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Agroterrorismo: o que é?

A utilização da doença como arma tem sido um recurso amplamente utilizado pelo homem, sendo uma ameça mais antiga do que o que parece. Ao acompanhar o desenvolvimento tecnológico e a evolução dos conhecimentos, têm vindo a desenvolver-se novos meios de ataque. Hoje, a população está mais sensibilizada para estas questões de segurança, pois está constantemente a ver-se sob a mira de grupos terroristas e estados. Semanalmente, são noticiadas situações de ataques terroristas que geram o pânico nas sociedades civis e criam situações de instabilidade. Estas ameaças terroristas podem surgir em diferentes formas. Uma que é por muitas vezes descurada, é a ameaça de terrorismo biológico ou alimentar. Desde os ataques do dia 11 de setembro de 2001 que o mundo anda a vigiar infra-estruturas críticas como os transportes e as telecomunicações. Contudo, não tem tido em consideração as ameaças à agricultura e às indústrias alimentares.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem dedicado a sua atenção ao Terrorismo Alimentar, definindo-o como um ato ou ameça de contaminação deliberada de alimentos para consumo humano ou animal com o objetivo de causar dano ou até morte em populações, de forma a alterar a ordem politica, económica e social. Em 2002, a OMS emitiu orientações para a proteção dos Estados contra este tipo de terrorismo. Quando existe libertação deliberada de agentes biológicos para provocar doença ou morte, é designado por terrorismo biológico (João, 2009).

O autor Fernando Escartín define o terrorismo biológico ou vulgarmente designado por bioterrorismo, como sendo o uso ilegítimo, ou ameaça de uso, de microrganismos ou toxinas obtidas de organismos vivos, de modo a provocar doenças ou a morte de humanos, animais ou plantas, de forma a intimidar governos ou sociedades para alcançar objetivos ideológicos, religiosos ou políticos. Quando o bioterrorismo é empregue na contaminação de águas, cultivos e gado, de forma a provocar fome e consequências económicos e sociais, este designa-se por agroterrorismo (Escartín, 2008).

Para Carlton Gyles, existem determinadas características do agroterrorismo que são potencialmente atrativas para os terroristas. A obtenção de agentes infeciosos é relativamente fácil e requerem pouco conhecimento e especificidade para infetar os

24 animais ou as culturas e as práticas de agricultura concentrada e intensiva facilitam a disseminação rápida destes agentes. Assim, este tipo de ataque é relativamente barato e utiliza baixa tecnologia. Estas contaminações deliberadas e infeções estratégicas podem criar danos de maior severidade do que em contaminações acidentais (Gyles, 2010). Os conhecimentos técnicos limitados requeridos para a aplicação deste tipo de ataques, facilita a sua aplicação por um amplo número de terroristas.

Os agentes utilizados são vulgarmente designados por armas biológicas, que o autor Fernando Escartín define como sendo armas não convencionais que baseiam a sua potencialidade na capacidade de infetar e causar doenças através da utilização de microrganismos ou toxinas. Uma arma biológica que seja altamente contagiosa, cause taxas de mortalidade elevadas, que necessite de muitos recursos para a combater e que tenha uma capacidade de disseminação fácil e rápida na população, seria considerada ideal, por causar um grande pânico social. A promoção deste tipo de terrorismo é também realizada pelas empresas de investigação em biotecnologia agrícola que conseguem impor a sua vontade, fazendo com que sejam validados acordos comerciais e de propriedade intelectual da utilização de alguns produtos e tecnologias. Existem ainda organizações internacionais e de Estados que utilizam de forma encoberta métodos como os do agroterrorismo, para controlo de riscos e ameaças como as culturas ilegais ou para dificultar transações entre dois países parceiros comerciais, tornando de dificil controlo o uso deliberado destes agentes (Escartín, 2008).

A distinção de um ataque agroterrorista e uma ocorrência epidémica é o motivo que os desencadeia. Objetivos políticos, estratégicos, psicológicos, religiosos e culturais poderão estar na base de um ataque deste tipo. O entendimento completo de uma ameaça agroterrorista é, para alguns, realizado com base em decisões políticas em conjunto com medidas de prevenção e resposta que envolvem recursos limitados. Para além disto, estes ataques podem ser anunciados ou inesperados. Assim, a investigação deve iniciar-se na etiologia e epidemiologia do surto, de modo a identificar o modo de transmissão e os alvos em risco. Estes acontecimentos não naturais, podem dar-se em qualquer altura do ano, numa área que não seja considerada endémica e de forma imprevisível (Weller, 2006).

