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Como já mencionado, a Ilha do Bananal abriga os grupos da etnia Karajá e Javaé. Os povos Karajá habitam as margens do Araguaia enquanto os povos Javaé ocupam as margens do Rio Javaés; são as aldeias Javaé o outro cenário de nossa pesquisa. E quem são os Javaé? Essa é uma pergunta para a qual fomos buscar resposta em Mendonça (2008, p. 102):

[...] não há uma resposta óbvia, e que se im- põe com toda força: – Quem são, afinal, os Javaé?! Não existe uma resposta simples a esta pergunta, no sentido de se poder tra- çar uma linha clara de continuidade entre um grupo ancestral definido e os Javaé atuais, ou de se poder identificar uma essência original monogênica sobre a qual foram adicionados novos componentes. Também não se trata de um simples plurigenismo, no sentido de origens múltiplas independentes. Isso que se chama de “os Javaé atuais”, segundo a visão nativa, poderia ser considerado como o pro- duto de um amálgama de várias influências externas? Talvez essa não seja uma proposi- ção adequada, porque a ideia de “influências externas” pressupõe um centro original a ser influenciado e moldado, quando na verdade, segundo a mitologia, não existe tal centro ou essência interna. Creio que a melhor forma de traduzir o que o mito diz quanto à criação da cultura ou da sociedade Javaé seja concebê-la não ao modo da fagocitose social Jê (Carneiro da Cunha, 1993), como uma célula original (no sentido de primordial) que ingere microor- ganismos externos, mas como o produto ori- ginal (no sentido de inédito) de “relações entre diferentes” que já vinham ocorrendo muito an- tes da chegada do colonizador europeu.

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No mapa abaixo, tem-se a localização das aldeias Karajá

e Javaé (Figura 08), no qual aparece a área sobreposta, ou seja,

o Parna do Araguaia e o Território Indígena Iñawébohona.

Inicialmente, todo o território da ilha era ocupado pelos indígenas, mas com a corrida desenvolvimentista do Estado Novo pelo então presidente Getúlio Vargas e o lançamento da “Marcha para o Oeste”, cujo objetivo específico era ocupar o interior do Brasil, avançar sertão adentro, esse cenário se alterou.

Figura 08 – Localização atual das aldeias Karajá e Javaé

55 É no governo de Juscelino Kubitschek que o território da Ilha do Bananal passa à categoria de Parque Nacional,

dentro de um conjunto de ações conhecidas como Operação Bananal, que visou transfor- mar a Ilha do Bananal num centro fomenta- dor de desenvolvimento no vale do Araguaia com vistas a povoar a Amazônia por meio de incentivos à criação de gado, indústria extrati- vista, pesca, turismo e transporte fluvial (LIMA FILHO, 1998, p. 131).

Portanto, em 1959, por meio do Decreto nº 47.570, é cria- do o Parna do Araguaia. Os indígenas ficaram, então, sem garantia do direito da posse do território, uma vez que, na categoria de UC, a Ilha do Bananal, enquanto Parque Nacional, segundo o SNUC, tem como objetivo preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na Lei.

Somente no ano de 1971, quando o então presidente,

Emílio Garrastazu Médice12, passou a exercer o cargo de presiden-

te da República e criou o Parque Indígena do Araguaia, é que os indígenas tiveram um princípio de garantia de seu território, fican- do a Funai responsável pelas medidas de proteção aos indígenas e ao seu patrimônio.

De 1971 até os dias atuais, foram estabelecidas as redu- ções no Parna do Araguaia em função da delimitação do território indígena na Ilha do Bananal. Os decretos que deram novos limites ao Parna foram: em 1971, o Decreto nº 69.263, de 22 de se- tembro de 1971, que criou o Parque Indígena do Araguaia e, em 1980, o Decreto nº 84.844.

Em 1998 ocorreu nova homologação do Território Indí- gena do Araguaia. Esse processo de divisão do território da Ilha do Bananal em Parque e Terra indígena não foi um processo har- mônico, haja vista, como já citado, que a categoria de Parque não

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contempla moradores em seu interior. Abaixo, a Figura 09 evi-

dencia a evolução entre o limite das Terras Indígenas e a Unidade de Conservação na Ilha do Bananal.

Figura 09 – Evolução dos limites entre as Terras Indígenas e a Unidade de Conservação na Ilha do Bananal

Fonte: Mendonça, 2009.

Assim, no território do Parna do Araguaia, há três aldeias indígenas: Boto Velho, Txuodé e Waotyña. Em 03 de dezembro de 1999, foi publicado o despacho da presidência da Funai, nº 72, de 26 de novembro de 1999, aprovando e reconhecendo os estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Inãwé-

bohona, que compreende essas três aldeias e, em 2005, ela foi

homologada, mesmo em área do Parque. Abaixo, duas fotos que

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Figura 10 – Placa do território Indígena Iñawébohona

Fonte: Bispo, M. O. Data: 06 nov. 2009.

