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5.2 Primeiro projeto: restauro da cobertura e da fachada

5.2.1 Algumas ressalvas do primeiro restauro – ação civil pública

A primeira restauração recuperou a cobertura e resolveu o problema de infiltração de água pluvial, que causara extensos danos na parte interna da edificação. O objetivo de estancar a degradação foi atingido. Contudo, a intervenção foi objeto de questionamentos quanto a alguns critérios utilizados no restauro. Conforme Ação Civil Pública impetrada por um grupo de artífices restauradores formados pelo Programa Monumenta no curso Auxiliares Técnicos em Conservação de Forros de Estuque, foi questionado o procedimento relativo à pintura, ou, mais especificamente, o tipo de tinta utilizado na pintura das fachadas que, segundo os denunciantes e os ensinamentos adquiridos no referido curso, não seria a

apropriada. Nesse Procedimento Administrativo da Procuradoria do Município de Pelotas foram investigadas “possíveis inadequações técnicas nas restaurações dos bens históricos contemplados pelo Programa Monumenta”97.

Os autores da representação colocavam em dúvida técnicas, métodos e materiais empregados no restauro, apresentando também como argumento a diferenciação entre restauração e recuperação, no qual é apontado que os prédios históricos do Município devem receber tratamento de restauro e não de mera recuperação, a fim de preservar as características originais dos bens.

A reclamação dos autores baseava-se no critério teórico brandiano, de que as intervenções restaurativas deveriam utilizar materiais compatíveis com os originalmente utilizados. Assim, para justificar o argumento de que não poderia ser utilizada tinta acrílica, como de fato estava, para a pintura do edifício, a questão levantada pelo grupo era que o sistema da época da construção do prédio usava argamassa composta por areia e cal, tanto no assentamento dos tijolos, quanto no reboco e nas tintas utilizadas98 onde o cimento era usado apenas como agregado. Todos esses conhecimentos foram adquiridos em formação oferecida pelo próprio Programa Monumenta em Veneza, na Itália. Segundo registrado, a utilização de técnicas inadequadas já havia ocasionado perdas irreparáveis aos bens patrimoniais do Município.

No caso da tinta industrializada, utilizada em lugar daquela à base de cal e pigmentos, a tendência é que, com as mudanças climáticas, a umidade seja expelida pelas paredes através da evaporação, quando essas são pintadas com tintas à base de cal. Se a superfície mural é coberta por uma tinta impermeável, esta provoca estufamentos e bolsões que explodem e descascam a pintura. Esse fenômeno é facilmente verificado nas paredes externas do prédio do Grande Hotel, como demonstrado na figura 53, onde se percebe descascamento intenso em

96

Prefeitura municipal de Pelotas, 15 dez. 2004 e 16 dez. 2004. 97

Ver Anexo 3, Decisão de Arquivamento do Expediente nº 1.29.005.000168/2004-33 98

Na pintura original do Grande Hotel, era utilizada originalmente a pintura a base de cal e pigmentos: após uma mistura de água e cal, os pigmentos minerais macerados eram agregados à tinta e aplicados em várias camadas – no sentido horizontal e vertical – proporcionando um acabamento fosco que possibilitava a parede “respirar”. Por ser a cal um composto permeável, com difícil e lenta recarbonatação, a edificação cujo sistema construtivo utiliza argamassa a base de cal necessita do oxigênio para que, continuamente, as reações químicas sejam processadas. A tinta plástica impossibilita essa reação química danificando o material que logra esfarelado. Por esse motivo, a tinta plástica – acrílico – não traz bons resultados.

muitos pontos das paredes das fachadas, especialmente na área próxima ao solo onde a umidade ascendente age com maior intensidade.

Figura 53: Danos evidentes na pintura da fachada do Grande Hotel.

Fonte: Fotografia da autora, 2013.

Atualmente, as restaurações empreendidas em Pelotas através do Programa Monumenta não empregam mais tintas industrializadas, sendo utilizado o método de maceração de pigmentos que, misturados à cal e à água, são aplicados em várias camadas sobrepostas, seguindo a técnica adquirida por mestres-artífices formados na Itália pelo próprio programa. Dois exemplos desse método de pintura são as antigas residências do Barão de São Luis e do Conselheiro Francisco Antunes Maciel (Figura 54), cujas obras de restauro foram finalizadas em 2010 e 2012, respectivamente. Ambas receberam como acabamento pinturas a base de água, cal e pigmentos minerais.

