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Alberto Giacometti – A Redução

No documento A Escultura como Experiência Estética: (páginas 17-21)

1.2 A Lição dos Mestres

1.2.2 Alberto Giacometti – A Redução

No contexto europeu pós-segunda guerra mundial, Alberto Giacometti, juntamente com Joseph Beuys são considerados por Rui Chafes como possivelmente os grandes escultores desse período; segundo o artista “os dois são, à distância que o tempo nos permite, os que conseguem instaurar uma linguagem de resistência válida e sólida, capaz de ser confrontada com a vitalidade, a radicalidade, a inovação e a capacidade de afirmação (e de teorização das próprias práticas artísticas) da escultura americana”.23

Alberto Giacometti nasceu a 10 de Outubro de 1901 em Borgonovo, na região dos Alpes Suíços. Em 1922, mudou-se para Paris, onde ingressou na Académie de la Grande Chaumière, e frequentou as aulas do escultor Antoine Bourdelle.

Nos primeiros anos na cidade visitou inúmeros museus, dedicou-se ao estudo e à cópia de obras egípcias, medievais, desenvolveu um interesse pela escultura africana e pela arte oceânica. Descobriu também o Surrealismo, e algumas das suas esculturas iniciais como a Tête qui regarde, de 1929, ou a Boule suspendue, de 1930-31 demonstram uma clara influência do movimento nos seus traços e formas. A convite de André Breton, a partir de 1931, o escultor suíço colaborou em manifestos, publicações, exposições e atividades realizadas pelos Surrealistas, antes de abandonar o grupo no ano de 1935.

Ao longo deste período Giacometti, intensificou as suas experiências estilísticas através da combinação de formas cubistas com elementos egípcios e alguns traços de influência primitivista, numa tentativa de representar o movimento e elaborar esculturas afetivas.

Durante a Segunda Guerra Mundial regressou à sua localidade natal onde conheceu a futura mulher, Annette Arm, que, juntamente com a sua mãe e o irmão Diego serviu de modelo para as suas obras posteriores. Em 1946, voltou a Paris e ao trabalho no seu pequeno atelier, na rua Hippolyte-Maindron conservado, no decurso da sua ausência pelo irmão também artista e seu assistente.

23 CHAFES, Rui – O Silêncio de... Lisboa: Assírio&Alvim, 2006, p. 60.

Num período marcado pela tentativa de reencontro com valores humanos, considerados esquecidos, e pela constante memória dos horrores vividos durante a guerra, abriu-se à luz da época o debate sobre a condição humana. Ao encontrar a cidade completamente transformada e diferente daquilo que conhecera, Alberto Giacometti começou a frequentar novos locais, a aumentar os seus círculos de amizade e a participar em discussões de carácter filosófico na companhia de Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre.

Este último filósofo e escritor viria a escrever dois textos, que se tornariam importantes para a receção do trabalho do escultor não só no meio artístico como na sociedade da altura.

Enquanto no panorama artístico predominava maioritariamente uma arte de carácter abstrato, as esculturas do artista restabeleceram a figura humana como temática principal, sendo que a partir deste momento Giacometti iniciou uma busca obsessiva pela sua representação e desmaterialização através da redução, característica que viria marcar a sua obra até ao final dos seus dias.

As suas esculturas ascendem a uma dimensão espiritual, Giacometti representa figuras esguias maioritariamente do sexo feminino, em andamento, alongadas, assemelhando-se a sombras assentes sobre um bloco quadrangular, primeiramente moldadas em gesso, e finalizadas depois em bronze. Na época, Jean Paul-Sartre referiu a razão desta escolha;

segundo o filósofo, Giacometti “não gosta da resistência da pedra, que trava os seus movimentos. Escolheu para si uma matéria sem peso, a mais dúctil, a mais perecível, a mais espiritual: o gesso. Mal o sente na ponta dos dedos, o gesso é a contrapartida impalpável de seus movimentos”.24

A obra do escultor suíço pretende ser uma tentativa de representação da condição frágil do ser humano, da sua efemeridade, através da anulação e redução da matéria, reduzindo a escultura à sua essência, ao seu núcleo confrontando, o observador com a sua própria existência, a sua fragilidade e vulnerabilidade. Com Giacometti, segundo o juízo de Sartre, “jamais a matéria foi menos eterna, mais frágil, mais próxima de ser humana”.25 Na realidade as suas esculturas acabam por ser versões de apenas uma única escultura, numa obsessão constante por parte de Giacometti de tentar representar o invisível através

24 SARTRE, Jean-Paul – Textos de Giacometti. São Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 20.

25 Ibid., p.22.

do visível, reduzindo a escultura à sua essencialidade, neste caso a um traço, um movimento.

