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CAPÍTULO II CONTEXTO HISTÓRICO – POLÍTICO DE CRIAÇÃO

2.1.2 Airton Barreto: um advogado na periferia

O nascedouro da Terapia Comunitária Integrativa teve como importante influência a mudança da família Barreto do sertão cearense para o bairro Pirambu, em Fortaleza. Das repercussões que essa mudança ocasionou na família, iremos destacar a experiência narrada por Airton Barreto, irmão de Adalberto. O livro José Airton

Barreto, a vida em diálogos (RIVALTA; ALMEIDA, 2011, p. 29) traz narrativas da

vida de Airton Barreto.

E, Airton, já com quatorze anos, mudou-se com a família para um lugar chamado Pirambu. Quando o caminhão da mudança parou, Airton viu um lugar sujo, desorganizado, ruas escuras sem calçamento, em frente à casa simples da família, um muro frio de fábrica. Nos dias de chuva, a água subia quase um metro... Mas, na época, ele nem sabia que era uma das maiores favelas do Brasil. Um lugar bonito, próximo à praia, mas contaminado por estigmas e estereótipos.

Vivenciar episódios de desrespeito aos direitos humanos levou-o a formar- se em Direito, pois vislumbrava nessa formação um recurso para confrontar as atrocidades presentes no dia a dia do bairro. Concluída a formação, optou por residir com os mais pobres do Pirambu.

No início da década de 80, fundou a Comissão de Direitos Humanos do Pirambu, cujo trabalho era de “orientação, encaminhamento de casos, violência policial, reivindicações, isto é, um ponto de apoio para a comunidade local” (RIVALTA; ALMEIDA, 2011, p. 41).

Dentre os fatos vivenciados pela comunidade do Pirambu em que Airton esteve engajado e que influenciaram a criação da Terapia Comunitária Integrativa, destacaremos a ocupação da fábrica Cimpelco pelos operários, em meados de 1985.

Os donos da fábrica Cimpelco declararam falência e a impossibilidade de indenizar os funcionários. Indignados com a situação, os funcionários resolveram saquear os bens restantes e ocupar a área para estabelecer moradia. A comunidade próxima também decidiu ocupar o espaço da fábrica. Diante da atitude dos operários e da comunidade circunvizinha, o poder público se manifestou por meio de violência e derrubada das casas, mas as pessoas resistiram e ali se estabeleceram (GIFFONI, 2008; RIVALTA; ALMEIDA, 2011).

Nesse contexto de luta, surgiu outra pessoa importante na criação da Terapia Comunitária Integrativa e da Comunidade Quatro Varas, o Padre redentorista francês Henry Le Boussicaut, que decidiu apoiar as pessoas na luta pela moradia no espaço da antiga fábrica Cimpelco. Diariamente, ele colaborava na construção das casas, bem como confrontava a polícia, quando ela agredia as pessoas ou derrubava suas casas.

Em 1985, a prefeitura desapropria a área e resolveu as ações de terra pendentes. Vencida a etapa da violência física, a comunidade passou a se reunir para buscar melhores condições de vida. Num de seus encontros, decidiu nomear-se Comunidade Quatro Varas. A escolha do nome ocorreu de forma democrática. Pe. Henry propôs o nome Comunidade Quatro Varas (BARRETO; BOYER, 2003; BARRETO, 2008), narrando a seguinte história:

Um velho, antes de morrer, chamou seus quatro filhos e disse: ‘Cada um de vocês me traga uma vara’. Quando as trouxeram, ele juntou as quatro varas e as deu ao mais velho para quebrar: ‘Tente quebrar as quatro varas juntas!’ Como nenhum dos filhos conseguiu, o velho observou: ‘A herança que deixo para vocês é a união das varas, se vocês ficarem unidos como elas, ninguém quebrará vocês’ (RIVALTA; ALMEIDA, 2011, p. 42).

Com a partida do Pe. Henry Le Boussicaut, Airton deu continuidade ao trabalho iniciado pelo padre. Mudou-se para uma casa de taipa na Comunidade Quatro Varas e ali inaugurou o Centro de Direitos Humanos da Comunidade Quatro Varas, o

Centro dos Direitos Humanos do Pirambu – Amor e Justiça. A comunidade passou,

assim, a contar com apoio especializado na luta por seus direitos.

No entanto, as demandas ao Centro de Direitos Humanos extrapolaram a alçada do Direito, uma vez que a tônica da saúde estava expressa nas dificuldades emocionais, nos atos violentos, na depressão, na baixa autoestima e no alcoolismo, para citar alguns dos problemas que acometiam a comunidade. As necessidades da população eram então tratadas de forma individual, centradas na busca por medicamentos para

solucionar ou amenizar as questões apresentadas. As pessoas não relacionavam os problemas vivenciados com o macrocontexto social, econômico, político, cultural, étnico, de gênero, espiritual e buscavam sobremaneira ajudas externas, como em médicos, políticos, religiosos (RIVALTA; BARRETO; BARRETO, 2011).

Esse é o cenário em que Airton buscou apoio no irmão, Adalberto Barreto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). A partir de então, passou a encaminhar pessoas para atendimento no Hospital das Clínicas, o hospital universitário da UFC. A demanda, no entanto, extrapolou a capacidade de atendimento no serviço e Adalberto propôs a ida dele e de seus estudantes de Medicina à comunidade (BARRETO, 2008; BARRETO; BOYER, 2003; LUISI, 2006). O encontro entre a academia, representada por Adalberto e os estudantes, e a Comunidade Quatro Varas foi narrado por Camarotti e Oliveira (2009, p. 219):

A história da Terapia Comunitária Integrativa começa em 1987. Na favela do Pirambu, em Fortaleza. Doutor Adalberto Barreto chega e se depara com um impasse: como atender um número tão grande de pessoas e em tão pouco tempo? E, de forma improvisada, decide que ao invés de oferecer consultas ele iria ‘se consultar’ e diz: “Eu vim aqui para resolver o meu problema”. As pessoas ficam sem entender aquela proposta, pois como um doutor iria buscar resolver seus problemas numa favela? E o Doutor esclarece: “Eu vim aqui para resolver a minha ‘alienação universitária’, pois tudo o que aprendi na faculdade não me preparou para atender 70 pessoas numa manhã”. Todos numa grande roda. O Doutor, com seu receituário em mãos, tenta iniciar os atendimentos. Logo na primeira recomendação ouve: “Doutor, eu não tenho dinheiro nem pra comida quem dirá para remédio”. O Doutor pára, olha e pergunta: “Quem aqui já viveu uma situação parecida com a dela e como fez para superar?” Alguns erguem as mãos e inicia-se uma grande roda de partilha de vivências. Assim se instalou o embrião da Terapia Comunitária Integrativa.

Em 1988, o espaço de encontro comunitário tornou-se um projeto da Pró- Reitoria de Extensão da UFC, denominado Projeto de Extensão Quatro Varas, no intuito de estreitar a relação comunidade-universidade (FUENTES-ROJAS, 2011). O projeto de extensão foi vinculado em 1995 à Organização Não Governamental Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (MISMEC), sendo gerenciada por lideranças da Comunidade Quatro Varas (BAKMAN; RIVALTA; BARRETO, 2010; GIFFONI, 2008).