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A ANÁLISE DOS DADOS

P: Ah, tá, já ((risos)) veio com um objetivo mais específico

Juliano: ((INC)) mais específico, ela veio já com tudo pronto predestinado, e

assim foi ((risos)). Foi mais ou menos assim daí... A mãe veio pra casar já...

Os índices de referência e predicação específico, pronto e predestinado (linha 24) confirmam a imagem de que a mãe de Juliano imigrou para o Brasil com os processos encaminhados previamente, seguindo os objetivos de construção de uma família, para assim ser “bem-sucedida” no empreendimento migratório e manter as tradições socioculturais de sua comunidade de origem, com objetivo específico e seu destino previamente traçado, vinculado ao movimento migratório de seu futuro marido.

É relevante ressaltar que, apesar da indicação do caráter de dependência da mulher falante de árabe em relação ao seu homem, a mãe de Juliano foi destemida e forte ao deixar para trás sua família de origem para construir sua nova família em um país estranho e sem ter tido convivência com o noivo. A mãe de Juliano também passou por sofrimento e sacrifício ao se distanciar, em termos de convivência, de sua família de origem – porque não dizer, numa empreitada relativamente solitária e que exigiu dela um protagonismo tão significativo quanto aquele que foi exigido do marido quando veio para o Brasil: força e resiliência para construir uma nova vida.

Ainda em se tratando da importância da rede de contatos estabelecida no Brasil, os elos afetivos criados a partir do entrecruzamento das histórias de vida desses imigrantes – e que se mantiveram em muitos casos – contribuíram para o processo de desenraizamento e reterritorialização no novo país. Contar e recontar as histórias do passado serviam e servem como ponto de encontro das similaridades na jornada e, também, uma maneira de exprimir sentimentos. Vejamos como Juliano segue com seu relato:

EXCERTO 4:

1 Juliano: Eles vivem falando direto do Líbano, eles voltam aqui e lá 2 P: Seus pais? 3 4 5 6 7 8 9 10

Juliano: Sim, não só os meus pais, os parentes, primos, as pessoas mais velhas, os

pais da ((nome da esposa)), então, ((INC)) também. Todos eles falam assim, por exemplo, falam com uma sauDA::de da volta e aí aquela coisa que nem eu, então eu falo por mim, pelo Rio Grande do Sul. Nasci lá, cresci lá...Então nossa, eu falo com uma sauDAde do Rio Grande do Sul, eu A::MO aquela cidade, aquela terra lá, então tu vê deles assim... e... Então tu vê os mais velhos falando como vieram pra cá e comentam e falam de lá, tu vê uma saudade, longe, assim, que eles viajam muito assim, sabe... aQUE::la viagem

11 P: Contando as histórias do passado?

12 Juliano: Isso é fato, acho que todos fazem isso, né?

A ação de recontar histórias parece ser recorrente na jornada dessa família e de sua rede de contatos, assim como deve ser em outras redes. Percebe- se a recorrência nos relatos, pelas escolhas lexicais de Juliano como, por exemplo, pelo aspecto do verbo falar, um descritor metapragmático, no gerúndio, acompanhado do verbo viver (vivem falando, linha 1). Juliano caracteriza o relato de

seus pais e outros imigrantes a partir de uma analogia entre a descrição da trajetória familiar de imigração, chamando a atenção para uma viagem metafórica nas memórias: eles viajam muito assim, sabe... aQUE::la viagem (linha 9 e 10).

O relato deles vem acompanhado de uma carga afetiva – nesse caso, nostálgica, de uma saudade da terra natal, uma saudade doída, que se percebe facilmente: Então tu vê os mais velhos falando como vieram pra cá e comentam e

falam de lá, tu vê uma saudade (linhas 8 e 9).

Ao enfatizar a face saudosa e nostálgica da trajetória de seus pais, Juliano revela alguns detalhes de sua própria construção identitária. Juliano ventriloqua a saudade que os imigrantes de seu meio familiar sentem com relação ao país de origem, equiparando-a à saudade que ele mesmo sente de seu próprio local de nascimento:

(...) então eu falo por mim, pelo Rio Grande do Sul. Nasci lá, cresci lá...Então nossa, eu falo com uma sauDAde do Rio Grande do Sul, eu A::MO aquela cidade, aquela terra lá.

Até o presente momento, apresentei as narrativas de indivíduos falantes de árabe que vieram para o Brasil no segundo ciclo de imigração árabe para o Brasil, segundo momento (1956-1970). A seguir, apresento trechos de narrativas relacionadas ao terceiro momento do 2º ciclo de migração e após, ocorridos a partir do início dos anos 1970 e potencializado com a Guerra de 1982 em território libanês. Tais migrações coincidiram com momentos relevantes da história e dos ciclos de desenvolvimento econômico de Foz do Iguaçu, que neste momento apresentava maior desenvolvimento urbano em decorrência da finalização da construção da Itaipu Binacional e de todas as benesses decorrentes desse movimento em termos econômicos.

IV. Sabrina (21 anos): Eles adoram o Brasil e eles falam que, se não fosse

pelo Brasil, eles não saberiam o que estariam fazendo agora, não saberiam se estariam vivos agora, né?

Como já mencionado em outros trechos desta tese, a presença de parentes e/ou de uma rede de conhecidos na cidade de Foz do Iguaçu funcionou

como um chamariz para que os imigrantes falantes de árabe, em especial palestinos e libaneses, se estabelecessem na cidade, principalmente, após o massacre de Sabra e Chatila em 1982. A construção da Mesquita Omar Ibn Khattab, em 1983, foi um fator preponderante para a vinda dos falantes de árabe professantes da fé islâmica de corrente sunita para esse município, já que teriam um local para realização de suas práticas religiosas e sociais.

Muitos dos que se deslocaram para o Brasil, forçados pelas circunstâncias políticas e econômicas de seus países, acreditavam na provisoriedade do processo migratório e exprimiam o desejo de retorno a sua terra natal. Na geração dos dados deste estudo, tal indicação foi relatada por alguns dos participantes e dentre eles, Sabrina, após a exibição de um trecho do filme O

Tempero da Vida – aquele em que a família de Fanis Iakovidis está passando pela

emigração da Turquia para a Grécia, quando se viu obrigada a se mudar de país em virtude de desentendimentos entre os dois países, fato reforçado pelos órgãos locas pelo pai do protagonista Fanis ser de origem grega.

EXCERTO 5: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22

Sabrina: Ah, é bem essa parte assim ...sei lá... eu prestei bem atenção quando ele

falou esse negócio do partir... tipo... você tem que falar pra onde você tá INDO e não o que você deixou pra trás. Eu acho que é bem o caso dos nossos pais... tipo ... eles vieram pra cá falando: “A gente vai pro Brasil pra juntar dinheiro e voltar pro Líbano”. Tanto que esses dias, meu pai tava comentando: “A gente falou TANto em voltar pro Líbano, que a gente não construiu NAda aqui. Foi ... a gente está aqui e depois de 25 anos, a gente ainda tá aqui. Então a gente não deveria ter pensado tanto em voltar e sim em ficar”.

P: Uh-hum

Sabrina: E na hora que desse uma oportunidade, se a gente tivesse pensado tanto

em ficar do mesmo tanto que a gente pensou em voltar, eu acho que a gente agora estaria ali....

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