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CAPÍTULO II – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS COMPOSTOS VN, NN, NA,

1.2 Algumas propostas de classificação dos compostos VN

O estudo de compostos VN envolve, em um primeiro momento, a discussão, bastante válida sob a perspectiva histórica, da questão da natureza do elemento verbal: 2ª pessoa do singular do presente do imperativo, 3ª pessoa do singular do presente do indicativo, tema verbal ou recategorização (verbo → substantivo) (LLOYD, 1968)89. Essa discussão, contudo, não afeta a realidade de que o primeiro elemento desses compostos é, formal e semanticamente, correspondente a um verbo90. E é a sua configuração léxico-semântica, onde se incluem propriedades argumentais ou de valência, que autoriza analisar os compostos VN

85 Segundo Meyer-Lübke (1895, p. 630), «de plus en plus celle [signification] de “personne agissante” a été

supplanté par celle de “objet”» [Trad.: «cada vez mais aquela significação de “pessoa agente” foi suplantada por aquela de “objeto”»].

86 Para Lloyd (1968, p. 23), o topônimo Picamuelas, local onde se fabrica pedras para moinho, também pode se

estender ao instrumento utilizado nessa operação.

87 Referente ao termo latino DENTISCALPĬUM (DENS ‘dente’ + SCALPO ‘raspar’) ‘palito ou esgaravatador para os

dentes’ (TORRINHA, 1945, s.u. DENTISCALPĬUM), segundo o Vocabulario español-latino, de Antonio de Nebrija, referido por Lloyd (1968, p. 30).

88 Essas observações foram feitas para a língua espanhola. No entanto, Lloyd conclui pelo desenvolvimento

similar dos compostos VN em França e Itália.

89 A defesa de uma forma pertencente ao imperativo pode ser remetida já a Diez (1838), que reconheceu nesse

tipo de composição um «padrão estranho ao sistema latino». Mas foi com o estudo de Darmesteter sobre os compostos da língua francesa (1874, 2ª ed. 1894) que a tese do imperativo se estabelece com maior força. Quanto às formas de terceira pessoa presentes em alguns compostos, Darmesteter rebate, dizendo acreditar que se trata de reinterpretações tardias da forma de imperativo original. No entanto, para Villoing (2002, p. 44), o método comparativo e histórico que dominou o século XIX levou à identificação de uma forma flexionada do verbo nos compostos VN, tornando inviável considerá-la como um tema verbal, e impedindo, conseqüentemente, uma análise morfológica desse tipo de construção. Assim, no âmbito de uma perspectiva teórica que defende a separação total entre morfologia e sintaxe (arraigada, portanto, na primitiva teoria lexicalista de Chomsky), Villoing argumenta a favor de uma unidade lexical abstrata, a qual chama de «lexema», como a unidade básica da morfologia, e com base nessa idéia central defende a presença de um tema verbal nos compostos VN. Quanto aos defensores de uma nominalização do primeiro elemento, eles proclamam a atuação, nesse mecanismo, de um sufixo sem realização fonética.

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No entanto, não se deve deixar iludir pelo aspecto formal, pois fatores como a atuação da etimologia popular podem fazer coincidir formas pertencentes a categorias gramaticais diferentes. Lloyd refere-se ao topônimo Cantalapiedra, topônimo da região de Espanha, apresentado por Rohlfs como composto. Segundo avaliação de Corominas, canta está relacionado com canto ‘corner’ (nome), significando a estrutura composta ‘o canto da pedra’. Outro exemplo é palavra francesa culbuter ‘dar uma cambalhota’, cuja formação original VV (culer + buter), foi reinterpretada como NV, de acordo com Klingebiel (1989).

em termos de uma relação entre um verbo e o seu complemento, de maneira análoga como se realiza na sintaxe, e enxergar, nesse tipo de estrutura, uma natureza exocêntrica.

