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Algumas Considerações sobre os Saberes Docentes em Matemática e, em especial, em

CAPÍTULO 3: FORMAÇÃO, DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E SABERES

3.3 Algumas Considerações sobre os Saberes Docentes em Matemática e, em especial, em

Como vimos anteriormente, alguns pesquisadores têm-se dedicado a investigar e a compreender que saberes os professores mobilizam, produzem e ampliam em suas práticas e como refletem sobre o que sabem, dizem e fazem. A partir dos resultados desses estudos, esses investigadores vêm tentando classificar os saberes docentes em diferentes categorias (saberes do conteúdo, curriculares, da experiência, da tradição pedagógica,...) que se articulam durante a realização do trabalho docente, integrando-se ao cotidiano escolar de cada um.

Esse movimento investigativo também vem ocorrendo em relação aos saberes docentes dos professores que ensinam Matemática. Os estudos nesse âmbito têm destacado alguns saberes específicos que guardam uma relação mais estreita com a natureza da matéria de ensino. Este é o caso da Geometria, pois os professores, quando ensinam essa matéria, também mobilizam, produzem e desenvolvem diferentes tipos de conhecimentos que têm a ver com o desenvolvimento de conceitos e habilidades procedimentais e atitudinais em relação à visualização, à representação, à leitura, à significação e ao tratamento das grandezas de entidades geométricas. E, no caso de professores em serviço, não podemos esquecer que eles igualmente se encontram imersos em uma prática social, mais especificamente, em suas práticas de sala de aula e em ambientes escolares de troca de experiências e, portanto, são portadores de conhecimentos construídos ao longo de sua trajetória pessoal, estudantil e profissional.

Melo (2005), por exemplo, ao analisar os saberes produzidos e em construção de três professores de Matemática das séries finais do Ensino Fundamental durante um processo de

inovação curricular, destacou quatro tipos de saberes: o saber matemático; o saber didático- pedagógico relativo ao conteúdo de ensino; o saber curricular; e o saber da experiência.

Melo afirma que o vasto e profundo domínio da Matemática como matéria de ensino é de fundamental importância ao professor. No entanto, apoiado nas idéias de Fiorentini; Souza; Melo (1998), diz que esse domínio não se deve restringir apenas às regras, aos conceitos e às técnicas relativas ao conteúdo matemático. Na verdade, o professor deve ser capaz de entender, de compreender as estruturas do assunto que ensina, de saber organizá-lo, de refutar fatos e crenças e de distinguir tópicos que sejam centrais e periféricos à disciplina.

Outros pesquisadores que também têm investigado essa categoria de saber vêm mostrando que os professores de Matemática, há algum tempo e ainda hoje, têm deixado de ensinar certos conteúdos matemáticos devido à falta de domínio desses ou, até mesmo, quando ensinam acabam expondo-o superficialmente ou apresentando erroneamente seus conceitos; ou, ainda, os ensinam sob uma visão muito empírica ou muito racionalista.

Nesse sentido, pensando principalmente no caso do ensino-aprendizagem da Geometria, foco também deste nosso estudo, alguns autores, em especial Pais (1996, 2000) e Nacarato; Passos (2003), têm trazido contribuições em relação à compreensão dos saberes relativos ao conhecimento geométrico, bem como à forma e à intensidade com que esse conhecimento vem sendo ensinado nas escolas.

Pais (1996), por exemplo, ao discutir epistemologicamente esse conhecimento, destaca quatro elementos que intervêm fortemente no processo de ensino-aprendizagem da Geometria: o objeto; o conceito; o desenho; a imagem mental. Além disso, menciona o fato de que esses quatro elementos estão correlacionados aos aspectos intuitivo, experimental e teórico que formam a estrutura básica da teoria epistemológica da Geometria desenvolvida por Gonseth (1995). Em síntese, Pais mostra-nos em seu trabalho que, para a construção do conhecimento teórico (os conceitos), são necessários tanto os recursos que possuem relação com a intuição (as imagens mentais) quanto aqueles relativos às atividades experimentais (relativas ao objeto e ao desenho).

Porém, em outra obra, em 2000, esse autor salienta que essa construção do conhecimento, em especial o geométrico, pode, na verdade, ser dificultada ou obstruída pela estrutura dualista da racionalidade ou do empirismo. Isso porque a prática pedagógica de Geometria, em certos momentos e por muitos professores, acaba por ser marcada, de algum modo, ou pela tendência epistemológica “racionalista” ou pela “empirista”. Na visão racionalista, “a razão é a única fonte

de conhecimento” e a “aprendizagem seria uma espécie de contemplação através da qual os saberes seriam conduzidos pela intuição das idéias”, não se fundamentando em nenhum tipo de experiência (PAIS, 2000, p.8). Já na visão empirista, “a experiência é considerada a única fonte legítima do conhecimento e sobre a qual a razão não tem nenhuma prioridade” (PAIS, 2000, p. 9), ou seja, todos os conhecimentos teriam origem nas atividades experimentais.

Portanto, é nesse sentido que Pais chama a atenção para a necessidade de que qualquer informação passada pelo professor, proveniente de uma manipulação, esteja em sintonia com algum pressuposto racional e, ao mesmo tempo, que todo argumento dedutivo esteja associado a alguma dimensão experimental.

