CAPÍTULO I: SOBRE A ABORDAGEM ESTRUTURALISTA DA
1.3 A CONCEPÇÃO INTERACIONISTA
1.3.2. Algumas questões metodológicas
Antes de adentrar mais especificamente no capítulo dedicado aos CAMINHOS
METODOLÓGICOS seguidos no presente estudo, cabe tecer breves considerações sobre a
investigação das mudanças na fala da criança.
Na concepção Interacionista de base estruturalista proposta por Cláudia de Lemos há
escuta singular para a singularidade na fala da criança. Portanto, o investigador que adota essa
concepção como suporte teórico, depara-se com alguns desafios, pois, diante das dificuldades
em enquadrar a fala inicial infantil em categorias lingüísticas, pode lançar mão,
indevidamente, de suas próprias referências, igualando essa fala à fala do adulto e apagando,
assim, a singularidade das produções lingüísticas da criança.
O desafio maior constitui, então, em tratar produções como significantes cujo sentido
é uma interrogação, tornando-lhe impossível atribuir, com segurança, um sentido único e
determinado. Cabe ao investigador a difícil tarefa de colocar em dúvida, ou melhor, suspender
a atribuição de um sentido predeterminado às produções insólitas, atribuição essa que,
comumente, vem à tona na interpretação da mãe.
Dando continuidade à discussão sobre a investigação da fala da criança a partir do
contexto teórico aqui adotado, convém tomar como referência as reflexões trazidas por Lier-
De Vitto e Carvalho (2008) e fazer algumas considerações sobre a posição do investigador
em relação à fala da criança e a eleição do diálogo como unidade de análise.
(1) O diálogo como unidade de análise:
Tomar o diálogo enquanto unidade mínima de análise na investigação das mudanças
da fala da criança caracteriza a abordagem interacionista de referencial estruturalista. Assim
elegem a fala isolada da criança para unidade de análise. Diante desta afirmação, não é demais
retomar aqui a concepção de diálogo adotada pela referida abordagem.
O Interacionismo coloca um impedimento à compreensão do diálogo enquanto uma
atividade mútua de atribuição de significados, intenções e expectativas entre os interlocutores,
ou melhor, fica o investigador teoricamente impedido de abordar a diálogo como alternância
entre dois interlocutores que buscam adaptar-se ou adequar-se um ao outro.
Vale retomar que, neste contexto teórico, o outro não é apenas um interlocutor
empírico, ele é instância do funcionamento lingüístico-discursivo. A conseqüência
metodológica que daí se extrai, é que: no Interacionismo, o outro-investigador desloca-se para
o nível das relações entre cadeias lingüísticas.
Nesse contexto, ressalta-se que os compromissos teórico-metodológicos assumidos
pelo interacionismo levam longe a problematização do diálogo. Segundo Lier-De Vitto e
Carvalho (2008, p. 141), “ele é sentido muito além da evidência fenomênica do diálogo mãe-
criança”. Como exemplo, ao prefaciar “Os monólogos da criança: delírios da língua” (LIER-
DE VITTO, 1998), De Lemos, dá especial realce ao olhar do investigador, que pode
reconhecer, na fala da criança, sozinha no berço, uma fala habitada pela fala do outro:
presença do corpo ausente.
Destaca-se, portanto, que, ao investigador, cabe o desafio de suspender a escuta do
significado da fala da criança. Noutros termos, a postura assumida pelo investigador frente às
produções verbais infantis deve ser distinta, por exemplo, daquela comumente assumida pelo
outro-materno. Isso se justifica, porque, a mãe costuma se colocar num lugar de intérprete da
fala do seu filho, fornecendo significados e assumindo a função de restrição, ou seja, de
contenção da deriva dessa fala. O tópico abaixo busca melhor explicar essa postura que o
(2) posição do investigador em relação à fala da criança.
Na concepção teórica aqui em foco, como dito, o investigador tem como desafio se
deslocar para outra posição frente à fala de crianças: não interpretar essa fala em busca de
significados, identificado com a interpretação do outro-materno, ou com suas próprias
experiências lingüísticas.
Lier-De Vitto e Carvalho (2008, p. 140) abordam essa posição, destacando que
Trata-se de um desafio porque espera-se que o investigador possa se sustentar num ponto de cruzamento entre o seu saber a língua (como sujeito/falante), o seu saber
sobre a língua (como sujeito/investigador) e o saber da língua. Para o Interacionismo, importa o saber da língua – condição para que a fala de crianças seja escutada em sua singularidade.
Quando o dado é produzido no campo da aquisição de linguagem, então, a relação do
investigador com o dado assume aspectos bem peculiares. Isto se justifica porque, esse
investigador assume um compromisso com a fala da criança considerada como diferença,
como singularidade. Por sua vez, o mencionado compromisso implica, sobretudo, em desafio,
posto que, no campo de estudo em foco, o sujeito/investigador se divide entre sua condição de
investigador e sua condição de falante da língua investigada. Dessa divisão, decorreria o risco
de se considerar a fala da criança do ponto de vista do modelo representativo do falante
adulto. Noutros termos, o investigador depara-se, inevitavelmente, com o risco de submeter a
heterogeneidade da fala da criança a esse modelo de fala do adulto.
Em suma, nesse contexto, têm-se conseqüências teórico-metodológicas que
reafirmam a indeterminação categorial e a determinação dialógica da fala da criança. O
investigador é assim surpreendido por uma emergência de combinações singulares que
parecem, ao mesmo tempo, “pertencer e não pertencer à língua”. (Lemos, 2006, p. 60). Cabe a
ele “escutar” a fala da criança do ponto de vista de sua diferença em relação à fala do adulto,
Noutros termos, destaca-se que a concepção Interacionista dá especial visibilidade a
uma não-coincidência entre a fala da criança e a fala do outro/adulto, bem como a uma
combinatória singular de significantes na fala infantil e à surpresa/estranhamento do
investigador. Assim, tanto o reconhecimento da alteridade dos fragmentos que retornam nessa
fala, como a singularidade de sua combinatória, apontam para a relação da criança com a
língua, através do outro. O investigador depara-se, então, com o compromisso com uma
escuta singular dos fragmentos da fala infantil, sem “fechar os olhos” para os “erros” e para a
“presença do corpo ausente” (da fala do outro na fala da criança).
Pensar nessa escuta singular para a singularidade na fala da criança, permite, assim,
que retome um aspecto central da teoria interacionista, qual seja: trazer à tona algo que é
ignorado ou esquecido na Aquisição da Linguagem, isto é, trazer à tona questões que a ordem
própria da língua coloca para se pensar na criança, como uma instância subjetiva que nela e
por ela se constitui.
Buscando assumir uma postura contrária ao apagamento/esquecimento da marca
singular das produções infantis, os capítulos que seguem irão descrever os caminhos
metodológicos seguidos no presente estudo e a análise e discussão dos diálogos entre criança