• Nenhum resultado encontrado

ALEGRETE: A CIDADE, AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E A

3 CARACTERIZAÇÃO DO OYÓ EM ALEGRETE

3.1 ALEGRETE: A CIDADE, AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E A

A cidade de Alegrete localiza-se na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul (microrregião da Campanha Ocidental, segundo o IBGE), estando mais próxima dos vizinhos platinos (Argentina e Uruguai) do que da própria capital do estado, Porto Alegre, da qual dista mais de 490 km. A cidade possui 77.653 habitantes e uma área de 7.803,954 Km², o que faz de Alegrete a maior cidade do estado em termos territoriais, embora com uma densidade demográfica baixa (9,95 habitantes por Km²)39 e uma zona urbana de tamanho reduzido. A atividade econômica de

maior destaque atualmente em Alegrete é a cultura do arroz (45.000 hectares), mas também se destacam a soja (16.000 hectares) e o milho (11.000 hectares). A pecuária também possui destaque econômico, tendo o maior rebanho bovino do estado (536.536 cabeças)40.

Entretanto, Alegrete se constitui historicamente como um lugar de culturas extensivas, grandes propriedades de terra, e no imaginário gauchesco seria uma das cidades gaúchas mais tradicionais, no sentido de cultuar o passado do gaúcho e manter uma relação com a terra e o mando coronelístico. Desde os anos sessenta do século passado, a fronteira oeste do Rio Grande Sul se curva à monocultura da soja, do trigo e do arroz, proporcionado pelas políticas de concessão de empréstimos e benefícios entre as grandes empresas multinacionais produtoras de adubo e pesticidas e o financiamento público das plantações.

Agora, falando mais em termos pessoais do que em termos fundamentados por fontes oficiais, a população da cidade de Alegrete se considera isolada dos grandes acontecimentos das outras regiões mais urbanizadas do estado (sejam políticos, econômicos ou culturais). É recorrente também a posição de que a cidade pouco cresceu nas últimas três décadas (opinião expressa principalmente por habitantes de mais idade). Já em termos culturais, a cidade possui uma cultura alternativa bastante interessante (teatro, artes plásticas, música, dança), mas que tem muita dificuldade de se inserir no gosto do grande público, o que em parte se deve ao

39 Cf. IBGE, censo 2010. Retificação em 12/09/2016.

conservadorismo da população e à presença hegemônica do tradicionalismo gaúcho, que há muito se apropria dos meios de comunicação e de fruição cultural, pois atende ao público de maior concentração de renda da cidade, a elite ruralista.

Voltando a atenção para as religiões afro-brasileiras, a cidade possui um cenário bastante diversificado. Segundo dados oficiais da Afrobrás41, existe um total

de 82 terreiros de religião afro-brasileira em Alegrete (listados aqui somente aqueles que possuem alvará da Afrobrás). Já segundo dados oficiais, no último senso do IBGE de 2010 em Alegrete, foram registradas 1.136 pessoas que se declararam adeptas de “Umbanda e Candomblé” ou “outras declarações de religiosidade afro- brasileira”. Estes, numa população de 77.653 habitantes, totalizam cerca de 1,46%. Esses dados, apontam uma importante perspectiva para a minha pesquisa, a nação Oyó como um culto minoritário dentro de uma religião minoritária. E também revelam o caráter subterrâneo da religião afro-brasileira na cidade.

Uso o termo “subterrâneo”, pois as pessoas de fora da religião com quem falo se assombram com os dados acerca da população afro-religiosa da cidade (alguns acreditam inclusive não existir tais religiões na cidade). A religião afro-brasileira em Alegrete existe e se manifesta longe dos olhos da maioria, filtrando os olhares dos não iniciados, o que compreendo como um reflexo de autopreservação, pois os batuqueiros e umbandistas mais antigos falam seguidamente dos períodos de proibição legal e perseguição pelo qual passaram.

