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1 O MST E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONJUNTURA DO GOVERNO LULA

2 A LUTA PELA TERRA E O MST NA PERSPECTIVA DA CLASSE PARA S

2.2 RETOMADA HISTÓRICA DA LUTA PELA TERRA NO BRASIL Entendemos as protoformas da luta pela terra no Brasil

2.2.3 O MST na defensiva

No segundo mandato, o governo FHC mudou de estratégia e desenvolveu uma política agrária mais repressiva, criminalizando a luta pela terra e desmoralizando os movimentos sociais, especialmente o MST, na tentativa de “descaracterizá-lo como movimento social, para enquadrá-lo como um movimento criminoso, que realiza um conjunto de ações fora da lei” (COMPARATO, 2001, p. 107).

Ao mesmo tempo desenvolveu uma política de “mercantilização da terra”, fortalecendo a concepção de uma reforma agrária voltada a medidas paliativas, que evoluía para uma “proposta de mercado”. Era essa a estratégia de FHC, reproduzir as experiências de reforma agrária conduzidas pelo mercado, como na África do Sul, Indonésia e Filipinas, para que, progressivamente, pudesse atender aos interesses político- econômicos das classes dominantes (LEITE; ÁVILA, 2007), e desmobilizar os movimentos de luta pela terra, principalmente, o MST que se colocava como forte resistência política ao governo.

Diante do quadro da reforma do Estado Brasileiro, ao longo dos anos 1990, vivenciamos, principalmente, a partir da instituição do Plano Real, em 1994, uma abrangente contrarreforma do Estado no país, cujo sentido foi definido por fatores estruturais e conjunturais externos e

internos, e pela disposição política da coalizão de centro-direita protagonizada por FHC (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).

Nesse período, as reformas realizadas no Brasil “são fartas de exemplos cujo produto final resultou na descentralização e flexibilização de diversos serviços públicos” (SIMIONATTO, 2003, p. 283). No campo brasileiro, não foi diferente, a proposta do Banco Mundial para o “alívio da pobreza” veio com a política de reforma agrária com base no mercado, instaurando uma política de crédito fundiário como parte do processo de desenvolvimento do capitalismo moderno na agricultura. Sendo assim, “o crédito fundiário como uma política de contrarreforma agrária aparece como condição e consequência da forma pela qual o Estado recria o mercado de terras a favor do desenvolvimento capitalista” (OLIVEIRA, 2009, p. 58).

Assim, a política governamental de FHC regeu-se, sobretudo, pelos parâmetros de uma proposta de reforma do Estado, cujas diretrizes eram a descentralização de ações, o enxugamento da máquina administrativa e a privatização. Fez-se, contudo, através da criação de uma série de aparatos institucionais disponibilizados por medidas provisórias, decretos ou leis complementares.

No seu conjunto, tais dispositivos, de um lado, agilizaram as ações fundiárias governamentais; de outro, buscaram eliminar dos movimentos de luta por terra suas iniciativas. Paralelamente, alegava-se que as dimensões nacionais das metas de obtenção de terra excediam, cada vez mais, a capacidade operacional das superintendências regionais do INCRA e que a complexidade do processo era incompatível com a concentração das decisões, uma vez que os assentamentos se organizavam em âmbito local e regional.

Essas medidas governamentais foram aglutinadas numa política de desenvolvimento rural com base na expansão da agricultura familiar e sua inserção no mercado. Entretanto, em 1999, o governo criou o programa mais conhecido como “Novo Mundo Rural”, cujo lema era: “levar qualidade aos assentamentos” (LEITE; ÁVILA, 2007, p. 89). A meta central era tratar os assentados como agricultores familiares e descentralizar o planejamento das ações junto aos Conselhos Estaduais e Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável.

Esse programa também propõe um novo tipo de desenvolvimento rural em flagrante contraste com o padrão de agricultura incentivado até então pelo próprio governo, a produção monocultora em larga escala para exportação, o chamado “agribusiness”, ou agronegócio (ALENTEJANO, 2004, p. 7).