Figura 54: Casa 8, Pelotas, 1878. Antiga residência do Conselheiro Francisco Antunes Maciel, Barão de Cacequi. Imagem atual.

Lamentavelmente, o resultado desta reclamação à Procuradoria não obteve os resultados esperados, uma vez que, conforme consta no Anexo 3, a decisão do Ministério Público Federal foi de arquivamento do expediente.

O caso tramitou inicialmente no Ministério Público Estadual de Pelotas. Justificou a SECULT, ao ser oficiada por este Ministério Público, que as intervenções através do Programa Monumenta sempre visavam respeitar e salvaguardar a autenticidade dos elementos constitutivos dos prédios, juntando aos autos cópias de matéria jornalística em que os representantes do Programa, do IPHAN e do BID elogiam expressamente a qualidade das obras do Monumenta em Pelotas, consideradas uma das melhores do país, inclusive servindo de referência para outras regiões.

Além disso, foi incluída ao expediente a manifestação do Coordenador Técnico do Programa, que afirma ser de responsabilidade exclusiva do IPHAN a fiscalização das obras do Monumenta, salientando que “nas inúmeras obras de restauro pelo País poderão eventualmente ser encontrados erros, contudo a busca pelo aperfeiçoamento é meta prioritária, tanto que um dos componentes do Programa é a capacitação e formação de artífices”. Ao mesmo tempo, apresentam como argumento que, embora “o fato dos artífices terem sido treinados em Veneza sob a chancela do Programa Monumenta não quer, obrigatoriamente, significar que a opinião desses artífices deva ser seguida, na medida em que existem diversas linhas de enfoque sobre o restauro, todas aceitáveis”.

A discussão foi remetida ao Ministério Público Federal, que oficiou a Superintendência do IPHAN, a qual em resposta repetiu muitas das informações prestadas anteriormente acrescentando uma acusação: "a motivação para a polêmica levantada pelos autores da representação continha elementos pessoais, vez que muitos profissionais artífices não foram contratados pelas empresas vencedoras das licitações, em virtude de terem cobrado preços exorbitantes para a execução dos serviços de restauro”. Ao que se sabe, nenhum dos artífices formados pelo Programa foi contratado nas obras daquele período.

Em sua verificação de ocorrência de dano ou prejuízo ao patrimônio histórico e cultural do Município de Pelotas, o Ministério Público Federal apresenta em seus autos conclusos argumento baseado nas condutas e atos a serem evitados, conforme determina a Constituição de 1988, que fala em lesão, dano e ameaça. Justifica que as fotografias apresentadas para representar a qualidade do restauro

“demonstram apenas problemas pontuais e localizados, e não problemas gerais comprometedores da essência dos bens imóveis”. Afirma também que “os detalhes arquitetônicos, ainda que importantes, não podem substituir a importância do conjunto da obra”.

Entre outros argumentos, que podem ser verificados diretamente no texto anexo99, a conclusão relata:

[...] se a autoridade máxima em nosso país, o IPHAN, responsável pela manutenção dos prédios históricos e pela supervisão do Projeto Monumenta, não verificou qualquer irregularidade na condução dos projetos de restauração, resta prejudicada qualquer caracterização de dano, lesão ou ameaça ensejadores da intervenção do Ministério Público Federal. Esse caso, que culminou com o arquivamento do expediente em 4 de agosto de 2005, ilustra as limitações legais que também a proteção do patrimônio enfrenta recorrentemente. O fato é que compete à Administração Pública - ao órgão que possui o domínio técnico para avaliar a matéria, neste caso ao IPHAN - a apreciação do mérito do ato administrativo. Como já referido antes, no Capítulo III, o Poder Judiciário, aqui representado pelo Ministério Público Federal, julga apenas a legalidade do ato administrativo, pois quem possui o dever de proteger o patrimônio é o Estado, é a Administração.