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Percepções de Cláudio a respeito da Relação entre os Saberes da Formação Acadêmica e

CAPÍTULO 4: O PROCESSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO

7.3 Percepções de Cláudio a respeito da Relação entre os Saberes da Formação Acadêmica e

Contribuições do Curso

Para analisarmos a relação entre os saberes da formação no curso de LPP em Matemática e os saberes da experiência de Cláudio, bem como as limitações, os problemas e as contribuições desse curso, selecionamos alguns depoimentos e dois episódios de aula desse professor, coletados a partir dos questionários, de entrevistas audiogravadas e de observações etnográficas.

Portanto, iniciamos a análise com o relato, transcrito a seguir, do professor Cláudio, no qual ele retrata a questão das contribuições do curso, expondo alguns de seus sentimentos de insatisfação por não ver suas expectativas concretizadas:

Eu acho que eu aprendi muito para prova, para sair bem, para tirar nota, para ajudar os colegas, mas não foi aquela construção do conhecimento, como eu acho que tinha que ser. Eu fiquei com sede disso! Eu quero te dizer o seguinte, se eu pegar uma questão hoje de limite, de derivada, de cálculo integral para resolver, eu não vou dar conta. Antes de resolver eu vou ter que pegar, estudar, rever tudinho primeiro. Então, eu não construí o conhecimento, não ficou! Eu vou ter que estudar muito ainda para eu fazer uma prova de cálculo diferencial, por exemplo. Eu não tenho condições de resolver uma questão, então, não ficou! Não consegui, ou eu não consegui! Ou talvez eu não tenha dado a devida importância! É isso! E acho que a maioria das pessoas, mesmo as que quiseram, não deram conta. Eles reclamavam o tempo todo! (1ª entrevista, 13/02/2006).

O que foi destacado por Cláudio neste depoimento, de certa forma, nos faz lembrar algumas palavras escritas por Larrosa (1996) a respeito do termo experiência. Para Larrosa (1996, p. 21) “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. No entanto, para Cláudio, fazer esse curso parece que não

representou uma real experiência, pois a impressão é de que os conhecimentos veiculados pelo curso apenas passaram por ele e não o tocaram e, portanto, não o transformaram.

Além disso, as palavras deste professor nos fazem lembrar ainda de mais algumas afirmações desse autor, nas quais chama atenção para o fato de que não devemos confundir experiência com informação e nem o saber da experiência com a noção “de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado”, ou seja, a cada dia passamos a saber coisas que antes não sabíamos, mas “ao mesmo tempo, podemos dizer também que nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que contudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu” (LARROSA, 1996, p. 22).

Todavia, no sentido de querer investigar um pouco mais, a fim de saber se este professor foi somente informado sobre as coisas ou se realmente obteve seus saberes por meio dessa experiência, pedimos a Cláudio, no 2º questionário (anexo 2), que, dentre todas as disciplinas da matriz curricular de seu curso de LPP em Matemática, relacionadas em um quadro que lhe foi entregue, citasse oito que mais contribuição haviam dado para sua prática e explicasse por que ou como cada uma havia contribuído. Então, Cláudio, começando pela de maior contribuição, escreveu a seguinte seqüência: Cálculo I, Cálculo II, Teoria dos Números, Álgebra Linear, Geometria I, Geometria II, Matemática Computacional e Tecnologia Aplicada à Educação. Mas, ao verificar que Cláudio não havia justificado porque foram estas as disciplinas que mais haviam contribuído para sua prática, aproveitamos para, na 1ª entrevista realizada em fevereiro de 2006, pedir que justificasse. Eis o teor da conversa:

Cláudio: Você está pressionando, hem? Na realidade, eu vou ser sincero com você! Eu

fiz, eu respondi por exclusão essa aí, ó. Essa foi difícil pra mim! Eu não justifiquei porque não tinha nem como, mas foi, olha aí!.... Se você me perguntar eu não faço isso de novo não! Essa mesma seqüência: Cálculo I, Cálculo II, Teoria dos números, Álgebra Linear, Geometria I e II, Matemática Computacional e Tecnologia aplicada à Educação. O cálculo I foi o professor [...], eu estava empolgado no início do ano e acho que eu prestei muita atenção nas aulas dele. Eu acho que essa me contribuiu um pouco mais! Cálculo II uma seqüência [deu uma risada]. [...]63.. Álgebra Linear? Tem umas que eu nem lembro mais! Agora Matemática Computacional eu gostei! Eu poderia até colocar ela mais para cima aqui, eu gosto muito de computador [...]. Tecnologia aplicada à educação, também, foi legal! Essa [Matemática Computacional] [...] ensinou muita coisa boa, eu aprendi muita coisa. Na realidade, o título aqui não foi muito de acordo com as aulas, trabalhou muito computador em si, aí depois que ele [o professor] foi trabalhar o Excel, como montar uma equação, uma expressão, uma fórmula, tabela... Do meio para o fim ele entrou mais na Matemática mesmo! No início ele ficou mesmo como se fosse um curso de computação, eu achei até que ele demorou demais. E essa

63

Quanto à disciplina Teoria dos Números, Cláudio nos pediu que não citássemos suas justificativas; portanto, respeitando seu pedido, suprimimos essa parte do diálogo.

