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A partir das questões do referente e da linguagem como aparelho – precisamente aparelho de gozo – com Fabiano podemos pensar algo em torno da linguagem na psicose e ainda pensar em termos de função proposicional – tema do próximo capítulo – como se pode ordenar/aparelhar gozo.

realiza atrelada à noção de linguagem. Portanto, encontramos: o aparelho psíquico e o aparelho fonador de Freud. O aparelho do significante e o aparelho de gozo de Lacan e o aparelho de influenciar de Tausk. Se, para Lacan, no início de seu ensino, o aparelho era um ordenador simbólico do sujeito – e se valia da referência fálica – no final estará falando de um aparelho de gozo que se articula à vertente de real da linguagem. 47 Na verdade, vendo de perto, já é possível visualizar esta questão nos primórdios da psicanálise, mesmo que não elaborada. O aparelho de influenciar, principalmente, já era um aparelho que possibilitaria, na medida em que projetava o corpo do sujeito, uma ordenação da libido. Aqui, associando ao corpo próprio e à libido, encontramos o delírio – há uma co-existência dos três registros, respectivamente, o imaginário, o real e o simbólico.

Tendo visto que o aparelho tem serventia nas duas estruturas clínicas que aqui apresentamos – neurose e psicose – vale ressaltar que sua “armação” será diferente. Tal diferença se enuncia na “substância” mesma que constitui o aparelho/a linguagem: esta “substância” é o significante.

Na neurose encontramos o significante como tendo “função ativa na determinação dos efeitos em que o significável aparece como sofrendo sua marca tornando-se, através desta paixão, significado” (LACAN, 1958 [1998], p. 695). Neste contexto, encontramos o Outro como lugar do código a garantir o sentido bem como a referência fálica a ordenar o significado em relação ao falo. Tal estrutura fica clara quando examinamos a tirada espirituosa. Mais tarde, com a formulação dos quatro discursos, Lacan acrescenta à linguagem o objeto a e nos dimensiona a possibilidade do laço social baseado na existência dos discursos enquanto referente.

Para a psicose, e aqui nos debruçaremos na esquizofrenia, o simbólico é real e o significante tem outro estatuto. Aqui não há uma operação metafórica inicial que possibilite barrar a coisa e fazer com que o significante apenas a represente. Aqui a palavra é a coisa e o significante não representa, mas designa. Se assim o é, poderemos falar do significante com estatuto de signo para a psicose se entendermos o conceito de signo, com Lacan, com um índice da coisa em si – tomado de Peirce. Cada signo um S1, tomado do enxame significante do infans que não se refere a nada, a não ser a ele mesmo.

Desta forma, encontramos uma outra maneira de ordenar a linguagem: uma

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Vale lembrar que o aparelho de gozo não exclui a armação simbólica do sujeito – tal como trabalhamos com a neurose na clínica – e é inegável a devastação provocada no sujeito psicótico na ausência de referência fálica. O falo permanece, no Seminário XX, como o significante do gozo fálico. O que é necessário ressaltar com Lacan é que há uma outra vertente – na verdade mais duas: real e imaginário – que também são constitutivas, desta vez do parletre.

linguagem-signo? Talvez possamos ainda pensar em uma linguagem construída – pelos signos – para dar conta de lalangue, não organizada pelo referente como algo exterior à linguagem – um significante tomado do Outro – mas, substantificada pela coisa que é, diretamente, o referente da palavra.

Retomando o capitulo na companhia de Fabiano, podemos enunciar que o que o caso vem de início atestar é o caráter artificial da linguagem que, a partir do impacto traumatizante da língua, vem organizar o campo discursivo do sujeito, sua forma de se relacionar com o objeto, em qualquer estrutura. Com os últimos anos do ensino de Lacan – atestados por Miller (2004) – podemos tentar circunscrever uma definição de linguagem e língua. Segundo Miller (2004), por trás da linguagem e sua organização, encontramos a língua, ou seja, “há uma outra coisa que não funciona como a linguagem”, pois esta última, como advertia Lacan no Seminário XX (1970) é uma elucubração de saber sobre a língua.

