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2 A ESCRITA, PODER E SOCIEDADE

2.3 Escrita

2.3.3 Alfabetizar

Mesmo conhecendo críticas sobre o ensino normativo da língua portuguesa, optamos em nosso trabalho assumir a ideia de que as pressões sociais de poder ainda determinam a escolha de uma escrita de poder. Mesmo com todas as pesquisas, a relação de poder e escrita, vigora nas sociedades atuais e, enquanto professores de língua portuguesa,

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não podemos fugir disso. Não estamos com isso desprezando as contribuições críticas a respeito do ensino normativo, uma vez que concordamos com grande parte delas. Porém, focaremos nosso olhar para um ensino produtivo da variação padrão, no intuito de contribuirmos para a inserção do alunato nas camadas sociais mais prestigiadas.

“O analfabetismo não é uma praga, nem um vírus. É uma das manifestações mais evidentes da marginalização e da pobreza. ” (FERREIRO, 2013, p. 34) e “a escrita é um bem certamente desejável. ” (GNERRE, 2009, p. 45). Baseados nessas duas colocações nos

manteremos na linha da escrita e do poder. Todos, quando ingressam no ambiente escolar, têm o objetivo primário de aprender a ler e escrever. Quando os pais colocam seus filhos na escola, eles almejam o desenvolvimento linguístico de seus filhos e um adulto, quando volta ao ambiente escolar para retomar seus estudos, também ambiciona aprender português, pois sabem a importância social de se apropriar desse código. Não sabemos até que ponto isso é positivo ou negativo, mas sabemos que é necessário. Acredita-se que a escola é a grande detentora do conhecimento linguístico que os favorecerão a mudar de posição social no emprego, na vida. Porém, há de se revelar aos alunos toda essa complexidade de língua padrão e língua não padrão, a fim de eles se posicionarem socialmente tendo a capacidade de fazer a escolha ideal de uso.

Para alfabetizar na língua de berço, não basta estar de acordo sobre o alfabeto a ser utilizado. Isso é assim porque nenhuma escrita representa a língua, uma entidade abstrata, potente meio de identificação social. Para passar da fala à língua é preciso um esforço de objetivação que concede estabilidade ao discurso oral, efêmero por natureza. A escrita é, ao mesmo tempo, produto deste esforço de objetivação e a condição que permite a comparação, a discussão, ou seja, atividades propriamente metalinguísticas que, por sua vez, dão lugar a níveis crescentes de reflexão. (FERREIRO, 2013, p. 42)

A alfabetização é um fenômeno que envolve o sistema gráfico e o sistema ortográfico. Magda Soares debate o termo alfabetização sob dois pontos de vista: a) “processo

de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler)”; b) “processo de compreensão/expressão de significado” (SOARES, 2013, p. 16). Para a autora

os dois pontos de vista estão corretos, embora incompletos, uma vez que uma pessoa que não conhece o código de sua língua não é alfabetizada, assim como uma pessoa que conhece o mesmo código, mas não o utiliza adequadamente ao expressar-se por escrito, também não o é. Porém, sob um terceiro ponto de vista apoiado no aspecto social, a mesma autora coloca o conceito de alfabetização dependente de características culturais, econômicas e tecnológicas.

31 Em síntese: uma teoria coerente da alfabetização deverá basear-se em um conceito desse processo suficientemente abrangente para incluir a abordagem mecânica do ler/escrever, o enfoque da língua escrita como um meio de expressão/compreensão, com especificidade e autonomia em relação à língua oral, e, ainda, os determinantes sociais das funções e fins da aprendizagem da língua escrita. (SOARES, 2013, p. 18)

As crianças vão à escola para aprenderem ler e escrever a variação de prestígio e os professores de língua portuguesa estão diariamente tentando ensinar a língua culta aos alunos de todas as idades. Porém, os PCN orientam que

O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização clássica de conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura e escuta de textos. PCN, 1998, p. 29)

Essa língua, produto histórico de grupos sociais, usa um sistema e possibilidades relacionadas à estrutura da língua. Esse sistema é realizado pela norma que tem o sistema realizado numa comunidade.

O sistema e a norma de uma língua funcional refletem sua estrutura. A distinção entre norma e sistema esclarece melhor a compreensão do mecanismo da alteração linguística, pois o que é imposto ao falante não é o sistema, mas a norma, daí ser ela coercitiva. Por um lado, o falante tem consciência do sistema e o utiliza; por outro, pode conhecer ou não a norma, obedecer-lhe ou não, ainda que se mantenha dentro das possibilidades do sistema. (PASSARELLI, 2012, p. 123)

As pesquisas mostram um número alarmante que configura o fracasso dessa relação do aluno com a norma culta. O que acontece, então? Mais à frente, nossa pesquisa abordará inadequações de escrita cometidas por alunos de 8º ano do Ensino Fundamental de escola pública de Fortaleza, tomando como princípio a importância de apresentarmos aos alunos a variação de prestígio. As inadequações ocorridas, em muitas palavras, são de natureza primária. O que então justifica o aluno estar cursando séries finais do Ensino Fundamental e ainda cometerem inadequações ortográficas primárias em relação à língua culta que lhe é apresentada desde o início de sua vida escolar? Sobre isso Magda Soares afirma a:

Língua oral culta que a escola valoriza, e a língua escrita constituem dialetos muito diferentes das práticas linguísticas das crianças das classes populares; por isso, essas práticas são rejeitadas pela escola e, mais que isso, atribuídas a um “déficit linguístico”, que seria acrescentado a um “déficit cultural”, conceitos insustentáveis, quer do ponto de vista científico (segundo as ciências linguísticas e as ciências antropológicas, línguas e culturas são diferentes umas das outras, não melhores ou piores), quer do ponto de vista ideológico

32 (...) esse contexto escolar, com seus preconceitos linguísticos e culturais, afeta o processo de alfabetização das crianças, levando ao fracasso as crianças das classes populares. (SOARES, 2013, p. 22)

Este fracasso gerou programas de alfabetização e de educação no Brasil que visam sanar os problemas de leitura e escrita, que, por sua vez, motivou as inúmeras pesquisas que se tem hoje sobre escrita. Devemos ter em mente que esses programas de alfabetização e de educação foram criados para atender pressões econômicas e políticas, mas salientamos que é de extrema importância pensar a relação dos alunos com a norma padrão da língua portuguesa visando à democracia.

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