(1810 – 1877)
Foi o introdutor do romance históri- co em Portugal. Devido a sua educação literária. Para Herculano, a literatura de- veria ser popular e nacional (voltada para o povo), demonstrando a vida social. Escreveu Eurico, o presbítero – obra de cunho histórico, que vai se opor ao celibato clerical, enfatizando o amor ro- mântico entre os jovens Eurico e Her- mengarda – O monge de Cister, O Bobo e Lendas e Narrativas. Os temas trata- dos pelo artista são: a religião, a pátria e a natureza. Sua poesia é rica em símbo- los e em hipérbatos, não existindo o li- rismo amoroso em suas obras, apenas a afirmação da fé e uma condenação ao desprezo e ingratidão dos homens. Seus versos eram soltos e o poeta utiliza-se de várias estruturas estróficas. Já nos romances, em que introduziu a História
de Portugal, pretendia realizar uma his- tória política e social da Idade Média por- tuguesa, ressaltando o papel da bur- guesia.
Herculano nasceu de uma família da pequena burguesia, e por falta de recursos não pode seguir carreira uni- versitária. Aos 21 anos de idade em- pregou-se como bibliotecário da Biblio- teca Pública do Porto. Demitiu-se de seu cargo público como forma de pro- testo e lançou-se a oposição com o fo- lheto A Voz do Profeta, que o consa- grou como escritor. Dedicou-se ao jor- nalismo e dirigiu O Panorama. Em 1840, foi eleito deputado e defendeu um pro- jeto de reforma geral e popularização do ensino. Participou do golpe de Esta- do da Regeneração em 1850. em 1867, decidiu dedicar-se à lavoura, abran- dando suas atividades de escritor e ho- mem público.
Eurico, o Presbítero
O romance relata a invasão árabe na península Ibérica no século VIII e a história de um amor impossível entre Eurico e Hermengarda.
Eurico é um padre que se refugia na vida religiosa para tentar esquecer, seu grande amor, cuja mão lhe foi ne- gada pelo pai, o duque de Cantábria, devido às condições financeiras de Eurico.
No momento em que ocorre a in- vasão árabe, Eurico torna-se o temido “cavaleiro negro”, que aterroriza os árabes com sua ousadia e valentia. En- tretanto, os árabes acabam vencendo a guerra e, com isso, invadem cida-
des, casas, igrejas e conventos. Her- mengarda é raptada pelos árabes e Eurico enfrenta todos os perigos para salvá-la.
Em meio às lutas, Eurico e Hermen- garda se reencontram e ela, em sonho, revela seu amor a ele. Mas a união en- tre os dois se torna ainda mais impossí- vel, já que ele havia se tornado padre. Após ter participado de uma bem sucedida emboscada contra os árabes, Eurico permite que seus inimigos o ma- tem, pondo fim aos seus sentimentos amorosos e ao conflito religioso. Her- mengarda, ao saber de sua morte, en- louquece.
A religião é o agente complicador do conflito sentimental de Eurico. A épo- ca histórica é a do domínio árabe. O narrador é onisciente. O autor ocupa sempre o primeiro plano, mesmo no di- álogo, onde exprime as suas idéias, co- mentários misturados com uma certa ironia quase agressiva. A obra apresen- ta três partes distintas: a primeira apre- senta o caos da época; a segunda in- troduz e caracteriza as personagens na ação que, na terceira parte, surge cla- ra e em seu pleno desenvolvimento, até a conclusão. A linguagem ritmada, rica de lirismo e de comparações sugesti- vas, permitiria a classificação como poe- ma em prosa. Trata-se de um romance grandioso, com lances violentos e a uni- dade de ação e o desenrolar dos acon- tecimentos fazem de Eurico, o presbíte-
ro, um texto aparentado da tragédia.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. Roteiro das Grandes Literaturas. São Paulo: Cultrix, 1960.
Trecho da Obra: Prefácio
Eu, por minha parte, fraco argu- mentador, só tenho pensado à luz do sentimento e sob a influência da im- pressão singular que desde verdes anos fez a mim a idéia da irremediável solidão da alma a que a igreja conde- nou os seus ministros, espécie de am- putação espiritual, em que para o sa- cerdote morre a esperança de comple- tar a sua existência na terra. Supondo todos os contentamentos, todas as con- solações que as imagens celestiais e a crença viva podem gerar, e achareis que estas não suprem o triste vácuo da soledade do coração. Daí às pai- xões todo o ardor que puderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentimentos a máxima energia e convertei o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas o prelúdio do tédio.
HERCULANO, Alexandre. Eurico, o presbítero. São Paulo: Difel, 1963, p.39.
A Arrábida I
Salve, ó vale do sul, saudoso e belo! Salve, ó pátria da paz, deserto
[santo, Onde não ruge a grande voz das
[turbas! Solo sagrado a Deus, pudesse
[ao mundo O poeta fugir, cingir-se ao ermo, Qual ao freixo robusto a frágil hera,
E a romagem do túmulo cumprindo, Só conhecer, ao despertar na
[morte, Essa vida sem mal, sem dor,
[sem termo, Que íntima voz contínuo nos
[promete No trânsito chamado o viver do
[homem.
II
Suspira o vento no álamo frondoso; As aves soltam matutino canto; Late o lebréu na encosta, e o mar
[sussurra Dos alcantis na base carcomida: Eis o ruído de ermo! Ao longe o
[negro, Insondado oceano, e o céu cerúleo Se abraçam no horizonte. Imensa
[imagem Da eternidade e do infinito, salve!
III
Oh, como surge majestosa e bela, Com viço da criação, a natureza No solitário vale! E o leve insecto E a relva e os matos e a fragrância
[pura Das boninas da encosta estão
[contando Mil saudades de Deus, que os há
[lançado, Com mão profusa, no regaço
[ameno Da solidão, onde se esconde o
E lá campeiam no alto das [montanhas Os escalvados píncaros, severos, Quais guardadores de um lugar
[que é santo; Atalaias que ao longe o mundo
[observam, Cerrando até o mar o último abrigo Da crença viva, da oração
[piedosa, Que se ergue a Deus de lábios
[inocentes. Sobre esta cena o sol verte em
[torrentes Da manhã o fulgor; a brisa
[esvai-se Pelos rosmaninhais, e inclina os
[topos Do zimbro e alecrineiro, ao rés
[sentados Desses tronos de fragas
[sobrepostas, Que alpestres matas de medronhos [vestem; O rocio da noite à branca rosa No seio derramou frescor suave, E inda existência lhe dará um dia.
Formoso ermo do sul, outra vez, [salve!
IV
Negro, estéril rochedo, que [contrastas, Na mudez tua, o plácido sussurro Das árvores do vale, que vicejam
Ricas d’encantos, coa estação [propícia; Suavíssimo aroma, que, manando Das variegadas flores, derramadas Na sinuosa encosta da montanha, Do altar da solidão subindo aos
[ores, És digno incenso ao Criador
[erguido; Livres aves, filhas da espessura, Que só teceis da natureza as
[hinos, O que crê, o cantor, que foi
[lançado, Estranho no mundo, no bulício dele, Vem saudar-vos, sentir um gozo
[puro, Dus homens esquecer paixões e
[opróbio, E ver, sem ver-lhe a luz prestar a
[crimes, O Sol, e uma só vez puro
[saudar-lha.
Convosco eu sou maior; mais [longe a mente dos céus se
[imerge livre, E se desprende de mortais
[memórias Na solidão solene, onde,
[incessante, Em cada pedra, em cada flor se
[escuta Do Sempiterno a voz, e vê-se
[impressa A dextra sua em multiforme