Nacarato e Passos (2003), com base em seus estudos a respeito do desenvolvimento do conhecimento geométrico e em suas pesquisas de doutorado (Nacarato, 2000 e Passos, 2000), têm afirmado que as propostas curriculares atuais, tanto no âmbito nacional quanto internacional, vêm defendendo um ensino de Geometria de caráter mais experimental, especialmente nas séries iniciais da Educação Básica, e que, nesse sentido, a prática pedagógica tem priorizado mais o uso de desenhos, negligenciando os outros elementos destacados por Pais (1996), igualmente importantes para a construção dos conceitos geométricos.

Além disso, estas autoras, apoiadas em alguns estudos, tais como de Graviana (1996), Lorenzato (1995), Pavanello (1989), além de outros, também têm discutido a questão do abandono do ensino de Geometria no País. Afirmam que, hoje em dia, esse conteúdo ainda continua sendo pouco ensinado tanto nas escolas públicas quanto nas escolas privadas e diversas são as causas responsáveis por esse abandono. Dentre elas, destacam a reforma do ensino advinda com o Movimento da Matemática Moderna e, principalmente, o despreparo do professor com relação ao desenvolvimento de conteúdos geométricos, fato que, de acordo com Nacarato e Passos (2003), está fortemente ligado à formação do professor.

Outro aspecto considerado, por exemplo, tanto por Melo (2005) quanto por Fiorentini (2000), Fiorentini; Nacarato; Pinto (1999), Nacarato (2000) e Pavanello (2003) é que, para que esse saber do conteúdo matemático/disciplinar, em especial geométrico, seja transformado em conhecimento compreensível para o aluno, o professor não faz uso apenas de seus conhecimentos relativos às estruturas matemáticas, mas utiliza outros saberes que fazem parte de sua bagagem profissional, de seu repertório de saberes.

O professor, em nosso caso, de Matemática e, mais especificamente, ao ensinar Geometria, no decorrer de sua prática profissional, faz uso de diversas estratégias de ensino, tais como: exemplos, contra-exemplos, ilustrações, além de outras artes de ensinar. Essa forma de transpor esse conhecimento matemático para um conhecimento escolar compreensível ao aluno é o que Melo (2005) chama de saber didático-pedagógico; Shulman (1986), de conhecimento pedagógico do conteúdo; e Tardif (2002), de saberes pedagógicos. Além disso, para Tardif, esses saberes articulam-se aos saberes da ciência da educação, tornando-se, com freqüência, indistinguíveis entre si.

O professor também opera com uma terceira categoria de saber: o saber curricular, o qual se caracteriza como aquele que se refere ao conhecimento do programa de ensino e aos seus diferentes materiais instrucionais. Além disso, para Nacarato (2000), este saber, por ser integrado à prática docente, é compreendido como uma imbricação de outros saberes, tais como: o saber do conteúdo/disciplinar, o saber pedagógico do conteúdo e os saberes experienciais.

Tanto para Melo (2005) quanto para Fiorentini; Nacarato; Pinto (1999) e Tardif (2002) este saber encontra-se fortemente articulado a uma quarta categoria, que é o saber experiencial, pois é por meio desse conhecimento da experiência que os professores julgam o currículo, bem como sua formação e todos os demais saberes; ou seja, para esses autores, é a partir desse conhecimento e de suas crenças que o docente muitas das vezes interpreta, compreende, estabelece significação para suas práticas e para seus saberes escolares, em particular aqueles relativos à Geometria.

Outro trabalho que gostaríamos de mencionar é o de Pavanello (2003), que também retrata, embora implicitamente, os saberes dos professores. Uma das idéias suscitadas por essa autora é que o docente

não pode limitar-se a conteúdos e instrumentos que trabalhará em sala de aula.[...] não deve saber somente o que vai ensinar, como se a qualidade de suas aulas dependesse da

“cópia xerox” do ensino que recebeu. Ao contrário, a qualidade do ensino depende de um sistema de conhecimentos muito mais amplo, para que o professor possa entender melhor o que dá sentido e função ao que ensina (PAVANELLO, 2003, p. 9).

Essa citação de Pavanello vem ao encontro de alguns resultados de pesquisa realizados, por exemplo, por Fiorentini (2000), Fiorentini; Nacarato; Pinto (1999), Melo (2005), Nacarato (2000) e Nacarato e Passos (2003), citados anteriormente, os quais defendem que o desenvolvimento do professor, a produção de saberes e/ou a (re)significação das práticas não

dependem somente da formação que o professor recebeu, mas da história de vida de cada um, das situações complexas que vivenciou na prática docente, das múltiplas experiências que teve com o conhecimento, da troca de idéias e de experiências com o outro, da participação em grupos de pesquisa, do contexto em que esteve e está inserido, das reflexões na e sobre a prática, dos materiais didáticos e do retorno que ele dá às perguntas dos alunos.

Entendemos que estas discussões e conceitos apresentados neste capítulo – a respeito da formação; do desenvolvimento profissional; dos saberes docentes, em particular dos saberes docentes em Matemática e, mais especificamente, em Geometria – nos ajudarão a compreender melhor nosso objeto de estudo.

A seguir, faremos uma descrição do processo metodológico deste trabalho, destacando os critérios utilizados para selecionar os dois principais protagonistas e, além disso, apresentaremos passo a passo os demais procedimentos adotados ao longo de toda a pesquisa.