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Com o fim de preservar o patrimônio cultural da nação o Estado se utiliza de vários instrumentos legais, dentre os quais figura o tombamento. Este instituto é considerado em termos jurídicos “num grau inicial em matéria de intervenção pública na propriedade privada, pois não expropria, mas também não permite ao titular do domínio o exercício pleno das faculdades ou senhorias da propriedade” (ALVES, 2008, p. 66). Assim, não se trata de instrumento único, bem como não se caracteriza como o mais radical54.

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Um exemplo de lei muito mais rigorosa é a Lei nº 3.924/61, conhecida como Lei dos Sambaquis. Este ordenamento exclui da propriedade privada todas as jazidas arqueológicas encontradas no subsolo, assim, num terreno onde seja descoberto um sambaqui, o proprietário não tem direito a nada do que seja encontrado no subsolo se for considerado como bem de interesse científico enseje a preservação.

A primeira tentativa de regulamentar uma lei sobre o tombamento data de 1923. Contudo, como a Constituição de 1891, vigente à época, não previa qualquer restrição ao direito de propriedade, o esforço foi rejeitado sob a justificativa de inconstitucionalidade (ALVES, 2008).

Considerado como um instrumento legal de proteção ao patrimônio natural e cultural, o tombamento é uma ação direta do Estado na propriedade privada com caráter interventor e ordenador55 que pode ser voluntário56 ou compulsório57.

Do ponto de vista jurídico, segundo MACHADO (1982), tombamento é

“uma intervenção ordenada concreta do Estado na propriedade privada, limitativa do exercício de direitos de utilização e de disposição gratuita, permanente, sob regime especial de cuidados, dos bens de valor histórico, arqueológico, artístico ou paisagístico.”

Conceito complementado por PIRES (1994, p.278):

O tombamento é o ato final de um procedimento administrativo, resultante do poder discricionário da Administração, por via do qual o Poder Público institui uma servidão administrativa, traduzida na incidência de regime especial de proteção sobre determinado bem, em razão de suas características especiais, integrando-se em sua gestão com finalidade de atender ao interesse coletivo de preservação cultural.

Já para o IPHAN, o tombamento apresenta outras especificidades em relação ao conceito jurídico. No sítio do IPHAN, consta descrito também a competência da responsabilidade atribuída ao Instituto. Assim, verifica-se que além de considerar o tombamento como um ato administrativo realizado pelo Poder Público, coloca que os tombamentos federais são responsabilidade do IPHAN, cujo objetivo é “preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens (IPHAN: 2013).

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Em termos jurídicos, o caráter interventor e ordenador se refere à supressão da autonomia assegurada pelas Constituições nacionais em virtude de estado de anormalidade ou exceção, ou seja, dado o interesse público consubstanciado no valor do bem (histórico, artístico, etc.), o Estado intervêm na propriedade privada, algo que deve ser interpretado de maneira restritiva.

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Quando o proprietário do bem solicita a inscrição do bem num dos Livros do Tombo, ou o faz por anuência, por escrito, à notificação da administração pública.

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Tombamento feito à revelia da vontade do proprietário. Questão geralmente dirimida pelo Poder Judiciário, ao qual cabe a avaliação da legalidade do ato e não cabe a apreciação do mérito do ato administrativo, pois que o seu fundamento (mérito) é de responsabilidade da Administração, considerando que a proteção do patrimônio cultural brasileiro é de competência e dever do Estado.

Ainda com relação ao tombamento, o sítio do IPHAN responde, em sua seção de “perguntas frequentes”, à seguinte questão: “O Tombamento preserva?” A resposta apresentada logo a seguir pelo Instituto é objetiva e retilínea:

Sim. O Tombamento é a primeira ação a ser tomada para a preservação dos bens culturais, na medida que impede legalmente a sua destruição. No caso de bens culturais, preservar não é só a memória coletiva, mas todos os esforços e recursos já investidos para sua construção. A preservação somente se torna visível para todos quando um bem cultural se encontra em bom estado de conservação, propiciando sua plena utilização.

Analisando a resposta apresentada pelo instituto, verifica-se o caráter regulador do conceito assumido pelo IPHAN que atribui ao instituto o poder legal de garantir a preservação, salvaguardar os bens culturais, assim como impedir sua destruição.

No Brasil, o instituto do tombamento ficou regulamentado através do Decreto- lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, mesmo ano de criação do SPHAN. Instituídos pelo então Presidente da República Getúlio Vargas, os dois regulamentos configuram-se como marcos da legislação sobre a tutela estatal acerca do patrimônio cultural. Tido como “Lei Geral do Tombamento”, sendo ainda hoje o principal diploma legal sobre a matéria, este decreto estabelece como “patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.”

Conforme ALVES (2008, p. 79), o Decreto-Lei nº 25 estabeleceu, já em seu artigo 1º, os contornos e a extensão da proteção ao patrimônio natural ao definir o alcance da expressão “patrimônio histórico e artístico”. Além disso, organizou o tombamento e estabeleceu seus efeitos sobre bens de terceiros, em conformidade com o artigo 134 da Constituição de 37, a qual restringe o direito de propriedade em prol da preservação dos bens que apresentam valor para a memória brasileira. Para efeito de ratificação, como parte integrante do patrimônio histórico ou artístico nacional, o decreto-lei estabeleceu a necessidade de inscrição do bem num dos quatro Livros Tombo, a saber:

• Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, onde são inscritas as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, assim como os monumentos naturais, sítios e paisagens;

• Livro Histórico, para registro das coisas de interesse histórico e as obras de arte históricas;

• Livro das Belas Artes, onde se registram as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;

• Livro das Artes Aplicadas, onde são registradas as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.

Quanto aos efeitos jurídicos do tombamento descritos no Capítulo III, o Decreto-lei assevera em seu artigo dezessete que “as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas”. Não obstante, o rito de consagração do tombamento, obedece, ao longo da história dos órgãos de proteção, uma lógica que faz referência aos interesses do poder público e ao entendimento de cultura naquele dado momento, o que fica refletido no desequilíbrio de volume de bens tombados de uns livros em relação aos outros .

Cabe destacar, ainda que o Código Penal Brasileiro prevê pena de detenção de seis meses a dois anos, assim como multa, para quem “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico arqueológico ou histórico”. Isto posto, considerando o conceito do termo, bem como significado assumido inclusive pelo IPHAN, presume-se que a instituição do tombamento em um bem não só garanta sua preservação como também, e principalmente, impeça a sua destruição além de proporcionar a manutenção das características que carregam a sua significação cultural.