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CATÍTULO 2 UMA CIDADE MONUMENTALIZADA DE SOBRENOME

2.3 Algumas considerações

Caracterizados como gestos desinteressados e que almejavam tão somente prestar tributos, a família Pessoa e seus simpatizantes, ao longo de um século, agiram no sentido de imortalizar seus personagens renomados e conquistar para si um lugar na memória local ou mesmo estadual. Revelamos neste percurso que, aos lugares de memória, agregaram-se também os elementos simbólicos: hino, bandeira, objetos familiares e as comemorações. Nesse sentido, “os lugares são soberanamente escolhidos, sua ordem oculta a arbitrariedade; e as imagens não são menos manipuladas que os lugares aos quais são destinadoas” (RICOEUR, 2007, p. 80). Portanto, todos estes componentes se conjugam na montagem da memória e identidade local, a qual foi espacializada por diversos lugares, transformando Umbuzeiro numa cidade- monumentalizada.

A diversidade desses espaços memorialísticos emaranhados pela urbe opera como pontos de memorização em favor da perenização e legitimação da memória dos filhos ilustres. Nesse sentido, “a cidade é redundante: repete-se para fixar alguma imagem na mente”, assim como a memória é igualmente redundante, pois “repete os símbolos para que a cidade comece a existir” (CALVINO, 1990, p. 23). Consequentemente, ao repetir e fixar tais símbolos, Umbuzeiro passou a existir como o berço dos filhos ilustres – o que foi decisivo para a elaboração e sedimentação de uma identidade como tal.

Vale salientar que estes espaços de memória seguiram uma lógica espacial e projetada em relação ao planejamento do traçado urbano. Foram espaços selecionados e construídos nos pontos centrais e mais nobres da cidade, portanto não se localizam nos bairros periféricos. Mas isso não significa dizer que a população carente dos locais desprovidos de infraestrutura não é atingida pelos “lugares de memória” instituídos na região central da cidade. Eles também são consumidores desses lugares, pois fazem uso dos mesmos, circulam pelas ruas, estudam, se utilizam dos espaços de saúde ou frequentam a igreja.

De modo geral, nestas nomeações predominam homenagens às personalidades com passado de comando político e, por extensão, aos seus respectivos cônjuges ou genitores, como é o caso dos nomes de Maria e Sinhazinha Pessoa. Notamos ainda que todos que receberam o título de filhos ilustres são tidos como benfeitores de Umbuzeiro, pairando em todos os casos a pretensa ideia de gratidão por algum ato/gesto em benefício da cidade.

Por outro lado, partindo do pressuposto de que o devir pode diluir o significado dos tributos, percebemos que em Umbuzeiro essas nomeações vão sendo ressignificadas ao longo do tempo e que, para evitar que o sentido que moveu a nomeação se perca, foi imprescindível o acompanhamento permanente de outros processos simbólicos, incluindo hinos, imagens e monumentos que, aliados às festas cívicas e às práticas educacionais, formaram uma combinação perfeita de diferentes formas de reprodução da memória dos Pessoa, a qual acabou sendo incorporada ao cotidiano dos umbuzeirenses.

Fazendo um levantamento de todos os espaços nomeados, dos prédios, bustos e símbolos institucionalizados que ainda existem na cidade, vemos que os lapsos temporais são curtos e coincidem em sua maioria com os períodos em que algum membro da família era prefeito da cidade. As únicas exceções, que revelam um espaço temporal maior, são os períodos entre 1950-1965 e 1978-2004, o que se justifica pela ausência ou pouca expressividade dos Pessoa no executivo municipal. Vejamos o quadro abaixo:

QUADRO 2 - LISTA DOS ESPAÇOS COM O NOME DOS FILHOS ILUSTRES

ANO CONSTRUÇÃO / SÍMBOLO / HOMENAGEADO(A)

1909 Rua Dr. Epitácio Pessoa

1924 Grupo Escolar Cel. Antônio Pessoa 1931 Busto e Praça João Pessoa

Estação Experimental “João Pessoa” 1939 Busto e Praça Cel. Antônio Pessoa

1941 Igreja Matriz - objetos doados por Epitácio Pessoa, Margarida da Assunção Pessoa, Antônio Pessoa Filho, Carlos Pessoa, Epitácio Pessoa Sobrinho e Jorge Pessoa.

1942 Posto de saúde “Sinhá Pessoa”

Biblioteca Municipal Presidente Epitácio Pessoa 1950 aprox. Avenida Dr. Carlos Pessoa

1965 Sistema de abastecimento de água e Hino a Epitácio Pessoa 1972 Busto de Epitácio Pessoa Sobrinho na Estação Experimental 1978 Museu - casa de João Pessoa

Escola “Maria Pessoa Cavalcanti” Escola Estadual “Presidente João Pessoa” Hino e bandeira de Umbuzeiro

2004 Busto e Praça Carlos Pessoa Filho Fórum Presidente Epitácio Pessoa 2006 Creche Terezinha Lins Pessoa

Rodovia Terezinha Lins Pessoa

(Quadro elaborado pela autora)

Isso comprova nossa proposição de que a monumentalização da cidade através das imagens sacralizadas dos filhos ilustres de Umbuzeiro tem ligação com a atuação política dos Pessoa. Faz parte de uma prática familiar disseminada ao longo dos anos, decorrente do lugar político-social ocupado, e corresponde à necessidade de manter um status político e simbólico dentro da cidade. E, portanto, não é tão somente uma forma de homenagem, tampouco um gesto desinteressado, pois utilizou-se de vários elementos para construir a imagem desses heróis locais em benefício próprio.

Todavia, a forma como essa memória foi sendo lapidada no decorrer do tempo, em momentos e por meio de recursos diversificados, não é difícil atentar para o quanto a imagem dos filhos ilustres povoa a cabeça dos umbuzeirenses que conviveram e ainda convivem com estes personagens, passados de geração em geração. Ou seja, transcorridos os anos buscou-se uma reatualização das falas de criação dos espaços que receberam o sobrenome Pessoa, objetivando nunca perder seu elo umbilical com a cidade.

Por outro lado, é interessante observar como todos estes “lugares de memória”, em consonância com os elementos que a eles se agregam, servem para sedimentar a memória dos

filhos ilustres. E, portanto, criaram uma identidade para Umbuzeiro, que se tornou o berço dos filhos ilustres ou “terra dos Pessoa”. É esta a imagem com que a cidade quer ser vista. Ela busca importância histórica através do nome destes personagens e isso justifica os “desejos de patrimonialização” já abordados nesta pesquisa.

Enfim, como forma de abarcar todas as peculiaridades referentes aos “lugares de memória” criados em Umbuzeiro, abordaremos a seguir os monumentos/bustos erguidos aos filhos ilustres. Compreendendo estes como mais um elemento no processo de fabricação dessa cidade monumentalizada.

CAPÍTULO 3 - MEMÓRIAS ESCULPIDAS EM BUSTOS: