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CAPÍTULO 2 | BASES TEÓRICAS PARA UMA ANÁLISE DA IMAGEM

2.3. Ler, interpretar e compreender a imagem

2.3.1. Alfabetização e letramento na linguagem escrita

No século passado e, principalmente, nas últimas décadas, as utilizações da língua escrita sofreram mudanças em várias esferas sociais, como no trabalho, na família ou nas relações comerciais. Segundo a pesquisadora Ângela Kleiman (2005), juntamente com essas mudanças houve, na esfera escolar, um questionamento sobre a concepção do que seria ser alfabetizado e também do que é necessário atualmente para usar a escrita em diferentes contextos e com diferentes objetivos ao longo da vida.

O desenvolvimento tecnológico, a Internet, a democratização da informação e do ensino trouxeram um aumento e uma mudança no uso dos sistemas de escrita nas sociedades. Segundo a autora, há cem anos, para que um aluno fosse considerado alfabetizado, bastava que ele tivesse o domínio do código alfabético e ortográfico da escrita. Hoje, no entanto, é preciso que esse mesmo aluno consiga se comunicar, por meio da escrita, em uma grande variedade de situações que incluem o campo de práticas do uso da escrita, mas que as ultrapassam. E a escola, muitas vezes, não considera a bagagem cultural que um aluno já possui antes mesmo de ser alfabetizado.

O professor e pesquisador Brian Street definiu as práticas de letramento

literacies , como práticas sociais e culturalmente definidas. Elas assumem, portanto,

significados e funcionamentos específicos dos contextos socioculturais onde ocorrem. O letramento aparece assim como uma noção estreitamente ligada às práticas sociais da escrita, ultrapassando, portanto, a simples decodificação da mesma, ou seja, a alfabetização.

Baseando-se em Street (1984) para desenvolver essa definição, Kleiman (2007) afirma que os estudos do letramento concebem a leitura e a escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem. Já a autora Magda Soares (2003) distingue da seguinte forma as noções de letramento e alfabetização:

Letramento é palavra e conceito recentes, introduzidos na linguagem da educação e das ciências linguísticas há pouco mais de duas décadas; seu surgimento pode ser interpretado como decorrência da necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico, nível de aprendizagem da língua escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de alfabetização.

(SOARES, 2003)17

A mesma autora comenta o surgimento desse termo em outros países:

Assim, é em meados dos anos de 1980 que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse dicionarizada desde o final do século XIX, foi também nos anos de 1980 que o fenômeno que ela nomeia [...] tornou-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem [...]

(SOARES, 2004 : 6)18

Esses estudos da década de 1980 influenciaram a reflexão sobre a linguagem escrita na escola e contribuíram para a inclusão de vários gêneros textuais na sala de aula

17 Artigo disponível on-line: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf/ Site consultado em

11.02.2013.

18 Artigo disponível on-line: http://pt.scribd.com/doc/18892732/Artigo-Alfabetizacao-e-Letramento-

e, consequentemente, no material didático. Campanhas publicitárias, artigos de jornal, reportagens passaram a constituir um material importante para o desenvolvimento do letramento. Sendo assim, o universo textual escolar foi ampliado e o trabalho realizado em sala de aula passou a dialogar cada vez mais com as práticas e as relações sociais reais do cotidiano.

Kleiman (2005) afirma que essa mudança se faz sentir de maneira clara nos materiais didáticos publicados nas últimas décadas. De fato, o texto comum da mídia de hoje - e que está também cada vez mais presente em sala de aula - é um texto multissemiótico, ou seja, um texto no qual, além da linguagem verbal, são usadas também imagens, fotos e gráficos na produção do sentido. Para isso, a autora compara uma abertura de unidade de um livro didático da década de 70, na qual a linguagem escrita reinava absoluta, com uma versão publicada recentemente, na qual o texto torna- se multimodal (Figura 21).

Figura 21 | Imagens citadas por Kleiman (2005: 49)

Por esse motivo, a autora insiste na importância de formar alunos letrados e não apenas alfabetizados, ou seja, alunos que participem das práticas sociais de uso da

linguagem em sua comunidade, mesmo que não tenham o domínio individual da escrita, ou seja, mesmo que ainda não tenham sido alfabetizados. Kleiman cita como exemplo uma criança não alfabetizada ou um adulto analfabeto que mora em uma cidade. Ambos podem e devem desenvolver um letramento que se tornará completo com a alfabetização. Esta, no entanto, por si só, não os torna letrados .

Soares (2004) insiste na importância da inter-relação entre as duas noções:

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização.

(SOARES, 2004: 6)

A indissociabilidade que Soares propõe para as duas noções no que se refere à linguagem escrita nos parece extremamente pertinente e importante no que diz respeito à formação de professores. A nosso ver, essa análise é coerente com a visão bakhtiniana que adotamos neste estudo, ou seja, a de que o valor de um enunciado não é determinado pela língua como sistema puramente formal, mas sim pelas diferentes interações que ela estabelece dentro de um contexto social.

Acreditamos que essa questão pode suscitar um paralelo interessante com o ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira que, por muitas vezes e dentro de diferentes metodologias, privilegiou o aspecto puramente formal da língua, trabalhando-a fora de um contexto sociocultural. No entanto, desde o advento das abordagens comunicativas que propuseram trabalhar a língua estrangeira a partir de documentos e discursos autênticos inseridos em um contexto sociocultural, o professor passou a se preocupar não somente com a alfabetização na língua-alvo -

e por esse termo entendemos exercícios puramente estruturais e descontextualizados, mas também - e talvez sobretudo - com o letramento discursivo e sociocultural em língua estrangeira. Essa abordagem nos parece extremamente rica e pertinente. Ela nos faz acreditar que a alfabetização e o letramento também deveriam estar unidos quando falamos em linguagem visual.