Neste ponto encontramos o que é traumático: a língua materna.48 Para melhor esclarecer, podemos dizer que o sujeito é, na verdade, assujeitado aos significantes do Outro e deve, a partir disto, eleger um significante que lhe sirva como organizador (VIEIRA, s/d). A linguagem, a partir de um significante que operará como referente, fará do enxame de significantes que chegam ao infans sem nenhuma ordem, uma cadeia hierarquizada, organizada, apaziguando o sujeito do gozo invasivo da língua. Na psicose, entretanto, este significante estará forcluído e o sujeito deverá encontrar outra forma de se haver com a fúria da língua.

Acompanhando Lacan, Mandil afirma que as psicoses atestam o caráter traumático da língua. Em seu estudo sobre Joyce, nos aponta que a obra deste autor tem como proposta regenerar o impacto traumático da língua sobre o ser falante. Assim, o que se pode perceber é que a linguagem não passa de um modo de defesa, trata-se de dar um ordenamento ao que insiste como real pela língua (MANDIL, 2003, p. 18).

Já, Lacan (1977) pontua que a linguagem se forma na falha, e se ordena em relação a um objeto com o qual não temos relação. Ou seja, a linguagem – enquanto construção simbólica, enquanto elaboração de saber sobre lalangue – tentaria suprir a não relação. Como recurso Simbólico, a linguagem é uma proposta de defesa contra o Real. Assim, é a linguagem, em sua vertente real, que permite abordar o traumático da língua

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Miller ressalta a demonstração que Lacan faz no Seminário XXIII, Joyce o Sinthoma, sobre o desmantelamento feito pelo escritor da própria língua materna, no caso, o inglês. Lacan (1975), neste seminário, se refere à Joyce e a seu próprio embaraço com o texto joyceano – embaraço que ele atribui ao uso particular que o autor faz do inglês, nestes termos; “Mas justamente ele (Joyce) escreve o inglês com esses refinamentos

Percebido da própria prática analítica, ou seja, da prática de se elaborar saber sobre um enigma presentificado pelo inconsciente, podemos dizer que para o ser falante o saber é o que se articula. A linguagem, salienta Lacan, não pode ser tomada por sua função de comunicação, mas sim por articular o que é de alíngua, alingua dita materna. Nestes termos, se já foi dito que o inconsciente é estruturado como uma linguagem é porque, a princípio, a linguagem não existe. “A linguagem é o que se tenta saber concernentemente à função da

alíngua” (LACAN, 1972-73, p.189). A linguagem é definida, então, como uma elucubração

de saber sobre alíngua, na medida em que a ordena. Tal ordenamento vem se fazer no aparelho que é, sempre, um aparelho de gozo.

Resta-nos, para o próximo capítulo, tentar vislumbrar como o aparelho chamado linguagem poderá aparatar o gozo na psicose. Assim, retomaremos o caso Fabiano com certo suporte sim, mas com muitas questões a serem ainda abordadas. Considerando a linguagem na psicose sustentada pelo signo – e não pelo significante – tentaremos articular esta forma particular de linguagem, a fim de pensar se tal configuração suporta uma linguagem como aparelho de gozo. O caso nos traça uma via facilitadora, à medida que Fabiano já coloca, em termos de lógica, suas relações com a linguagem. Dessa forma, ele avança em uma linguagem a mais formalizada possível, a mais sem furos possíveis, as quais, principalmente, ele pode manejar matematicamente os signos, ao invés de ser operado por ela.

3 A FUNÇÃO PROPOSICIONAL DE FREGUE: APARELHO DE GOZO?

“Se sugerimos precisamente que é preciso efetuar um retorno à lógica, é para reencontrar sua base, sólida como a rocha, e não menos

implacável quando entra em movimento” (Jacques Lacan, 1946;105)

Frege, como adiantamos, é considerado por muitos historiadores como o verdadeiro fundador da lógica moderna, ou ainda, “o maior lógico contemporâneo” (PINTO, 1998, p. 88), visto que seus trabalhos tiveram enorme repercussão em todos os autores importantes que trabalharam também com a filosofia da linguagem em nosso tempo. Seu projeto consistia, primeiramente, em definir toda expressão aritmética em termos lógicos e, a partir disto, poder mostrar que toda proposição lógica poderia ser deduzida de leis lógicas imediatamente evidentes (SANTOS, 1980). Para tanto, Frege definiu o que chamou ‘Conceitografia’, ao tentar, então, preconizar seu projeto: escrever uma linguagem formal do pensamento puro imitada, portanto, da linguagem formal da Aritmética.