Nesse sentido, Ribeiro (2006, p. 125) definiu como uma relação subordinada completiva a que se estabelece entre o verbo e o nome. Isso significa dizer que os constituintes nominais constituem unidades que preenchem os lugares “vazios” abertos pelo verbo. Em regra, o verbo é transitivo, exigindo, portanto, a presença de um argumento externo e outro interno. Ao constituinte nominal é atribuído, de maneira generalizada, o estatuto de objeto direto91. No entanto, nem sempre o nome que se segue ao verbo corresponde ao complemento direto deste. Embora determinados verbos possuam a capacidade de preenchimento de mais de dois lugares (sujeito, objeto direto, objeto indireto, por exemplo), a estrutura binária dos compostos VN obriga à ocupação de apenas um lugar, sendo que este raramente corresponde à função de sujeito92. Nesse sentido, N pode materializar-se lingüisticamente seja como complemento direto seja como complemento oblíquo (e mais dificilmente como sujeito), o que leva a uma reconsideração na generalização que se faz de N como objeto direto de V. Lembramos, no entanto, que essa possibilidade é manifestada por pouquíssimos verbos, como, por exemplo, guardar.

Não se observa, portanto, a possibilidade de haver variações significativas nas propostas de estudo desses compostos, que agregam, além do aspecto sintático, os aspectos morfológico e semântico.

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Villoing (2002, p. 249-250), na defesa dos compostos VN como construções morfológicas, invoca, no lugar das noções sintáticas de Sujeito e Objeto Direto, as noções semânticas de Agente (obrigatório) e Paciente (preferencial) (baseando-se nos Proto-Rôles de Dowty, 1991), o que, segundo a autora, torna a construção mais prognosticável, uma vez que se podem calcular as restrições semânticas em jogo: «La caractérisation en termes sémantiques des participants du verbe permet en outre de rendre compte compositionnellement du sens des composés [VN]N/A à partir du sens du V et du N» [Trad.: «A caracterização em termos semânticos dos

participantes do verbo permite, além disso, dar conta composicionalmente do sentido dos compostos [VN]N/A a

partir do sentido do V e do N»]. Situando-nos no âmbito de uma perspectiva pluridimensional do léxico, acreditamos que é possível trabalhar com essas duas noções – de papéis sintáticos e papéis semânticos – conjuntamente, sem que uma tenha que excluir a outra.

92 Ribeiro (2006, p. 83) apresenta, do português contemporâneo, as formas mijaburro ‘narciso de folha larga,

com flores que cheiram mal quando secam’, treme-mão ‘peixe também conhecido por torpedo’, rilha-boi ‘planta espinhosa, de flores rosadas e brancas e corola papilionácea, pertencente à família da Leguminosas, espontânea em Portugal’, rincha-cavalo ‘pássaro também conhecido por peto-real’ e urra-boi ‘ave da família dos Turnicídeos’ como exemplos de compostos em que o elemento nominal constitui o argumento externo dos respectivos verbos, funcionando, portanto, como Sujeito/Agente. No entanto, segundo Villoing (2002, p. 248 et seq.), uma das restrições dos compostos VN é a presença de no mínimo dois participantes semânticos, sendo que o participante «não-Agente» do predicado V (geralmente um Paciente) corresponde ao lugar reservado a N, e o participante Agente corresponde ao próprio composto. Por outro lado, existem raros casos em que N corresponde aos critérios de Proto-Agente: cuit-vapeur ‘vaporeira’ e pousse-pied ‘pequeno barco plano que se faz deslizar sobre o limo, empurrando-o com o pé’, segundo Namer e Villoing (2007, p. 115).

No plano semântico, os compostos nominais VN são classificados de acordo com o tipo de entidade que denotam. Em geral, correspondem a «denominações de entidades a partir da percepção de suas propriedades características» (VAL ÁLVARO, 1999, p. 4793), podendo tratar-se de designações do ser humano, como profissões e apelidos anedóticos, de animais e plantas, de objetos e, ainda, de ações (BUSTOS GISBERT, 1986, p. 269 et seq.).

No plano morfológico, duas questões estão sempre presentes no estudo desse tipo de composto: a questão do gênero, com predomínio do masculino, e a questão da marca de plural, que, em muitos casos, não está associada à noção de pluralidade.