O Banco da Terra 29 também foi um dos programas de reforma agrária de mercado que serviu como instrumento fundamental para obtenção de terras e propor a descentralização das ações fundiárias, transferindo a maior parte da responsabilidade para o âmbito municipal, o governo não só buscou desarticular o MST e os demais movimentos do campo, apostando na incapacidade destes de se contrapor ao poder local, como apostou na desmobilização dos sem-terra, pois oferecia, teoricamente, a possibilidade de obtenção de terra sem necessidade de mobilização e pressão política (ALENTEJANO, 2004, p. 10).

Para Bogo (1999, p. 28-31) o Banco da Terra significou “a deturpação da verdadeira reforma agrária”, uma vez que o governo “abre mão de seu poder de fazer a reforma agrária em terras que deveriam cumprir função social, e entrega ao mercado, através da compra e venda”. Muitos latifundiários que não concordavam com o artigo 184 da Constituição Federal que obrigava o governo a pagar a desapropriação da terra, através de Títulos da Dívida Agrária com prazo de 20 anos, passaram a apoiar o Banco da Terra, pois este permitia que os próprios latifundiários fundassem associações com os trabalhadores sem-terra, e vendessem a estes, à vista suas propriedades, recebendo um valor acima do preço de mercado.

O Banco da Terra tem o objetivo estratégico de desqualificar os movimentos sociais organizados – especialmente deslegitimar o MST – atuando diretamente no âmbito econômico dos trabalhadores desorganizados. Assim, provocaria mudanças na correlação das forças políticas e ideológicas envolvidas na luta pela terra, beneficiando os interesses dos latifundiários e subordinando os trabalhadores rurais (CARVALHO Fº, 2001 apud ALENTEJANO, 2004, p. 11).

É exatamente nesse contexto que o governo extingue o PROCERA, criado pelo governo Sarney, substituindo-o pela linha “A” do Pronaf, inserindo juros mais altos e um limite menor de créditos às famílias assentadas. Com isso, boa parte dos recursos orçamentários dos programas de assentamentos rurais foram destinados a reforma agrária

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O Fundo de Terras e da Reforma Agrária (Banco da Terra) foi implantado pela Lei Complementar nº 93, de 1998, e pelo Decreto nº 3.475, de 2000. Foi extinto em fevereiro de 2003.

de mercado, através do crédito fundiário correspondente ao Programa Cédula da Terra, Banco da Terra e o Programa de Combate à Pobreza Rural, que concentraram no ano 2000, 25% do valor executado, em 2001, 35,5% e em 2002, 32,3% (MDA, 1995-2002).

Em 2001, o governo criou duas Medidas Provisórias: uma proibia o assentamento das famílias que participassem de ocupações de terras, e a outra impedia a vistoria das terras ocupadas por dois anos, quando ocupadas uma vez, e por quatro anos, quando ocupadas mais de uma vez. Também foi criado um programa para cadastrar as famílias interessadas em obter terras por meio do correio nacional e da internet, a chamada “reforma agrária pelo correio”, que prometia fornecer o título de posse, em quatro meses, aos trabalhadores sem-terra inscritos. Em menos de dois anos se cadastraram 840 famílias, mas esse programa não assentou nenhuma delas (FERNANDES, 2010, p. 171).

No final do primeiro mandato de FHC é criado o “Projeto Lumiar”, que apresentava como objetivo central a assistência técnica e a capacitação de assentados, prevendo-se a constituição de equipes técnicas que atuariam diretamente nos assentamentos. Ainda no início dos anos 2000 uma série de denúncias foi anunciada pela grande mídia, envolvendo o desvio de recursos financeiros públicos destinados às cooperativas e aos assentados, em favor do MST. Logo, o governo descredenciou várias cooperativas ligadas ao MST, demitiu técnicos do Projeto Lumiar e abriu sindicância no INCRA. Em contraponto, o MST se mobilizou realizando várias ocupações nas Delegacias Regionais do INCRA e do Ministério da Fazenda, em vários estados, com o objetivo de chamar a atenção da opinião pública para o descaso do governo para com os assentamentos.

Para conter a mobilização, o governo adotou medidas repressivas contra o movimento e criou o Departamento de Conflitos Agrários na Polícia Federal e passou a espionar, por meio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), os movimentos populares que, segundo relatórios apreendidos pelo Ministério Público Federal do Pará e divulgados pela grande imprensa, eram caracterizados como “forças adversas”, que deveriam ser “vigiadas, combatidas e eliminadas” (CPT/MST, 2001). Algum tempo depois, o Projeto Lumiar foi extinto.

