• Nenhum resultado encontrado

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

Após o “Pragmatismo” de 1907, como encontramos em Sprigge (cf. 2010, p. 161), James foi alvo de duras críticas, especialmente sobre sua concepção de verdade, o que ataca sobremaneira qualquer pretensão epistemológica do discurso jamesiano. Dois dos principais filósofos britânicos, A. W. Moore, em 1922, e Bertrand Russell, em 1919, contribuíram para a tendência de se pensar em James como um pensador de segunda categoria. Para eles, James associou a justificação de crenças a um tipo de relativismo e puro subjetivismo, no qual tudo é permitido, desde que traga algum tipo de satisfação, ou desde que possamos dar à crença algum tipo de utilidade, não considerando qualquer exigência de verificação objetiva ou até mesmo da existência dos objetos a que se referem como relevante para a verdade das crenças. Em outras palavras, objetividade, rigor e responsabilidade intelectual não foram características comumente atribuídas a James, sendo uma crítica geral ao pragmatismo a de que não nos oferece uma boa teoria da verdade, assim como não nos oferece uma boa teoria da justificação, ou uma boa epistemologia (cf. Abe, 1991, p.165; Kirkham, 2003, p. 129).

Por conta destas críticas, os aspectos subjetivos (como as ideias relacionadas à satisfação, à utilidade, à perspectiva individual) de sua doutrina ganharam um relevo

maior do que aquele que o próprio James afirmou pretender, dando a ele a fama de ter defendido uma epistemologia completamente subjetivista e carente de rigor. Sprigge (cf. 2010, p. 161) nos diz, por um lado, que as objeções de subjetivismo e relativismo levantadas contemporaneamente a James foram, na época, realmente devastadoras, de modo que James, mesmo com todas suas tentativas de esclarecer suas ideias, especialmente com seu “O Significado da Verdade” de 1909, recusando enfaticamente as críticas que sofreu, nunca chegou a ser bem sucedido em refutar adequadamente estas críticas. Mas, por outro lado, Sprigge defende que, frente a uma leitura mais cuidadosa dos textos de James, as críticas sofridas por ele não se mostram tão convincentes.

De fato, ao lermos os principais textos de James sobre o pragmatismo, críticas como as atribuídas acima a Moore e Russel se mostram extremamente simplistas, negligenciando muito do que foi escrito por James. Se observarmos com cuidado o que foi apresentado até aqui e especialmente o que será discutido nos próximos capítulos, não podemos dizer, simplesmente, que James defendeu uma epistemologia completamente libertina, na qual toda crença pudesse ser justificada, desde que trouxesse a quem quer que seja que a propusesse algum tipo de satisfação ou utilidade, assim como podemos demonstrar que James considerou em diversos momentos a exigência de verificação objetiva, falando até mesmo do controle coercitivo da realidade sobre o nosso conhecimento (cf. JAMES, 1897, pp. 3, 5, 19-22; 1907, p. 76). Para Suckiel (cf. 2006, p.37), o uso por James, da verificabilidade como critério de verdade, quando este insiste que uma ideia, a fim de ser verdadeira, deve ser confrontada com a realidade experienciável, que é coercitiva e restritiva sobre a ideia, o habilita a evitar o subjetivismo pernicioso. Dizer que o pragmatismo de James esconde armadilhas e riscos, se perseguimos uma investigação criteriosa, não nos exime de examinar suas ideias com cuidado, abertos à possibilidade de encontrarmos aspectos problemáticos em sua doutrina, assim como de encontrarmos importantes contribuições ao debate epistemológico. Em “A descrição pragmatista da verdade e seus mal-entendidos”, de 1908, James prossegue argumentando contra o que ele chama de mal entendidos a respeito do pragmatismo, que ele mesmo assume serem devidos em grande parte a sua exposição defeituosa. Aqui ele acrescenta que esses mal entendidos se devem também ao quanto não familiar é o ponto de vista concreto que a visão pragmática

assume, assim como quanto ao modo em muitos momentos desleixado de sua linguagem, admitindo que nunca deveria ter falado elipticamente. A crítica, segundo James, mostrou total falta de familiaridade com o ponto de vista global de sua teoria (cf. JAMES, 1909, p.180-181), com o conjunto de sua obra sobre o pragmatismo, agarrando-se em cada palavra solta, em cada frase de efeito típica de seu discurso, em cada trecho onde se referia a aspectos subjetivistas para dizer que ele defendeu um subjetivismo completo. Assim, para James, cada trecho usado para defender que um objetivismo puro não existe, foi usado por críticos para dizer que ele rejeitou todo controle objetivo.

Alguns dos principais tópicos que James identificou como mal-entendidos a respeito de seu pragmatismo são: O Pragmatismo é primariamente um apelo à ação (cf. JAMES, 1909, p.184-186); Nenhum Pragmatista pode ser um realista (cf. JAMES, 1909, p. 190-196); Os Pragmatistas explicam não o que a verdade é, mas apenas como chegar até ela (cf. JAMES, 1909, p.200-201); Os Pragmatistas ignoram o interesse teórico, enquanto sistemas de abstração e de generalização (cf. JAMES, 1909, p.203, 206-207, 209-212); O Pragmatismo é um passo para o solipsismo (cf. JAMES, 1909, p.212-215).

Mesmo sendo enfático em rejeitar as críticas de que foi alvo, James (cf. 1907, p.14; 1909, p. 136-137, 160) reconheceu abertamente sua inabilidade em escrever e em tornar suas ideias inteligíveis, o que, para ele, justificaria em parte as incompreensões de suas ideias e seu fracasso quase completo em fazer sua concepção ser entendida. Mas James insistiu que esse fracasso se deveu à sua exposição defeituosa, não à sua doutrina. Não sei se podemos, se devemos, ou mesmo se há alguma razão para, defender a doutrina de James de todas as acusações. Por mais que ele possa atribuir as acusações a sua exposição defeituosa, o fato é que as inconsistências existem. Porém, mais que procurar erros, inconsistências, falhas do pragmatismo jamesiano, penso que nosso principal interesse deva ser procurar dialogar com seu pensamento e buscar contribuições positivas em suas teses, assim como pontuar suas falhas e inconsistências de modo a nos prevenir quanto a nossos próprios deslizes.

De todo modo, vemos que as principais críticas contra James destacam uma suposta supervalorização de critérios subjetivos de satisfação pessoal e de utilidade,

assim como um suposto descrédito a respeito de controles da realidade objetiva sobre a verdade das crenças. Outro ponto crítico mostrado, associado a um relativismo que seria consequência natural do que defendeu James, é a confusão que James teria criado ao colocar no mesmo nível proposições científicas, religiosas e do senso comum, o que desvalorizaria, por exemplo, o rigor e o controle objetivo da ciência. Os dois próximos capítulos desenvolverão um debate em torno destes pontos, entendidos aqui como os mais controversos e críticos de uma epistemologia jamesiana.

Para concluir este capítulo, gostaria de destacar um importante ponto trazido por Putnam (cf. 1990, p.232, 247). Ele argumenta que o próprio termo „teoria da verdade‟ é um dos grandes problemas no entendimento da teoria de James, pois quando James fala de uma teoria genética da verdade, ele não está oferecendo uma teoria sobre as essências da verdade. Quando James associa o termo “verdade” a termos que envolvem função e satisfação, por exemplo, ele está descrevendo a verdade como um processo histórico, ele está descrevendo o processo pelo qual nós viemos a chamar algo de verdadeiro, assim como quando ele fala sobre realidade, ele está descrevendo os processos pelos quais nós viemos a chamar algo de „real‟.

2 POR UMA EPISTEMOLOGIA PRAGMATISTA: REALIDADE OBJETIVA, SUBJETIVIDADE, SATISFAÇÃO E UTILITARISMO.

2.1 A EPISTEMOLOGIA JAMESIANA E A RELAÇÃO ENTRE A VERDADE E A