Na verdade, e de acordo com Rui Chafes:

O caminho da negação, da redução, da austeridade e ascetismo, da discriminação, tomado por Giacometti, conduziu-o à criação de um espaço calcinado. O espaço é a matéria da sua escultura: mais do que invólucros vazios, as suas figuras são espaços ou impossibilidades de ocupar o espaço. Aqui se apresenta um testemunho do homem desprovido de qualidades individuais, o Homem tornado local, lugar, espaço. O Homem destruído, esburacado, dissecado, exaurido. A secura, a rarefação radical dos propósitos figurativos e a redução da figura à sua própria tortura abriram o caminho para a moderna escultura: a escultura da consciência. Aliás a enorme grandeza de Giacometti reside na sua extrema e radical consciência, que o levou sempre a tentar e a falhar e a considerar sempre a arte como uma tentativa votada ao fracasso. 26

A ideia de redução é também para Rui Chafes indispensável; o escultor acredita que a

“redução é uma transcendência e essa ideia de transcendência associada à redução, é uma ideia que é fundamental para o meu trabalho”.27

Apesar da distância temporal existente entre os dois escultores, ambos apresentam grandes afinidades entre si, o abrandamento, a sua forma de trabalhar isolada e persistentemente, o aparente distanciamento entre a sua obra e uma suposta estética homogénea contemporânea, o regresso à solidão e ao trabalho de oficina como elementos essenciais na construção da obra de arte e a assunção da impossibilidade do objeto.

Em relação a este aspeto, o artista português afirma que Alberto Giacometti é “um escultor de quem me sinto próximo por trabalhar na desmaterialização do objecto e na sua apresentação enquanto impossibilidade.”28 Em relação à obra do escultor suíço, Jean Paul Sartre chegou também a afirmar na época que “se para esculpir, é preciso talhar e recoser nesse meio incompreensível, então a escultura é impossível.”29

Segundo Rui Chafes a memória no trabalho de Giacometti é uma memória não histórica e como afirmam as palavras de Jean Genet;

Nunca, nunca, a obra de arte se destina às novas gerações. Ela é a oferenda ao inúmero povo dos mortos. Que a acolhem ou rejeitam [...] Embora presentes, onde pertencem essas figuras de Giacometti, senão à morte? De onde voltam ao mínimo apelo dos nossos olhos, direito a

26 CHAFES, Rui – O Silêncio de... Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, p. 59.

27 CHAFES, Rui – O Silêncio de... Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, p. 93.

28 CHAFES, Rui in MATOS, Sara Antónia – Espaço ( Arte Contemporânea). Montemor-o-Novo: Oficinas do Convento, 2009, p.94.

nós. [...] A obra de Giacometti transmite ao povo dos mortos o conhecimento da solidão de todos os seres e de todas as coisas; solidão, nossa mais certa glória! [...] Giacometti não trabalha para os contemporâneos nem para as gerações futuras: ele esculpe estátuas que arrebatam enfim os mortos.30

Semelhante ao pensamento do escritor francês a arte para o escultor português é também para os mortos, pertence ao considerado território da morte. A escultura de Rui Chafes procura assim como a de Alberto Giacometti ser uma “arte muito dura capaz de se infiltrar pelas paredes porosas do reino das sombras.”31

Alberto Giacometti, faleceu em 1966, em Chur, Suiça, curiosamente no mesmo ano em que nasceu o escultor português.

30 CHAFES, Rui – O Silêncio de... Lisboa: Assírio&Alvim, 2006, p.61.

31 Ibidem.

No documento A Escultura como Experiência Estética: (páginas 17-21)

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