• Nenhum resultado encontrado

Alguns Apontamentos Sobre as Historiografias

4. Análise Histórico-Epistemológica do Conceito de Continuidade

4.5. Alguns Apontamentos Sobre as Historiografias

Como discutido, o processo histórico de desenvolvimento do conceito de Continuidade está relacionado também ao desenvolvimento de uma série de conceitos fundamentais para a consolidação de como entendemos a matemática na atualidade, em especial os campos do Cálculo e da Análise. Esse processo envolve o debate sobre temas de complexidade significativa que assolaram a humanidade por séculos, como a existência e potencialidade de grandezas infinitamente grandes e pequenas. Isso porque somente no seio do simbolismo lógico da filosofia e da matemática que se torna possível a aceitação de ideias tão distantes de nossos sentidos.

A perspectiva de condução desta análise percorreu um vasto período histórico e a compreensão de aspectos históricos tão profundos sobre a produção do conhecimento se consolidou como um desafio. A estrutura da Análise Histórico-Epistemológica a partir dos

trabalhos de Radford (2011) permite que nos atentemos para características importantes no processo de produção do conhecimento, em particular, nos elementos que apontam para a efetivação da atividade matemática na busca por satisfação de necessidades particulares e inseridas numa rede de significação cultural.

Para tanto, a divisão em períodos baseada em Ríbnikov (1987) nos ajudou a compreender aspectos históricos importantes sobre a produção da Continuidade, aclarando semelhanças nas condições objetivas em cada momento histórico.

No período de desenvolvimento da matemática na Antiguidade foi possível perceber como a construção de teorias sobre a realidade esteve ligada à busca de solução de problemas da vida prática e às mudanças na organização social, com o surgimento de uma atividade intelectual voltada para filosofia, matemática, artes, etc. Em especial, nesse período é marcado pela adoção da enumerabilidade como tentativa de explicação da realidade com os Pitagóricos e pelas crises na compreensão dos incomensuráveis e dos infinitésimos.

O período seguinte, relativo ao desenvolvimento da matemática elementar, envolve mudanças significativas em âmbito social, cultural, econômico, político, etc. que compreende o contexto da Europa Medieval e Renascimento. Nesse momento, a atividade matemática voltou-se para a (re)significação dos conhecimentos acumulados ao longo dos séculos anteriores e o esforço em atender as demandas do nascimento de uma sociedade capitalista. Aqui aparecem necessidades ligadas a novos entendimentos sobre os infinitésimos e de novas interpretações do movimento, com o devido destaque para o germe de criação da Geometria Analítica com Fermat e Descartes.

Já no período de formação de uma matemática das variáveis, o que se percebe é o aprofundamento das questões sobre o movimento com o destaque para a criação do Cálculo Diferencial e Integral com Newton e Leibniz. Esse período tem como aspecto central a construção de uma teoria que relaciona os métodos integrais e diferenciáveis, que possuem em sua égide o início de desenvolvimento da análise infinitesimal. Estes feitos revolucionaram o universo da matemática e serviram de combustível para a construção de uma matemática moderna, ou melhor, mais próxima dos dias atuais.

O período de construção da matemática moderna se consolida a partir do acirramento das relações de uma sociedade capitalista com a revolução industrial. Nesse contexto, o que se percebe é o estabelecimento de uma complexa organização social e econômica que exige cada vez mais do progresso da ciência como elemento fundamental para o progresso capitalista. Assim, a atividade de produção matemática se modifica e passa a se estabelecer como fim em

si mesma, estabelecendo condições objetivas favoráveis para o desenvolvimento da análise infinitesimal. Neste período o esforço coletivo se volta para a formalização dos diversos campos da matemática, com o objetivo de superar os desvios (ou incongruências) causados pelo pensamento intuitivo das teorias anteriores. O resultado foi a construção formal de conceitos elementares como Função, Limite, Números Reais e, entre eles, a Continuidade.

Portanto, a efetivação de uma análise histórico-epistemológica da Continuidade envolveu uma complexa significação de séculos de produção intelectual que tem em sua essência uma rede de aprofundamento e definições de outros conceitos a ela relacionados. Isso nos fornece elementos indicativos necessários para o estabelecimento dos nexos conceituais a serem abordados em sala de aula.

Antes de nos atermos sobre os nexos, é importante ressaltar que o destaque dos extratos a partir das obras historiográficas analisadas contribuíram para a revelação de elementos tensionadores importantes para a composição da análise. Como dito no início desta seção, tais elementos se constituíram como fontes reveladoras das necessidades na produção do conhecimento. Certamente servem como ponto de partida tanto para a determinação dos nexos conceitos, como também para a elaboração de situações desencadeadoras da aprendizagem na organização do ensino.

Também foi dito anteriormente que a intenção deste capítulo não se configurava na elaboração de uma perspectiva historiográfica. Apesar de, em muitos momentos, nos aproximarmos de narrativas históricas, retomamos o objetivo deste capítulo cujo foco está centrado na identificação de relações essenciais no desenvolvimento da Continuidade que apontam para a determinação dos nexos conceituais.

Como resultado dessa análise, pôde-se perceber que as relações essenciais no desenvolvimento da Continuidade apontam para os seguintes nexos conceituais, divididos em pares dialéticos: comensurável/incomensurável, contínuo/discreto, infinito/infinitésimos, permanência/variabilidade, pontual-geral e rigor-intuição. Dessa forma, no capítulo a seguir discutiremos com certa profundidade os elementos resultantes da análise realizada e que compõe cada um destes nexos apontados.