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1 O MST E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONJUNTURA DO GOVERNO LULA

2 A LUTA PELA TERRA E O MST NA PERSPECTIVA DA CLASSE PARA S

2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA “CLASSE PARA SI”

Em O Dezoito Brumário Marx (1997) já explicava os aspectos das duas dimensões constitutivas de uma classe social: a “classe em si” e a “classe para si”. No que se refere a “classe em si”, Marx mencionava que, na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas que as separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida não constituem uma classe. São consequentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome. Quando a classe se torna consciente dos seus interesses em nome da classe trabalhadora e do antagonismo com o capital, organizados pela luta de classes, torna-se “classe para si”.

Portanto, em sua luta revolucionária, não basta o proletariado assumir-se enquanto classe (consciência em si), mas é necessário se assumir para além de si mesmo (consciência para si). Conceber-se não apenas como um grupo particular com interesses próprios dentro da ordem capitalista, mas também se colocar diante da tarefa histórica da superação dessa ordem (IASI, 2007, p. 32).

Em a Miséria da Filosofia, Marx (2008, p. 190) também tematiza acerca da “classe para si”, quando faz referência aos trabalhadores da grande indústria, que têm seus interesses divididos pela concorrência, mas a manutenção do salário, interesse comum, é que os reúne num pensamento de resistência – coalizão. Porém, a resistência não tem por objetivo apenas a manutenção do salário, visto que à medida que os capitalistas se reúnem em um mesmo pensamento de repressão, as coalizões, inicialmente isoladas, agrupam-se, e a manutenção da associação torna-se mais importante que a manutenção do próprio salário. Nessa luta – “verdadeira guerra civil” -, reúnem-se e se desenvolvem todos os elementos necessários a uma “batalha futura”. Portanto, a associação adquire um “caráter político”.

Para Marx as condições econômicas, primeiramente, transformaram a massa do país em trabalhadores, com uma situação comum, interesses comuns, justificados pela dominação do capital. Essa massa, em face do capital, já é uma classe, mas ainda não o é “para si mesma”. Na luta, essa massa se reúne e se constitui em “classe para si mesma” e “os interesses que defende se tornam interesses de classe”. Sobretudo, a luta entre classes é uma luta política (MARX, 2008, p.190).

Nesse sentido, Marx (2008, p. 191) sustenta que no seio da luta política, “uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes”. E é a libertação da classe oprimida (trabalhadora) que vai implicar na criação de uma “nova sociedade”, desde que os poderes produtivos já adquiridos e as relações sociais existentes não possam mais coexistir, sendo que o maior poder produtivo é a própria “classe revolucionária”. A organização dos elementos revolucionários como classe supõe a existência de todas as forças produtivas que poderiam se engendrar no seio da “sociedade antiga”.

“Isso significa que, após a ruína da velha sociedade, haverá uma nova dominação de classe, ou resumindo, novo poder político? Não”. (MARX, 2008, p. 191). A condição da “libertação” da classe trabalhadora é a “abolição de toda classe”. Entretanto, a classe laboriosa substituirá, no decorrer de seu desenvolvimento, a “antiga sociedade civil” por uma “associação” que excluirá as classes e seu antagonismo, e não haverá mais poder político propriamente dito, já que o poder político é o resumo do antagonismo na sociedade civil (Ibid p. 191-192).

Somente numa ordem de coisas em que não existam mais classes e antagonismos entre classes às evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas. Até lá, às vésperas de cada reorganização geral da sociedade, a última palavra da ciência social será sempre: “O combate ou a morte: a luta sanguinária ou nada. É assim que a questão está irresistivelmente posta” (MARX, 2008, p. 192).

É nesta direção que entendemos o MST, isto é, enquanto “classe para si”, na medida em que também tratamos a luta pela terra como questão política articulada à luta pelo socialismo e não como luta meramente econômica.

