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TCI e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares

CAPÍTULO V A INSERÇÃO DA TERAPIA COMUNITÁRIA

5.3 TCI e as Políticas Públicas de Saúde – Política Nacional de Práticas

5.3.3 TCI e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares

A perspectiva de promover a complementação das ações de saúde com foco na integralidade foi apresentada pelo Ministério da Saúde ao instituir a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, em 2006. A PNPIC apresenta passos para o pluralismo da saúde, a fim de defender o princípio de que os cidadãos são socialmente iguais em direitos e deveres, contudo podem ser diferentes em percepções e necessidades (BRASIL, 2006b). A implementação da PNPIC no SUS é um aprofundamento do cuidado em saúde, em busca da integralidade da atenção, acesso aos serviços e exercício da cidadania.

No Brasil e no exterior, houve um aumento no uso de novas práticas terapêuticas, comumente denominadas alternativas, complementares, integrativas, holísticas ou não convencionais. Essas práticas têm sido utilizadas em espaços

1Prefeitura Municipal de Santo André

institucionais e não institucionais, com a tendência de serem integradas aos sistemas nacionais de saúde (SOUZA; LUZ, 2009).

Cabe um breve esclarecimento: os termos complementar e alternativo são conceitos provisórios, estando o alternativo relacionado ao diferenciado do modelo biomédico hegemônico e o complementar referente a outras práticas diagnósticas e terapêuticas que complementam a medicina oficial. A terminologia integrativa refere-se a uma abordagem ampliada sobre o processo de cuidado da saúde das pessoas, envolvendo mente, corpo e espírito (ANDRADE, 2006 apud GIFFONI, 2008).

A Política de Práticas Integrativas e Complementares do Brasil reflete um movimento que questiona a primazia do modelo biomédico, detentor das práticas de cuidado com a saúde semelhante à ESF. Para o modelo biomédico, a saúde constitui-se na ausência de doença com o foco no diagnóstico e na intervenção técnica, ou seja, nos processos físicos relacionados à patologia, bioquímica e fisiologia de uma doença. Minimiza, ou por vezes desconsidera, a atuação dos fatores sociais ou da subjetividade individual no processo. No modelo biomédico, é enfatizado o uso da medicação e do aparato tecnológico em detrimento do encontro, diálogo e relação estabelecida entre terapeuta e pessoa enferma. Há, portanto, foco na doença e não na pessoa (BARROS, 2000; GOMÉZ, 2003; LUZ, 2005; TESSER, 2009).

De acordo com Camargo Jr. (2007), sob a ótica da biomedicina a doença é reificada, ou seja, “torna-se coisa, às expensas de seus portadores” (p. 65). A dimensão da subjetividade da pessoa doente (illness), que se refere aos significados que a mesma atribui à sua doença, é desconsiderada (OLIVEIRA, 2002).

Laplantine (2004) enriquece esse debate ao afirmar que o conhecimento do médico alopata, do homeopata, do curandeiro, do xamã, do exorcista, entre outros agentes de cura, devem ser significados no conceber e lidar com a saúde e a doença. A antropologia da doença contribui para o debate ao estudar o fenômeno saúde e doença, considerando fatores biológicos, socioeconômicos, culturais, psicossociais e religiosos, que permeiam o contexto da história de vida das pessoas e exercem marcada influência nas suas atitudes em face da doença e dos processos de cura.

Em consonância com os autores que questionam a primazia do modelo biomédico, a perspectiva das práticas integrativas na saúde evidencia diferentes setores de saúde atuando, como o informal, o popular e o profissional. O informal é o domínio

leigo, não profissional e não especializado e refere-se às práticas terapêuticas sem pagamento ou marcação de consultas, como as automedicações, conselhos de amigos, parentes e grupos de ajuda mútua. O popular é constituído por pessoas especializadas em determinadas formas de cura, como é o caso dos curandeiros, parteiras, raizeiros e xamãs. No setor profissional, encontram-se as profissões organizadas e sancionadas legalmente, a exemplo da Medicina, Fisioterapia e Enfermagem (HELMAN, 2003).

A TCI transita entre os três setores supracitados. Originariamente surge como uma prática informal, sendo um encontro para discutir dificuldades do cotidiano numa perspectiva de ajuda mútua. Todavia, à medida que se institui a figura do formador de terapeutas comunitários e do terapeuta comunitário a abordagem ganha características associadas ao setor popular, pois tem-se pessoas que receberam uma formação especializada para coordenar as rodas. O reconhecimento do poder público e de entidades privadas da prática da TCI como uma abordagem de cuidados com a saúde comunitária aproxima-a do setor profissional, uma vez que profissionais integram a TCI entre suas práticas oficiais de atuação.

