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3 A LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E POR MUDANÇAS SOCIAIS NO PAÍS

3.3 UM COMPARATIVO ENTRE OS GOVERNOS FHC E LULA: OCUPAÇÕES E ASSENTAMENTOS

“A ocupação da terra é sempre um devir incerto” (FERNANDES, 2010, p. 180), tendo em vista os variados contextos e as distintas transformações de cada conjuntura. Na execução dessas ocupações, os trabalhadores sem-terra podem realizar diferentes formas de estabelecimento na terra. Em algumas experiências ocupam uma faixa de terra e prosseguem com as negociações, reivindicando a desapropriação da área. Em outras, ocupam a terra dividem-na em lotes e começam a trabalhar; ou ainda demarcam uma única área e plantam coletivamente. É uma das formas de luta mais frequentes que os sem- terra utilizam no enfrentamento ao governo e aos latifundiários, ao mesmo tempo em que se configura enquanto “porta de entrada” nos processos de luta para a conquista da terra, ou seja, do assentamento de fato.

As ocupações atuais realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e por outros movimentos populares são ações de resistência em contraposição às grandes concentrações fundiárias e contra a exploração exacerbada. São formas atuais de retomar a luta histórica pela conquista da terra, do trabalho e de condições mais dignas de sobrevivência (SANTOS, 2009).

A primeira gestão do governo Lula começou com uma grande expectativa pela realização da reforma agrária no Brasil. Os movimentos sociais do campo, sobretudo, o MST realizaram “o maior número de ocupações de terras da história da luta pela terra no país”. Ao contrário da segunda gestão do governo FHC, que criminalizou as ocupações, o governo Lula sempre procurou dialogar com os movimentos camponeses (FERNANDES, 2008, p. 80). No entanto, Lula também incentivou uma política agrária que, paradoxalmente, fez avançar e refluir a luta pela terra no país, conforme demonstra o gráfico 2 50.

50 Os dados referentes as ocupações no Brasil nos períodos (1995-2002) e (2003-2010) foram

coletados e adaptados do Banco de Dados da Luta pela Terra no Brasil – DATALUTA (2010, p.15), com base no gráfico 1 – Brasil – Número de Ocupações - 1988-2010, disponível em: http://www.lagea.ig.ufu.br/rededataluta/relatorios/brasil/dataluta_brasil_2010.pdf.

Gráfico 2- Brasil: Ocupações nos governos FHC - Lula

Nas duas gestões de FHC totalizou-se 3.046 ocupações, e nos dois governos do presidente Lula concentrou-se em 3.805 ocupações de terras. No governo petista as ocupações ocorreram em maior número, especialmente, no período 2003-2006, como forma de manifestação e cobrança diante do compromisso assumido por Lula em realizar uma reforma agrária massiva no país, que até então permanecia apenas no plano do “diálogo”.

Com relação ao governo FHC, podemos observar que, principalmente, no período entre os anos 2000 e 2002, houve uma redução significativa do número de ocupações bem como da quantidade de famílias em terras ocupadas, visto que se investiu repressivamente na criminalização das ocupações de terra, através da força policial e de medidas provisórias para não assentar famílias ocupantes de terras e não desapropriar terras ocupadas.

Ainda, com base na interpretação do gráfico 2 verificamos que no primeiro mandato do presidente Lula as ocupações reascenderam, principalmente, no ano de 2004, visto que os movimentos sociais perceberam a necessidade de angariar forças na luta pela reforma agrária, buscando aliar os movimentos do campo e da cidade. Já no segundo governo o número de ocupações decaiu consideravelmente no

período (2008-2010), consequentemente, diminuiu o número de famílias em ocupações, conforme expressa o gráfico 3 51.

Gráfico 3 - Brasil: Famílias em ocupações nos governos FHC – Lula.

Durante a primeira gestão de FHC (1995-1998) havia 287.452 famílias sem-terra em ocupações e na segunda (1999-2002), o número reduziu para 280.622, em virtude da criminalização da luta e da morosidade governamental diante do assentamento dessas famílias. No governo Lula, não foi muito diferente, no período entre 2003 e 2006, havia 331.207 famílias em situação de ocupação de terra, já no período entre 2007 e 2010, o número diminuiu acentuadamente para 162.322.

