CAPÍTULO I: SOBRE A ABORDAGEM ESTRUTURALISTA DA
1.1 A CONCEPÇÃO SAUSSURIANA
1.1.2 O signo lingüístico e suas características
No CLG, Saussure apresenta uma descrição do que seria para ele o signo lingüístico.
Para este autor, “o signo lingüístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces [...], [uma]
combinação do conceito e da imagem acústica” (SAUSSURE, 1916/2004, p. 80).
Assim, na teorização saussuriana,
O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos. (SAUSSURE, 1916/2004, p. 80).
Para evitar ambigüidade terminológica, entretanto, Saussure propõe conservar o
termo signo para designar o total, mas substituir conceito e imagem acústica respectivamente
por significado e significante. O signo, então, pode ser entendido como a associação de um
significado a um significante, representada graficamente da seguinte forma:
Esquema 1. Representação gráfica do signo lingüístico
Este esquema mostra a estreita associação entre significado e significante,
representada pela elipse ao redor destes e pelas setas verticais, associação esta que engendra a
significação. Nas palavras de Milner (2003, p. 30, tradução minha)
Não há significado senão na medida em que há um significante; o significante não é tal senão na medida em que há um significado [...] O significante não representa o significado: ele está associado, e ao mesmo tempo o significado está associado ao significante15.
15 “No hay significado sino en la medida en que hay un significante; el significante no es tal sino en la medida en que hay un significado. [...] El significante no representa al significado: le está associado, y al mismo tiempo el significado está associado a su vez al significante” (MILNER, 2003, p. 30).
Significado
No entanto, tal associação, para Saussure (1916/2004) é arbitrária o que constitui uma
característica primordial do signo lingüístico, isto é, o signo lingüístico é arbitrário. Assim, a
idéia de casa, por exemplo, não estaria ligada por relação alguma interior a seqüência de sons
c-a-s-a que lhe serve de significante.
Em outras palavras, Saussure traz a idéia de que “o significante é imotivado, isto é,
arbitrário em relação ao significado com o qual não tem nenhum laço natural na realidade”
(Ibid., p.83).
Quanto a esta característica, convém, entretanto, fazer uma observação. Ao propor o
princípio da arbitrariedade do signo, Saussure não pretende dizer que o significado depende
da livre escolha do sujeito falante, pois, para ele, “todo meio de expressão aceito numa
sociedade repousa em princípio num hábito coletivo, ou, o que vem a dar na mesma, na
convenção” (Ibid., p.82).
Assim, o caráter arbitrário do signo leva a uma outra propriedade do mesmo, a
imutabilidade. Tal propriedade explica-se no momento que Saussure (Ibid.), propõe a
inexistência de uma relação necessária entre um significante e um significado, mas também
preconiza que, uma vez escolhido, o significante se impõe à comunidade lingüística a que se
refere. É dessa maneira que o signo torna-se imutável. Eis a afirmação deste autor:
Se, com relação à idéia que representa, o significante aparece como escolhido livremente, em compensação, com relação à comunidade lingüística que o emprega, não é livre: é imposto. Nunca se consulta a massa social nem o significante escolhido pela língua poderia ser substituído por outro (Ibid., p.85).
A partir desta citação, é possível concluir que, no pensamento saussuriano, o sujeito
falante fica submetido às contingências da língua. O que leva a um caráter de fixidez e
imutabilidade da mesma ao longo do tempo, devido a, existência de um consenso adotado
pela comunidade lingüística, em relação a ela. No entanto, é exatamente esta imutabilidade ao
longo do tempo, que irá impor ao signo uma outra característica, a multabilidade.
o tempo que assegura a continuidade da língua, tem um outro efeito, em aparência contraditório com o primeiro: o de alterar mais ou menos rapidamente os signos lingüísticos e, em certo sentido, pode-se falar, ao mesmo tempo, da imutabilidade e mutabilidade do signo.
Neste contexto, o signo pode se alterar porque continua. Eis porque o princípio de
alteração se baseia no princípio de continuidade, ou seja, é por ser imutável que o signo
lingüístico pode perdurar, e é por perdurar no tempo que ele pode alterar-se como resultado da
influência da prática social sobre o mesmo. “A língua já não é agora livre, porque o tempo
permitirá às forças sociais que atuam sobre ela desenvolver seus efeitos [...]” (Ibid., p. 93).
Ainda sobre a multabilidade do signo, Saussure (Ibid.) chama a atenção para o
sentido atribuído ao termo alteração. Para este autor, ao falar em alteração, não basta se
referir a transformações fonéticas sofridas pelo significante ou a transformações do sentido
que afetam o conceito de significado. Semelhante concepção seria insuficiente, pois, sejam
quais forem os fatores de alteração, “levam sempre a um deslocamento da relação entre o
significado e o significante” (Ibid., p. 89. grifos do autor).
A língua é, portanto, incapaz de se defender dos fatores que deslocam,
constantemente, a relação do significado com o significante. Esta é uma conseqüência da
arbitrariedade do signo.
Dito em outros termos, a existência do significado requer a existência do significante
e reciprocamente, havendo uma relação necessária. Por outro lado, a forma fônica de um
significante particular (m-a-r, por exemplo) não determina o conceito de um significado
particular (o conceito de mar, por exemplo). Nesse contexto, não há relação (MILNER, 2003).
Analisando tais características do signo lingüístico, Milner (Ibid., p. 36) aponta, para
um enigma: “Como pode o signo manter-se unido na ausência de toda relação interior, [...] na
ausência de um ponto fixo externo?” (tradução minha)16.
16 “¿Como puede el signo sosterse unido en ausencia de toda relación interior, [...] em ausência de todo punto fijo externo?” (MILNER, 2003, p. 36)
É a partir deste enigma que Milner (2003) assinala o que ele chama de uma das
inovações mais importante da teoria saussuriana que pode ser resumida da seguinte forma: se
um determinado signo se mantém, é pelos outros signos, ou melhor, pela relação do signo
com os outros signos da língua.
É possível concluir, então, que o signo lingüístico não é auto-suficiente, sendo
extremamente solidário aos outros signos do sistema (da língua). Nas palavras de Saussure
(1916/2004, p. 133), “o valor de um [termo] resulta tão-somente da presença simultânea de
outros”, isto é, “o valor de qualquer termo que seja está determinado por aquilo que o rodeia”
(Ibid., p. 135). Dessa forma, a língua é compreendida como um sistema que envolve relações
entre signos e, portanto, um signo é a contraparte de outro(s). Para melhor compreender estas
afirmações, faz-se necessário apresentar o conceito de valor.