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Algumas considerações sobre a ferramenta escolhida

Capítulo II. C AMINHO TEÓRICO METODOLÓGICO

2.1. Escolha pelos estudos foucaultianos

2.1.2. Algumas considerações sobre a ferramenta escolhida

Para finalizar as considerações sobre o interesse pelos estudos foucaultianos, nesse ponto, é relevante destacar que o percurso de estudos de Foucault pareceu bastante pautado na questão do poder e o fundamento para a análise discursiva acerca do poder (cf. FOUCAULT, 1995). Entretanto, essa não era a questão central em seus estudos. Segundo Foucault (1995), o objetivo era pensar em como os humanos advém como sujeitos na cultura ocidental, estabelecendo três modos de objetivação que possibilitam o humano se tornar sujeito. São eles: o primeiro seria a objetivação do sujeito do discurso por meio da análise linguística ou a objetivação do sujeito produtivo, aquele que trabalha, e, portanto, pela via da análise econômica ou a “objetivação do simples fato de estar vivo na história natural ou na biologia” (FOUCAULT, 1995, p.231. Grifos meus); o segundo modo seria, seguindo o texto do autor ainda na mesma página, pela objetivação do sujeito por “práticas divisoras” o que se daria por meio de contraste entre opostos, como no exemplo foucaultiano “os criminosos e os ‘bons meninos’”; por fim, o terceiro modo é “o domínio da sexualidade – como os homens aprenderam a se reconhecer como sujeitos de ‘sexualidade’” (FOUCAULT, 1995, p.232. Grifo meu).

Sobre a objetivação dos sujeitos, Fernandes (2012, p.90. Negrito meu) afirma:

quer seja no que concerne ao cuidado de si (o sujeito se objetiva como sujeito de identidade), quer seja no que se refere às determinações do outro (o sujeito é interditado, segregado etc.), apresenta-se como

efeito de uma subjetividade produzida pela exterioridade, o que implica inscrições dos sujeitos nos discursos. Discursos estes, assim

como a subjetividade, não fixos, sempre em produção e transformação, marcados por descontinuidade.

Desse modo, o sujeito em Foucault é aquele que, a partir de sua inscrição nos discursos, produz, fala, age. Saliento: o sujeito não fala pelo discurso, uma vez que não tem controle sobre o que diz, mas é falado pelo discurso, pois é a partir do discurso que

é possível tecer considerações sobre aspectos sociais, históricos e culturais, os quais determinam o sujeito e estão em constante transformação.

A partir da leitura dos textos de Foucault, no que se refere à objetivação, e partindo da leitura de As palavras e as coisas (FOUCAULT, [1966] 2007), compreendo que tanto a figura de Deus quanto a figura do homem são social, histórica e culturalmente construídas, e ambas as figuras submergem no discurso (cf. FOUCAULT, [1966] 2007). Isso porque Deus era o centro das discussões, sendo causa e consequência de tudo o que ocorria no mundo, até levarem em consideração o homem. Destarte, fez-se um romance em torno do homem e dos saberes, colocando-o como peça fundamental da engrenagem que é o mundo. Agora, de acordo com Foucault ([1966] 2007, p. 536), “[o] homem é uma invenção cuja recente data a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo”, pois, se for observado o modo como as mudanças das disposições fundamentais do saber se deram (colocando o homem no centro do saber), do mesmo modo relativamente rápido (um século e meio) esse lugar desapareceria. Portanto, “se pode apostar que o homem se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia” (FOUCAULT, [1966] 2007, p.536). Essas ponderações sobre a morte de Deus e a morte do homem parecem ser uma via para estabelecer reflexão sobre a morte do autor, conforme esboçarei logo em seguida.

Cumpre destacar que, no que diz respeito à morte de Deus e à morte do homem, Foucault ([1966] 2007, p.533-534. Destaques meus) afirma, reforçando o aspecto de construção sócio-histórica e cultural dessas duas figuras:

[...] Em nossos dias, e ainda aí Nietzsche indica de longe o ponto de inflexão, não é tanto a ausência ou a morte de Deus que é afirmada,

mas sim o fim do homem [...]; descobre-se então que a morte de Deus e o último homem estão vinculados [...] Assim, o último homem

é ao mesmo tempo mais velho e mais novo que a morte de Deus; uma vez que matou Deus, é ele mesmo que deve responder por sua própria finitude; mas, uma vez que é na morte de Deus que ele fala, que ele pensa e existe, seu próprio assassinato está condenado a morrer; deuses novos, os mesmos, já avolumam o Oceano futuro; o homem vai

desaparecer. Além disso,

Mais que a morte de Deus – ou antes no rastro desta morte e segundo uma correlação profunda com ela, o que anuncia o pensamento de Nietzsche é o fim de seu assassino; é o esfacelamento do rosto do homem no riso e o retorno das máscaras; é a dispersão do profundo escoar do tempo, pelo qual ele se sentia transportado e cuja pressão ele suspeitava no ser mesmo das coisas; é a identidade do Retorno do Mesmo e da absoluta dispersão do homem. Durante todo o século XIX, o fim da filosofia e a

promessa de uma cultura próxima constituíam, sem dúvida, uma única e mesma coisa, juntamente com o pensamento da finitude e o aparecimento do homem no saber; hoje, o fato de que a filosofia esteja sempre e ainda em via de acabar e o fato de que nela talvez, porém mais ainda fora dela e contra ela, na literatura como na reflexão formal, a questão da linguagem se coloque, provam sem dúvida que o homem

está em via de desaparecer. (FOUCAULT [1966] 2007, p.533-534.

Destaques meus)

Portanto, a partir disso, compreendo que a morte do sujeito, enquanto origem de seu dizer, enquanto consciente do que diz, foi anunciada por Foucault ([1966] 2007) em As palavras e as coisas em oposição à ascensão do sujeito discursivo. Dessa forma também deve ser considerada a figura do autor em relação à sua obra. O autor morre, enquanto sujeito detentor e origem de seu dizer ou de seu escrito, para que possa vir a ascender o sujeito discursivo, e, no caso da literatura, o ser da linguagem. Por isso, não importa quem fala, mas o que fala, com qual finalidade e em qual conjuntura.

Esses foram alguns dos aspectos, da tão vasta caixa de ferramentas ofertada por Foucault, que reluziram em meu olhar a partir das leituras e me incitaram a querer escrever. Desse ponto em diante, outros aspectos reluzirão e atravessarão o caminho sem muito aviso. Que Foucault me leve a passeios reflexivos cada vez mais interessantes e intrigantes, dando sinais com as ferramentas, abrindo espaço para outras reflexões do presente a partir do que se manifestou no passado e, por vezes, pode vir a ressurgir no agora, via acontecimento.