedade tinha como atividades, elaboração e execução de projeto de jardinagem e de horta, e quando era possível faziam a integração de flores e folhagens com frutas e verduras em uma mesma área. O seu sócio Ivan é um dos primeiros, se não o primeiro em Florianópolis, a começar a plantar e entregar em domicílio hortaliças sem veneno e foi com ele teve os primeiros contatos com essa atividade.