Figura 11 – Placa do território Indígena Iñawébohona

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Desta forma, a redefinição de limites entre o Parna do Araguaia e o Território Indígena provocou, e ainda provoca, uma relação conflituosa, sobretudo com indígenas que estão em área do Parque, ou seja, em área sobreposta, e entre suas respectivas entidades representativas, o ICMbio e a Funai.

Das doze aldeias dos indígenas Javaé, onze estão às mar- gens do Rio Javaé. São elas: Waritaxi, São João, Wari-Wari, Ca- nuanã, Cachoeirinha, Barreira Branca, Boa Esperança, Txiodé, Barra do Rio Verde, Txuiri e Boto Velho. Uma delas, a aldeia Imo- txi, está posicionada às margens do Riozinho, no interior da Ilha do Bananal. Como já mencionado, somente as aldeias Boto Ve- lho, Waotyna e Txiodé estão localizadas na Terra Indígena Inawé- bohonã, localizada no Parque Nacional do Araguaia (JUNIOR, 2009).

Destas aldeias, a mais antiga é a aldeia Canoanã. Com base em Salera Junior (2009, p. 01),

ela surgiu, na década de 1950, a partir de conflitos entre os índios e alguns proprietários rurais. Assim, integrantes do subgrupo Javaé agruparam-se à 2 Km, rio acima, da sede da fazenda da Fundação Bradesco, local onde se estabeleceu a aldeia Canoanã. Vale lembrar que nesse local anteriormente existiu a extinta aldeia Kanoanõ. Em 2005, a aldeia Canoanã, possuía 60 famílias com aproximadamente 308 habitantes, em sua maioria do subgrupo Javaé (cerca de 272 pessoas). Podendo ser en- contrado também 2 residências, contendo 16 pessoas, de indígenas Avá-Canoeiro, do Tron- co Lingüístico Tupi Guarani e 4 residências com aproximadamente 12 indígenas da etnia Tuxá, além de 8 indígenas do subgrupo Karajá em 2 residências. A aldeia Canoanã mantém aspectos da tradicional disposição das casas em fileiras paralelas ao Rio Javaés. Dessa al- deia, surgiram todas as demais aldeias Javaé da Ilha do Bananal.

59 Desde o início do século XX, os Javaé habitaram mais de cinquenta aldeias. Além das aldeias dentro da Ilha do Bananal, ha- via também outras nas margens do médio Rio Javaés e fora da Ilha do Bananal. Moraram também no interflúvio entre o Rio Javaés e o seu principal afluente, o Rio Formoso do Araguaia, na região do Rio Loroti e no próprio Rio Formoso do Araguaia.

Segundo Mendonça (2010), nas margens do baixo Ja- vaés, ao norte da atual aldeia Boto Velho, existiram muitas aldeias. E as aldeias Kòtu Iràna e Iròdu Iràna eram conhecidas como antigos e famosos pontos de encontros rituais e trocas entre os Ka- rajá, Javaé e Xambioá. E a aldeia Iròdu Iràna era conhecida como o local mítico onde o herói mítico Tanyxiwè roubou o fogo dos animais e, devido à sua localização espacial e à sua importância em termos de trocas, era considerada uma espécie de “meio” ou “centro” do território maior, ocupado pelas três etnias no vale do Araguaia. Em termos gerais, a região do baixo Javaés e a porção setentrional da Ilha eram habitadas, desde tempos antigos, por aldeias em que famílias Javaé e Karajá, viviam juntas.

Os Javaé sofreram um grande processo de deslocamento territorial; isso lhes fez “abandonar as aldeias do interior e de fora da Ilha do Bananal e se transferir maciçamente para as margens do Rio Javaés” (MENDONÇA, 2010).

Algumas das aldeias Javaé ainda não foram delimitadas, demarcadas e homologadas. Em um relatório para homologação das terras indígenas Javaé, Mendonça (2010) aponta que um le- vantamento sobre os moradores das aldeias Javaé atuais mostra que a maioria delas, embora não tão grandes como as aldeias do passado, é um retrato bastante fiel do modelo antigo, no sentido de ser constituída pela parentela bilateral do grupo de fundadores ou pelos descendentes desse grupo original, como as que foram re-fundadas mais recentemente, como São João, a nova Wariwa-

ri, Cachoeirinha, Imotxi, Txukòdè e Inyhija (Boa Esperança).

Conforme Mendonça (2010), mesmo em Barreira Branca e Boto Velho, há pequenas aldeias fundadas por volta da metade do século passado pelos remanescentes das aldeias interioranas di- zimadas, sendo este o padrão que se impôs com o tempo. Já Ca-

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época, desde o início foi um aglomerado de parentelas das antigas aldeias interioranas, o que contribuiu para a existência de um clima de conflitos e rivalidades políticas não tão comuns outrora. Txuiri tem uma história um tanto atípica, descrita por Bonilla (1997; 2000), por ter sido fundada onde havia um povoado de brancos, situado em um antigo sítio Javaé, e ter tido como mentor da sua reocupação e retirada dos não índios, um líder Karajá; alguns Ja- vaé tiveram participação fundamental e isso atraiu para a aldeia outros Javaé.