Ao se expandir para quase todos os estados brasileiros, mobilizando e organizando categorias da população rural e urbana (pequenos agricultores, arrendatários, parceiros, meeiros, posseiros expulsos de suas terras, agricultores atingidos por barragens, assalariados rurais temporários ou não, e, mais tarde, trabalhadores expulsos do campo, trabalhadores das periferias e favelas das cidades), aquelas que não possuem os meios de produção e quer estejam ou não inseridas ao mundo do trabalho e marginalizadas pela modernização capitalista, percebemos o MST como expressão política da classe trabalhadora, ao defrontar-se com o próprio Estado burguês. Em nome da defesa das demandas e interesses dos trabalhadores e pela consolidação de um projeto coletivo de classe, capaz de propiciar a ultrapassagem das “lutas econômico-corporativas” para as “lutas mais duradouras e universais”, voltadas à construção de uma nova hegemonia (SIMIONATTO, 1998, p. 43).

Nesse sentido, o referencial gramsciano permite estudar o MST na perspectiva da “classe para si”, que em Gramsci é evidenciada no processo de correlação de forças, da passagem do momento econômico- corporativo ao ético-político, da estrutura à superestrutura.

Gramsci (2007, p. 40-46) distingue três momentos ou graus de relação de forças nas análises histórico-políticas, que no fundamental são os seguintes: o primeiro é a relação de forças sociais ligada à estrutura objetiva, independentemente da vontade dos homens; o segundo é a relação das forças políticas, ou seja, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização dos grupos sociais; o terceiro é o da relação das forças militares, também nele podem-se distinguir dois graus: o militar, num sentido estrito ou técnico- militar e o político-militar.

Para Gramsci (2007, p. 41-43), o processo de formação de consciência se desenvolve no segundo momento, visto que “o desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momento, com a mediação do segundo”. Esse segundo momento pode ser analisado e diferenciado em vários graus que correspondem aos diversos momentos da consciência política coletiva, tal como se manifestaram na história até agora. O primeiro grau, que é o mais elementar, é denominado de “econômico-corporativo”, havendo uma “unidade homogênea” de determinado grupo profissional e o dever de organizá-la, mas não ainda uma unidade do grupo social mais amplo. O segundo grau é aquele em que se atinge a consciência da solidariedade de interesses entre os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. Neste momento já se coloca a questão do Estado, mas apenas no terreno de uma “igualdade político-jurídica” com os grupos dominantes, onde se reivindica o direito de participar da legislação e da administração no sentido de modificá-las, reformá-las, mas nos quadros fundamentais existentes.

O terceiro grau corresponde ao momento mais estritamente político, “que assinala a passagem nítida da estrutura para a esfera das superestruturas complexas”. Neste momento, adquire-se a consciência de que os próprios interesses corporativos, em seu desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo do grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados. Essa passagem da estrutura para a superestrutura, que se efetiva no terceiro momento da consciência política coletiva, essa tarefa “ontológico-dialética” de construir um novo “bloco histórico”, se expressa em Gramsci através do conceito “amplo” de política, denominado por ele de “catarse” (SIMIONATTO, 1998, p. 43).

Pode-se empregar a expressão “catarse” para indicar a passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) ao momento ético-político, isto é, a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens. Isso significa, também, a passagem do “objetivo ao subjetivo” e da “necessidade à liberdade”. A estrutura, de força exterior que esmaga o homem, assimilando-o e o tornando passivo, transforma-se em meio de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético- política, em origem de novas iniciativas (GRAMSCI, 2006, p. 314).

Em Gramsci a “catarse” significa o momento em que o proletariado deixa de ser “classe em si” e torna-se “classe para si”. Isto é, o momento da passagem de “classe em si” a “classe para si”, em que as classes conseguem elaborar um projeto para toda a sociedade através de uma ação coletiva, cujo objetivo é criar um novo “bloco histórico”, ou a conquista da hegemonia pelas classes subalternas. “A ideia de catarse nada mais é do que a síntese do projeto gramsciano” (SIMIONATTO, 1998, p. 44).

Isso supõe “sair da passividade e deixar de aceitar a subordinação que a ordem capitalista impõe a amplos estratos da população, é preciso deixar de ser “massa de manobra” dos interesses das classes dominantes” e romper com o “plano corporativo”, elevando-se para um “plano universal” guiado pela vontade coletiva e política (GRAMSCI, 2007, p. 41; SIMIONATTO, 1998, p. 44).

2.2 RETOMADA HISTÓRICA DA LUTA PELA TERRA NO BRASIL