Diante dessa conjuntura tão repressiva, a partir de 2001, o MST passou a assumir, estrategicamente, uma postura de defensiva frente ao governo federal, se retrai, mas sem perder o acúmulo de forças. Assim, optou por dedicar-se à luta pela defesa da pequena produção agrícola e dos assentamentos rurais, ao mesmo tempo em que combatia às multinacionais de biotecnologia e se colocava contra os transgênicos.

Tratava-se de uma mudança na situação e na estratégia do movimento (STÉDILE; FERNANDES, 1999), na tentativa de manter suas conquistas decorrentes das lutas anteriores, continuamente ameaçadas pela hegemonia neoliberal.

Em parte, o embate com o governo não se caracterizava mais diretamente pelas ocupações de terras e de órgãos públicos explicitamente, em defesa da reforma agrária, o MST, sobretudo, buscou afirmar parcerias com outros movimentos de luta pela terra ampliando suas dimensões de luta nos campos político e social, na medida em que também se distanciou apenas daquele viés reivindicativo.

Entretanto, em janeiro de 2001, durante o I Fórum Social Mundial, na cidade de Porto Alegre (RS), o MST, ao lado da Via Campesina, participou da destruição de uma plantação de milho geneticamente modificado de uma fazenda da multinacional Monsanto, em protesto aos transgênicos que desfavorecem à pequena produção agrícola. Além disso, a multinacional havia realizado acordos com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), através dos quais esta, repassaria a multinacional as variedades de soja desenvolvidas nos últimos anos, adaptadas às condições brasileiras, para serem transformadas em sementes transgênicas, resistentes ao herbicida Roundup, também da Monsanto. Em outubro do mesmo ano, cerca de 1200 trabalhadores sem-terra ligados ao MST, ocuparam a sede da EMBRAPA para protestar contra a efetivação desses contratos (MST, 2001).

Outra mobilização que merece registro foi a manifestação de mais de 7 mil trabalhadores rurais ligados ao MST e ao MPA, em novembro de 2001, em frente às agências bancárias de dez estados brasileiros. Esses trabalhadores reivindicavam pela renegociação das dívidas provenientes de créditos agrícolas. Logo, em seguida, o governo anunciou, oficialmente, a recontratação das dívidas dos pequenos agricultores e assentados do MST, estimada em R$ 4 bilhões, o que foi muito positivo para os trabalhadores (MST, 2001).

Embora FHC tenha afirmado que realizou “a maior reforma agrária da história do Brasil”, essa realidade gerou ao menos dois resultados: 1) o crescimento do número de famílias acampadas e assentadas, sendo que em 2004 esse número chegou a 180 mil; e 2) a precarização dos assentamentos. Visto que, nesse governo os projetos de assentamentos implantados ficaram incompletos, além de não terem infraestrutura básica, a maior parte desses assentamentos não recebeu crédito agrícola e de investimento, o que provocou a descapitalização de centenas de milhares de famílias (FERNANDES, 2010).

Tudo isso nos sugere que o governo Fernando Henrique “nunca teve um projeto de reforma agrária”. No decorrer dos dois mandatos, a maior parte dos assentamentos implantados foi resultado de ocupações de terra. Todavia, em seu segundo mandato, promoveu a “judicialização da luta pela terra”, criminalizando as ocupações e os movimentos camponeses, com forte presença do Poder Judiciário, decretando prisões de lideranças sem-terra, até mesmo de forma preventiva, como ocorreu na região do Pontal do Paranapanema (FERNANDES, 2010, p. 173).

Nessa conjuntura de refluxo, diminuíram as ocupações de terra e, em consequência, também reduziu-se o número de assentamentos implantados. Para garantir as metas promovidas pelo governo, o Ministério da Reforma Agrária “clonou” assentamentos criados anteriormente ou por governos estaduais e registrou-os como assentamentos implantados no segundo mandato FHC. Essas ações provocaram confusões nas estatísticas oficiais, de modo que em 2003, nem mesmo o INCRA conseguia afirmar com veracidade a quantidade de assentamentos que haviam sido implantados no período (FERNANDES, 2010).

2.3 A LUTA PELA TERRA ARTICULADA À CONSTRUÇÃO DE