CAPÍTULO II: CAMINHOS METODOLÓGICOS
2.1 PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DOS DADOS
Neste tópico será apresentado o procedimento de análise do registro longitudinal dos
processos dialógicos entre as crianças e suas cuidadoras.
Importa destacar que para a análise em foco serão privilegiados os corpora38
de uma
das crianças que participaram deste estudo: os corpora de J.; ou seja, será tomado para
investigação, de forma intensiva e aprofundada, o conjunto de dados de fala de apenas uma
criança. A escolha por J. se justifica porque foi possível acompanhá-lo por um período mais
prolongado de tempo e, por este motivo, em uma maior diversidade de situações. Melhor
explicando, pôde-se acompanhar J. em situação de diálogo com uma cuidadora e as outras
duas crianças, com uma cuidadora e uma criança e sozinho com a cuidadora.
Portanto, para a análise de modo detalhado da relação entre a fala da criança e a do
outro/cuidador, elegendo-se um caso individual para compreender esta dinâmica, fez-se a
opção pelo estudo de caso como método de pesquisa. A opção por este método ocorreu
devido à compatibilidade entre, por um lado, a natureza do tema investigado e o referencial
38 No campo da aquisição da linguagem, a forma latina corpus, com seu plural corpora, tem sido, comumente, usada para designar um conjunto de dados de fala da criança. Sobre esse uso ver De Lemos (2003).
teórico adotado para abordá-lo e, por outro, as estratégias utilizadas por esta proposta
metodológica para construir e elaborar os dados. Com este procedimento se supõe, então, que
se pode adquirir conhecimento do fenômeno estudado a partir da exploração intensa de um
único caso.
Para dar início ao procedimento de análise, primeiramente, os vídeos foram assistidos
por completo, sendo realizadas anotações preliminares sobre eventos associados ao objeto de
estudo da presente investigação. Logo em seguida, foram, minuciosamente, transcritas, pela
própria investigadora, as produções lingüísticas presentes nos diálogos videografados, como
também algumas ações, gestos e expressões faciais, considerados significativos para
caracterização da relação cuidador-língua-criança.
Com o objetivo de adquirir maior familiaridade com os diálogos transcritos, foram
realizadas leituras repetidas e exaustivas sobre esses dados, em movimentos de proação (para
frente) e retroação (para trás), ou seja, em voltas constantes, sobre cada diálogo entre
cuidadora e crianças. Em tais leituras, houve um esforço no sentido de evitar que a atenção
fosse fixada, com base nas próprias expectativas e aspirações da investigadora, em
determinados elementos dos diálogos e não em outros, procurando-se, dessa forma, manter o
que se denomina de atenção flutuante. Vale esclarecer que a tentativa de manter uma leitura
flutuante para se familiarizar com os dados se justifica uma vez que, segundo Guerra e
Carvalho (2002, p. 100), se o investigador “se deixa levar pelas próprias aspirações, corre o
risco de não descobrir jamais senão aquilo que já sabe”.
Após as leituras flutuantes realizadas sobre os diálogos da cuidadora com as crianças,
1º passo da Análise:
Antes de iniciar a descrição desse 1º passo da análise, cabe abrir um parêntesis para
explicar que diante do corpus constituído pelas várias situações de diálogo registradas durante
o presente estudo surgiu uma questão: Como demarcar tais diálogos a fim de dar
continuidade á análise, de modo a possibilitar a compreensão de como a posição de outro é ocupada pelo cuidador em sua relação com a fala inicial infantil?
A partir deste questionamento e de acordo com o objeto de estudo a ser investigado,
foi escolhida para a demarcação da unidade de análise o espelhamento, ou seja, a relação
especular entre a fala da criança e a fala do outro/cuidador.
Dito de outro modo, os diálogos foram recortados tomando-se como referência
fragmentos nos quais estaria sendo indicada, de forma mais clara e ilustrativa, uma relação da
fala infantil com a fala do adulto/cuidador. Relação esta que, considerando que a
especularidade articula fala da criança e interpretação do outro, será analisada a partir da
postura que a cuidadora estaria assumindo frente às produções infantis; como também da
presença/retorno da fala deste outro/cuidador na fala das crianças.
Cabe destacar que essa escolha pelo espelhamento se deu uma vez que este, como
visto, constitui um dos processos dialógicos propostos por De Lemos (2002) como descritivos
e explicativos das mudanças da fala infantil, durante a aquisição de linguagem. Este conceito
foi introduzido com base na constatação empírica de que a fala da criança vem da fala do
outro e de que há, assim, uma relação formal entre os enunciados infantis e os do adulto. Isto
quer dizer que o outro/adulto é o lugar onde a criança se vê e tem sua fala refletida.
De fato, o espelhamento é entendido como determinante da entrada da criança na
linguagem. Sua importância teórica relaciona-se, portanto, a uma dupla atribuição: ser a
“porta de entrada” da criança na linguagem e ser constitutivo do diálogo, descrevendo a
Assim, o objetivo de se refletir sobre o lugar que o outro/cuidador ocupa em sua
relação com a fala da criança, pôde ser abarcado a partir do estudo de como o espelhamento
estaria acontecendo na relação entre a fala da criança e a fala do outro/cuidador.
Fechado o parêntesis, no primeiro passo da análise, portanto, tomando o processo de
especularidade/espelhamento como unidade de análise, os dados foram lidos focalizando as
características do cuidador enquanto ocupando a posição de outro em sua relação com os
enunciados infantis. Noutros termos, procurou-se destacar, como diz Arantes (2001), as
múltiplas faces da especularidade, ou seja, que tipo de especularidade se faz presente na relação dialógica da criança com um outro específico, o cuidador. Em seguida, buscou-se
observar se haveria marcas de singularidade nessa especularidade, isto é, na forma pela qual
cada uma das cuidadoras reflete/interpreta/incorpora (ou não) a fala da criança.
Convém explicar que os aspectos destacados na relação da cuidadora, enquanto outro,
com a fala infantil foram agrupados de acordo com características dominantes. Faz-se
importante esclarecer, entretanto, que, em tal procedimento, não se teve o objetivo de formar
categorias no sentido estrito dessa possibilidade de análise dos dados, visando, tão somente, a
uma melhor visualização e análise de tais características.
Em outras palavras, a partir desse passo de análise, foi possível visualizar algumas
características da fala do outro/cuidador, no que se refere ao processo de especularidade, que
mais se destacaram nos diálogos entre esse outro e J..
2º passo da Análise:
Nesse segundo passo da análise buscou-se investigar os efeitos que determinadas
características do processo de especularidade/espelhamento na interação dialógica entre
cuidadora e criança, analisadas no passo anterior, produzem na fala inicial infantil. No que se
no espelhamento que faz presença na relação entre os enunciados da criança e o do
adulto/cuidador, trazem também marcas de diferença à fala da criança.
Ainda no que tange a essa fala infantil, foi realizada uma análise das produções
verbais de J., visando indicar se haveria alguma mudança nessa fala quando se relacionando
com diferentes cuidadoras.
Enquanto no primeiro passo, usando o processo de especularidade como unidade de
análise, refletiu-se, mais especificamente, sobre as características do cuidador enquanto
ocupando a posição de outro na relação com a fala da criança; nesse segundo passo da análise,