Sauer (2010), explica a diminuição das lutas e mobilizações por terra como consequência do “diálogo” existente entre o presidente Luís Inácio Lula da Silva, e os movimentos sociais, principalmente o MST. Apesar do diálogo existente, o governo Lula não priorizou ações significativas como a democratização da propriedade da terra, e muitas famílias em ocupações acabavam por abandonar a luta, uma vez que não acreditavam mais nas propostas governamentais em relação à política de

51 Os dados referentes ao número de famílias em ocupações nos períodos (1995-2002) e (2003-

2010) foram extraídos e adaptados do Banco de Dados da Luta pela Terra no Brasil – DATALUTA (2010, p.15), com base no gráfico 2 – Brasil – Número de famílias em ocupações

- 1988-2010, disponível em:

assentamentos, visto que o próprio número de assentamentos também decaiu no segundo governo petista, o que pode ser visualizado a partir do gráfico 4 52.

Gráfico 4 - Brasil: Assentamentos nos governos FHC – Lula.

O período (1995-1998) foi o que mais se assentou famílias, totalizando 2.251 assentamentos, quando comparado ao número de ocupações (3.046) registrado nas duas gestões do presidente Fernando Henrique. Mesmo assim, os problemas e conflitos relativos à questão agrária permaneceram, principalmente, por causa de seu caráter estrutural associado à globalização do modelo agroexportador e a crescente criminalização da luta no segundo mandato, o que interferiu na redução do número de assentamentos no período entre 1999 e 2002, registrando-se 1.673.

O governo Lula obteve menos assentamentos do que o governo Cardoso, no primeiro mandato registrou 2.088, visto que no ano de 2005, quando sua popularidade decaía, em decorrência do escândalo do

52 Os dados referentes ao número de assentamentos registrados nos períodos (1995-2002) e

(2003-2010) foram coletados e adaptados do Banco de Dados da Luta pela Terra no Brasil – DATALUTA (2010, p.22), com base no gráfico 3 - Brasil - Assentamentos Rurais - 1985-2010

- Número de áreas obtidas, disponível em:

mensalão, o presidente petista investiu pesado na reforma agrária, totalizando 757 assentamentos e 89.738 famílias assentadas. No segundo governo, assentou menos ainda, ou seja, um total de 470 assentamentos, consequentemente diminuiu o número de famílias assentadas pela reforma agrária, de acordo com o exposto no gráfico 553. Gráfico 5 - Brasil: Famílias assentadas nos governos FHC - Lula

O número de famílias assentadas ao longo dos três anos do primeiro governo Lula tem sido muito inferior ao estabelecido no II Plano Nacional de Reforma Agrária apresentado no início do mandato (MARQUES, 2006, p. 188), sendo que se previa assentar 30 mil famílias em 2003, 115 mil em 2004, 115 mil em 2005.

Segundo José Batista Oliveira (da coordenação nacional do MST) o governo Lula colocou famílias em assentamentos onde o número de famílias não foi completado. Quando Fernando Henrique implantava um projeto, contava como assentados o total de famílias que o assentamento comportava. Na medida em que, no governo Lula, se contabiliza, novamente, essas famílias, há dupla ou tripla contagem. Os últimos

53 Os dados referentes ao número de famílias assentadas nos períodos (1995-2002) e (2003-

2010) foram coletados e adaptados do Banco de Dados da Luta pela Terra no Brasil – DATALUTA (2010, p.22), com base no gráfico 4 - Brasil – Assentamentos Rurais - 1985-2010

- Número de famílias em áreas obtidas, disponível em:

dados, até novembro de 2005, mostram que 53% das famílias que o governo anuncia ter assentado estão na Amazônia Legal, um exemplo inequívoco de que estamos diante de processo de regularização fundiária, mas não de reforma agrária, como pretendia o II PNRA (OLIVEIRA, 2005/2006).

No primeiro governo Cardoso assentou-se 245.519 famílias e, no segundo, registrou-se o assentamento de 148.323 famílias. Já no primeiro mandato petista, assentou-se 213.438 famílias e no segundo, apenas 36.891.