Tecnologia Aplicada à Educação, também foi bom, ensinou o pessoal a fazer filmagem. Aí não foi muito direcionada para a Matemática, foi para extensão, sala de aula, de fazer uma aula diferente, trabalhar no computador. Nós fizemos um jornal, fizemos colagem, nós criamos um monte de coisa, usando a tecnologia.

Maria Elídia: E a Geometria I (plana) e II (espacial)?

Cláudio: É porque eu tenho interesse em Geometria, apesar das dificuldades que eu

enfrentei na escola, eu tenho interesse! A Geometria, eu lembrava bem dela! A Geometria II já sabia quase tudo e eu acho que só reforçou, só veio reforçar alguns conceitos, alguns detalhes. E como tem matéria que eu não lembrava nadinha, eu coloquei aquela que eu lembrava alguma coisa.

Maria Elídia: Por que você começou falando na seqüência e depois pulou a Geometria

e foi direto para Matemática Computacional...?

Cláudio: Não teve muita importância, não! Mas, mais que as outras que eu deixei de

lado aí [risos]. Geometria, eu gosto de Geometria! De repente alguma coisinha me ajudou.

A seguir, em um outro trecho da fala de Cláudio, quando solicitamos que citasse algumas experiências positivas durante o curso que contribuíram para a mudança de suas concepções, posturas e práticas em sala de aula, Cláudio nos afirmou categoricamente não ter vivenciado nenhuma experiência positiva que tivesse contribuído para mudanças em sua postura, pois os conteúdos que lhe despertaram interesse, por exemplo, limites e derivadas, não tinham nenhuma relação com a sua prática pedagógica. No entanto, ao concluir sua fala, Cláudio tentou responsabilizar-se, de certa forma, pelo fato de o curso não ter contribuído para mudanças em sua prática, pois também não o havia levado tão a sério; apenas queria o diploma, assim como alguns de seus colegas:

Cláudio: Eu sinceramente, não tive nenhuma! Pode ser que eu estou meio pessimista,

mas nada que contribuiu para mudança de postura.

Maria Elídia: Será que você não mudou nada sua postura em sala de aula? Cláudio: Não percebi, não! Eu tinha que ter percebido.

Maria Elídia: Um exercício que você resolvia e agora resolve de uma forma diferente? Cláudio: Pois é! Eu num, num...o que a gente, o que eu mais interessei, que eu mais

prestava atenção é coisa que a gente, que eu não aplico na sala de aula. Resolver um limite, um cálculo de limite, derivada, que eu gostei! Eu até cheguei prestar mais atenção, estudar mais para as provas, mas isso ficou, não tem prática mais para mim. Não estou com isso mais! O restante parece que não mudou nada!

Maria Elídia: É!

Cláudio: Eu acho que eu também não levei o curso a sério. Não tinha muito interesse,

Além disso, ao concluirmos a entrevista, pedimos a Cláudio que nos dissesse que saberes ele considerava fundamentais para que o professor pudesse realizar seu trabalho. Eis sua resposta:

Pra ser professor? Saber sistematizado? Eu acho que tem que ter psicologia, tem que ter didática, tem que ter conteúdo [pausa]. Eu acho que o resto vem com a experiência, com o trabalho, com as quedas, com os erros, com a aprendizagem do dia-a-dia. Mas se o professor tiver psicologia, didática e dominar o conteúdo que ele vai trabalhar, ele está muito bem encaminhado para ser um bom profissional.

Após essa resposta, pensamos que talvez aquele fosse o momento de fazer com que Cláudio refletisse e falasse sobre alguma contribuição do curso de LPP em Matemática para sua prática. Perguntamos, então, se o curso, havia lhe proporcionado esses saberes. Depois de tanta insistência de nossa parte, Cláudio pensou muito e disse:

Aí está vendo! A psicologia eu não fiz, eu já havia feito na Pedagogia e gostei muito! Tinha até te citado àquela hora. A didática eu não fiz, já havia feito na Pedagogia. Não vou dizer que gostei muito, porque achei meio chato, mas contribuiu muito para o meu trabalho! Agora o conteúdo específico [deu uma risada], para o que eu uso até no cursinho, Ensino Médio, não contribuiu muito não! É o que eu já tinha afirmado antes mesmo!