Referente à nação Oyó, existem apenas dois terreiros dessa tradição estabelecidos em Alegrete, o terreiro de Pai Airton de Yemanjá e o de Carlos de Oxum (filho de santo de Airton de Yemanjá). Além destes, há um terceiro terreiro, o de Jarlei de Ogum (filha de santo de Carlos de Oxum), que está em fase de construção. Como se vê, há apenas uma família de santo do Culto Oyó em Alegrete, com duas casas de santo em pleno funcionamento. Aqui retomo o argumento de que o Oyó é um culto minoritário em uma religião minoritária e, embora se careça de dados estatísticos de outras cidades, é seguro afirmar que essa proporção numérica se repete no restante do estado, pois os depoimentos dos mais antigos levam a essa proposição, que é sustentada também por Corrêa (1992) e Braga (1998).

41 Federação da Religião Afro-brasileira. Órgão que regulamenta o funcionamento das casas de

Umbanda e Batuque. Localizada na Rua Uruguai 91, sala 324/25, bairro centro, Porto Alegre/RS, CEP 90010-14. Segundo consulta feita pelo telefone 0 (xx) 55 3225 2800 em outubro de 2014.

O que significa ser Oyó hoje em Alegrete? Como já falado, o culto do Oyó configura uma minoria na cidade, porém, essa condição lhe possibilitou um diferencial entre as outras nações. As outras nações do Batuque em Alegrete (Jeje- Ijexá e Cabinda) são compostas por diferentes famílias, garantindo uma heterogenia na apresentação dos ritos, que diferem entre si até mesmo dentro de uma mesma família. Com o Oyó, isso se dá de forma diferente, pois as duas casas pertencem à mesma família, possibilitando uma maior uniformidade nos ritos. Soma-se isso ao fato de que a nação Oyó é mais fechada, pois restringe a presença de pessoas de fora (mesmo os batuqueiros de outras nações) em muitos dos seus rituais. Isso acabou aparentando aos de fora que a nação Oyó é menos flexível às concessões e negociações dos fundamentos e que não modificou seu ritual com o tempo. Além disso, seus líderes foram tachados de soberbos ou arrogantes por, aparentemente, não aceitarem influências de outras nações.

Essa impressão distingue o Oyó dentre as nações do Batuque em Alegrete. As pessoas de fora só puderam ver essa nação de forma parcial (como quem espia pelo buraco de uma fechadura), só que essa visão parcial passou a representar toda a nação para os de fora. Vários Babalorixás, Yalorixás e Zeladores(as) de Umbanda da cidade que consultei no ano de 2010 (quando estava a sondar o Batuque na cidade) me disseram: “Os Oyó são muito rígidos, lá é tudo no fio da faca”; “Esse

pessoal do Oyó, eles são os Caxias do Batuque”. Ou ainda falando da complexidade

material do culto: “Eu acho o Oyó um culto caro, com a quantidade de bicho que eles

usam na quinzena dum filho, a gente apronta três”.

Esses depoimentos me levaram a formular uma imagem inicial do culto, a qual fui abandonando ao passo que ia conhecendo mais o grupo. Essa imagem de que o Oyó é um grupo fechado, sestroso frente às inovações e zeloso de sua tradição se confirma em parte, mas essa é apenas uma caricatura. As questões que orbitam em torno dos terreiros estudados não se resumem a esse embate entre os fundamentalistas versus os reformistas do Batuque. Em verdade, essa é uma nação que tem consciência da sua desvantagem numérica e, por isso, há o temor de ver seus fundamentos se diluindo dentro da hegemonia numérica das outras nações até um ponto em que o Oyó se tornaria irreconhecível dentre outras nações. Isso seria perder seus traços distintivos e prescrever a tradição que lhes fora passada pelos seus ancestrais. Por outro lado, essa preocupação com a identidade Oyó não exclui a capacidade de negociação e a habilidade de encontrar saídas criativas frente às

dificuldades. Os membros da nação Oyó são bastante conscientes de que para preservar as condições de realização dos rituais é preciso negociar e adaptar os fundamentos às condições modernas. Também há uma constante preocupação, porque alguns fatores externos ao culto vêm estreitando essas condições de realização, seja pelo preço crescente dos materiais usados no culto, seja pela pressão da sociedade por questões de responsabilidade ecológica, ou mesmo pelo espectro da proibição legal que ameaça as condições de existência dos terreiros (leis contra o sacrifício animal, por exemplo).