“A política de criação de assentamentos foi abandonada pelo governo” (MST, 2010). Em 2009 o governo Lula previa o assentamento de 75 mil famílias, porém apenas 10.959 foram assentadas. Os dados do governo federal referentes aos assentamentos em 2009 demonstram que: 1- O governo desrespeita as próprias metas. Denunciamos essa situação na nossa jornada de agosto e cobramos medidas concretas para garantir o assentamento de parte das 90 mil famílias acampadas em todo o país. Não fomos atendidos pelo governo, com a recomposição do orçamento do INCRA, maior investimentos em desapropriação de latifúndios e a atualização dos índices de produtividade. 2- A criação de assentamentos tem caráter de política assistencial, buscando resolver conflitos isolados sem fazer uma mudança na estrutura fundiária. Por isso, os assentamentos criados se concentram na região Norte do país, por meio da regularização fundiária ou da utilização de terras púbicas. 3- Não existe uma política de governo para enfrentar o latifúndio nem um programa amplo e massivo de reforma agrária. O latifúndio do agronegócio avança no Sul e Sudeste, aumentando a concentração de terras (censo agropecuário). 4- Não houve alteração nos índices de concentração da propriedade da terra durante o governo Lula. Está em curso uma disputa entre dois modelos para a produção agrícola no país: o agronegócio e a pequena agricultura /reforma agrária. O governo federal dá prioridade ao modelo de produção do agronegócio, que avança com a expansão do latifúndio e das empresas transnacionais sobre o nosso território (MST, 2010).

Em reportagem publicada no Jornal Brasil de Fato (Edição Nº 148, 2005/2006) refere-se que no primeiro governo Lula sua “reforma agrária é mais qualitativa do que quantitativa, ou seja, o que interessa é oferecer boas condições de vida e trabalho para as famílias assentadas” (PESCHANSKI, 2005/2006). Ao argumentar a afirmação, Oliveira (2005/2006), complementou que:

Na realidade, o próprio Lula tem anunciado essa perspectiva, da reforma agrária qualitativa. Contrapõe-se, segundo ele, à do segundo mandato de Fernando Henrique, que era apenas quantitativa, baseada na política fundiária, sem atentar para a política agrícola. É preciso tomar cuidado porque toda reforma agrária tem que ser feita com esse caráter qualitativo. É inconcebível opor dois níveis de reforma agrária, como no discurso do governo. O não cumprimento das metas do 2º PNRA mostra que esse governo não criou as condições necessárias para a reforma agrária. Um dos pontos muito discutidos, em 2003, quando se fazia o II PNRA, era ter uma política de desapropriação de terras maior do que a meta estabelecida, para ter uma oferta maior do que a necessidade. Os embaraços não impediriam que se cumprisse as metas, pois haveria excedente. Desde aquele momento, o “núcleo duro” do Partido dos Trabalhadores (PT) foi impondo restrições à reforma agrária. Por exemplo: diziam que não se poderia fazer desapropriações em áreas de agronegócio. [...] As restrições aumentaram, com a política de contenção fiscal, do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que só a implementou porque tinha apoio do presidente.

Por incrível que pareça, a reforma agrária de Lula assentou menos que a de FHC, apesar da discrepância entre os dados divulgados por órgãos oficiais no período, como o INCRA e o MDA. No primeiro mandato, por pressão social dos movimentos sociais, foi elaborado o II PNRA, em que a proposta de assentamento era de um total de 520 mil famílias. Na realidade, assentaram-se apenas 213.438 famílias, embora o governo divulgasse dados de mais de 500 mil. Esses dados não correspondem à realidade porque eles somaram como assentamentos

novos áreas de regularização fundiária, áreas de reconhecimento de assentamentos antigos e reassentamentos de atingidos por barragens.

Independentemente da verdade por trás do jogo de números, fica claro que o governo Lula fracassou em implementar o tipo de reforma agrária progressista [...]. Suas tentativas não levaram a uma ruptura do velho sistema fundiário, que continuou tão concentrado quanto nunca (BRANFORD, 2010, p. 427).

No segundo mandato além de não ter sido elaborado o III Plano Nacional de Reforma Agrária, o governo se descompromissou em fazer a reforma agrária priorizando apenas as áreas passíveis de regularização fundiária. Isso quer dizer que a reforma agrária, propriamente dita, a qual era tão esperada pelos movimentos sociais de luta pela terra, sobretudo o MST, não se efetivou no governo Lula, permaneceu enquanto “promessa a ser cumprida”.

3.4 O MST E A LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NO