Para complementar, Cláudio também comentou sobre alguns problemas enfrentados durante o curso, como por exemplo, a forma como o sistema de aulas foi organizado, ou seja, todos os sábados, cinco aulas no período da manhã com um mesmo professor e mais cinco aulas no período da tarde com outro professor, para ficarem depois, quase um mês sem ter aulas, novamente, com esses professores. Nas palavras de Cláudio, o sistema das aulas [da parcelada]

traz uma sobrecarga de informações que prejudica o aprendizado, pois

Imagina, aulas, cinco aulas seguidas. Você pega um professor das sete ao meio dia. Lá é assim, era assim! [...] Você sabe o que é cinco aulas seguidas de cálculo e o cara ter que anotar tudo aquilo e tentar aprender tudo aquilo?. [...] Tem cinco aulas de cálculo, vê aquele monte de situação, depois fica um mês sem ver o professor. O pouquinho que o cara conseguiu aprender lá acabou depois de um mês. [...]. Eu acho o sistema de aulas da parcelada massacrante, principalmente na Matemática. É massacrante! (1ª entrevista, fev./2006).

Outro problema destacado por Cláudio, no 2º questionário, aplicado em agosto de 2005, refere-se ao fato de que a maioria dos professores-alunos tinha uma carga horária muito extensa e, portanto, sobrava pouco tempo para os estudos extra-classe, assim como foi mencionado por vários de seus colegas no capítulo seis deste texto dissertativo. Além disso, Cláudio, também relata: a maioria dos colegas não se dedicou como deveria e eu me incluo nessa. Talvez pelo

desânimo, aulas maçantes ou até mesmo por falta de interesse. Sei que poderíamos ter contribuído mais para a melhoria do curso (2º questionário, ago./2005). Além do mais,

Eu acho que a maioria das pessoas, mesmo as que quiseram, não deram conta. Eles reclamavam o tempo todo. Não sei o que é, então? O que a pessoa..., é difícil você pegar uma sala com pessoas mais experientes, quase ninguém estava com sede de aprender mais, pessoas cansadas, pessoas que tão quase aposentando. O João mesmo, está quase aposentando, falta pouco tempo. Dona Carla, então! Pessoas assim que já estão em fim de carreira, aí falam: Gente eu nem vou trabalhar com isso mais, eu quero isso pra quê? Eles queriam mesmo era o diploma, para passar para P3, para aposentar com um salário melhor (1ª entrevista, fev./2006).

Em síntese, os depoimentos de Cláudio parecem evidenciar que, no decorrer desse curso de formação, os saberes acadêmicos e os saberes da prática foram tratados de forma dissociada, separados em unidades distintas, reduzindo, assim, a docência a um modelo “aplicacionista do conhecimento” (TARDIF, 2002). Ou seja, os professores acabam sendo vistos apenas como meros transmissores e aplicadores de conhecimentos produzidos pelos professores da universidade.

Além disso, ainda a partir da análise dos depoimentos do professor Cláudio, a impressão é que essa formação também buscou priorizar, nesse processo, mais os saberes disciplinares, o domínio dos conteúdos disciplinares e deixou de considerar que os professores possuem outros tipos de saberes, experienciais e profissionais, adquiridos e produzidos ao longo da vida estudantil, cultural, familiar, social e profissional. Sendo assim, essa visão destacada por Cláudio, por Ana Maria, como veremos a seguir, e por alguns outros professores-alunos do curso de LPP em Matemática de Jataí, mostra-se, de certa forma, próxima da lógica da racionalidade técnica, caracterizada por Fiorentini (2000) como aquela que considera que a atividade profissional do professor consiste basicamente na resolução de problemas instrumentais por intermédio da aplicação da teoria e da técnica científica.

Temos, também, alguns outros aspectos destacados por Cláudio quanto aos problemas e às limitações decorrentes desses enfrentados durante o curso, como por exemplo: a falta de tempo para os estudos, devido ao fato de os professores possuírem uma carga horária muito extensa de trabalho; o desânimo; o cansaço físico e mental; a falta de dedicação e de interesse dos próprios colegas em relação ao curso; e, ainda, o fato de alguns professores-alunos estarem ali apenas pelo diploma. Tais problemas e limitações decorrentes, citados por Cláudio, segundo Marcelo Garcia (1999), são fatores que devem ser considerados para que seja possível compreender qualquer

processo de desenvolvimento profissional do professor, pois este é “uma componente do sistema educativo, sujeita a influências e pressões, por parte de variadas instâncias oficiais e extra- oficiais, profissionais e extra-profissionais” (p. 193) que podem motivá-lo ou aliená-lo, e, conseqüentemente, devem ser levados em consideração durante qualquer processo de formação.

A seguir, apresentaremos um pouco sobre a prática de Cláudio, incluindo dois episódios de aula, coletados a partir da observação etnográfica de oito aulas na 1ª série do Ensino Médio, realizada durante os meses de outubro e novembro de 2005 e que, a nosso ver, representam e explicam, de certa forma, algumas das percepções destacadas por Cláudio neste texto dissertativo, sobretudo aquelas relativas às limitações e às contribuições do curso de LPP em Matemática ao seu desenvolvimento profissional e, sobretudo, à sua prática e aos seus saberes docentes em Geometria. Além disso, utilizaremos as entrevistas semi-estruturadas individuais realizadas com o professor para dar mais sustentação e clareza aos aspectos e ações observadas.