O desafio atual é a integração das perspectivas de modo a potencializar suas contribuições. Goméz (2003) defende que as diferenças teóricas não impossibilitam, na prática clínica, a combinação das diferentes práticas.

A TCI foi implantada no SUS, compondo as práticas integrativas e complementares geridas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Ministério da Saúde (ANDRADE et al., 2009; PADILHA; OLIVEIRA, 2012). Em 2007 e 2008, houve a celebração dos Convênios nº 3363, de 2007 e nº 2397, de 2008, firmados entre o Ministério da Saúde, a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura e a Universidade Federal do Ceará para a implantação da TCI na ESF e na rede SUS, por meio da capacitação de profissionais nessa abordagem (ARARUNA et al., 2012; BARRETO et al., 2011).

Os convênios para a capacitação tiveram como objetivo estimular os profissionais da saúde a: implantar a TCI em suas ações; ampliar as possibilidades de atuação numa perspectiva sistêmica de modo eficaz e eficiente na prevenção do adoecimento; desenvolver habilidades e competências para trabalhar as pessoas em seu contexto social, a fim de melhor lidar com suas ansiedades, estresse, angústias, frustrações, dor e sofrimento psíquico; e identificar valores culturais para fortalecimento

da identidade pessoal e comunitária. Para alcançar esses objetivos, os convênios contemplaram a formação de terapeutas comunitários, prioritariamente agentes comunitários de saúde, em todas as regiões do país, num total de 30 turmas, com 70 alunos cada (BARRETO et al., 2011).

As formações somente puderam ser executadas pela parceria com os municípios, que assumiram a contrapartida com o custeio de transporte, alimentação e local para as formações. Aderiram à proposta da formação 133 municípios em 2008 e 120 municípios em 2009 (BARRETO et al., 2011). Segundo Pinto et al. (2012), a TCI foi implantada por meio desses convênios em 120 municípios brasileiros.

Foram certificados 2105 terapeutas comunitários em todas as regiões do país. Na Região Norte: Amazonas, Pará, Rondônia e Tocantins; Região Nordeste: Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia e Piauí; Região Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; Região Centro Oeste: Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso; e, Região Sul: Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. O quadro 6 apresenta uma síntese de alguns dados das capacitações (BARRETO et al., 2011).

Quadro 6 – Síntese de dados das formações em TCI para profissionais da Estratégia Saúde da Família e Rede SUS – Convênios nºs 3363, de 2007, e 2397, de 2008 (MS/UFC/FCPC)

Formação em TCI para profissionais da Estratégia Saúde da Família e Rede SUS – 2008 e 2009 2105 terapeutas comunitários formados

1031 agentes comunitários de saúde formados

1074 profissionais da saúde (psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, dentistas e médicos) 9982 rodas de TCI realizadas pelos alunos durante as formações

153812 pessoas participaram dos encontros Fonte: Barreto et al. (2011).

Os dados mostram um perfil diversificado dos cursistas, reforçando a proposta da TCI de ser uma abordagem de atuação acessível aos profissionais de diferentes formações e níveis de escolaridade, com vistas a reforçar a rede de apoio à saúde comunitária no âmbito das políticas públicas de saúde.

Destacamos que a formação em TCI de profissionais com perfis diferenciados enriquece a atuação da equipe, que pode ter uma melhoria na relação entre seus integrantes e maior abertura para adesão à proposta da TCI. Estudo realizado por

Araruna et al., (2012, p. 39) sobre o impacto da formação de profissionais da saúde em TCI na ESF, na Paraíba, identificou que:

Qualquer processo de mudança nos atores da atenção básica provoca impacto na sua atuação, modificando a assistência prestada à comunidade....podemos observar que a formação [em TCI] promove uma mudança interna, consistente e amadurecida, que inevitavelmente impacta na sua relação com o outro, seja usuário da ESF ou colega de equipe, culminando na sintonia necessária para uma prática diferenciada.

Figura 8 - Capa da cartilha pedagógica produzida no Convênio nº 2397, de 2008, firmado entre o Ministério da Saúde, a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura e a Universidade Federal do Ceará

Figura 7 – Capa da cartilha pedagógica produzida no Convênio nº 3363, de 2007, firmado entre o Ministério da Saúde, a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura e a Universidade Federal do Ceará