Para Weller (2006), a ameaça de agroterrorismo pode ser descrita como uma função do valor da vulnerabilidade do alvo em risco, pelo dano que pode ser causado e pelas capacidades e intenções do terrorista, sendo todos estes elementos interdependentes. Assim, traduzindo numa equação:

25 𝑎𝑚𝑒𝑎ç𝑎 𝑎𝑔𝑟𝑜𝑡𝑒𝑟𝑟𝑜𝑟𝑖𝑠𝑡𝑎 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑒𝑞𝑢ê𝑛𝑐𝑖𝑎𝑠 𝑑𝑜 𝑎𝑡𝑎𝑞𝑢𝑒 × 𝑝𝑟𝑜𝑏𝑎𝑏𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑎𝑡𝑎𝑞𝑢𝑒 Em que, 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑒𝑞𝑢ê𝑛𝑐𝑖𝑎𝑠 𝑑𝑜 𝑎𝑡𝑎𝑞𝑢𝑒 = 𝑣𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑑𝑒 𝑎𝑡𝑖𝑣𝑜𝑠 𝑎 𝑑𝑒𝑓𝑒𝑛𝑑𝑒𝑟 × 𝑝𝑒𝑟𝑖𝑔𝑜 𝑑𝑜 𝑎𝑔𝑒𝑛𝑡𝑒 × 𝑣𝑢𝑙𝑛𝑒𝑟𝑎𝑏𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑜 𝑎𝑡𝑖𝑣𝑜 𝑎 𝑑𝑒𝑓𝑒𝑛𝑑𝑒𝑟 e 𝑝𝑟𝑜𝑏𝑎𝑏𝑖𝑙𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑜 𝑎𝑡𝑎𝑞𝑢𝑒 = 𝑚𝑜𝑡𝑖𝑣𝑎çã𝑜 × 𝑐𝑎𝑝𝑎𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑜 𝑡𝑒𝑟𝑟𝑜𝑟𝑖𝑠𝑡𝑎

Para além da população humana, outros seres estão sob ameaça devido às vias de transmissão que o comércio global facilita. É assim importante avaliar e analisar a vulnerabilidade de todos os intervenientes na cadeia agroalimentar. Cada vez mais, a sociedade está mais vulnerável a contrair novas doenças, especialmente as que poderão ser usadas como armas. Na tabela 3, podem ser identificados alguns dos motivos que levam a um aumento desta vulnerabilidade internacional, bem como à vulnerabilidade extrema do setor agrícola, devido à facilidade com que os animais e as plantas funcionam como vetor primário para agente de amplificação ou transmissão.

Muitas das doenças que podem ameaçar a saúde humana e animal podem ser transportadas por diferentes espécies, uma vez que estas são migratórias, quebrando as barreiras e fronteiras e aumentando o risco de as disseminar.

Agroterrorismo é considerado um esquema fácil, pela forma como os alimentos se movem globalmente, oferecendo à cadeia alimentar um mecanismo de baixa tecnologia para alcançar o dano. Mas este é visto como um esquema para incapacitar a economia de um país, uma vez que contaminada a sua agricultura ou pecuária, o país vê-se barrado aos mercados internacionais.

Não são só os animais e as culturas que podem ser consideradas como alvos de contaminações deliberadas, mas sim todos os elementos de uma cadeia agroalimentar (farm-to-table), como fontes de abastecimento de água, sistemas de transporte, produtores e manipuladores de alimentos, equipamentos de produção e armazenamento, restauração, laboratórios agrícolas e alimentares, entre outros. A figura 4 ilustra este processo conhecido como “food continuum”, onde é possível verificar que existem inúmeros pontos da cadeia onde os alimentos podem ser contaminados e como pode ocorrer a transmissão da doença (Annex F: Public Health and Medical Services, 2007).

26 Tabela 3 – Fatores que contribuem para a vulnerabilidade internacional do setor agrícola.

Global Setor agrícola

Aumento da globalização, promovendo o rápido movimento de pessoas, animais e produtos

Distribuição geográfica da produção em ambientes suscetíveis

Aparecimento de novos agentes patogénicos à medida que as populações invadem novos ambientes

Concentração do gado em locais confinados e transporte misturado com outros animais

Aumento do contato entre pessoas e animais domésticos e selvagens

Surtos de pragas e doenças rapidamente detêm exportações economicamente importantes

Urbanização Falta de especialistas no diagnóstico e tratamento de doenças novas

Aumento da resistência a antibióticos e pesticidas

Práticas de agricutura intensiva e concentradas

Falta de vacinas eficazes Facilidade de propagação dos agentes patogenes em animais ou plantas

Término de programas de vacinação para doenças que foram erradicadas

Vigilância e segurança agrícola e alimentar insuficiente

Facilidade de obtenção e construção de armas biológicas e realização de ações sem a necessidade de equipamentos ou conhecimentos sofisticados.

Sistema de deteção e resposta de doenças ineficiente

27 Figura 4 – “Food continuum”. Fonte: Annex F: Public Health and Medical Services,

(2007)