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III. DA QUEBRA DE SIGILO

3.1 Alguns conceitos importantes

A Constituição Federal dispõe no inciso XII, de seu art. 5º, in verbis:

“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual”.

No que se refere à questão da inviolabilidade de correspondência e das

comunicações telegráficas e telefônicas, esse inciso é uma reprodução do art. 150, § 9º

111

, da

Constituição de 1967.

Todavia, inova no que diz respeito a dados e excepciona as ligações

telefônicas, na forma que a lei ordinária determinar.

A Lei n.º 9.296, de 24 de julho de 1996

112

, regulamenta o inciso XII, parte

final, do art. 5º da CF, pois trata da interceptação das comunicações telefônicas, aplicando-se

também ao fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

111 Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a

inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 9º - São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas.

112 Lei Federal n.º 9.296/1996, que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5°, da

Constituição Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I - da autoridade policial, na investigação criminal;

II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.

§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.

§ 2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

§ 3° Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8° , ciente o Ministério Público.

Art. 7° Para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.

Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 12. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 24 de julho de 1996; 175º da Independência e 108º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

A regulamentação levada a efeito pela referida lei, contudo, gera uma série de

discussões, visto que, para muitos estudiosos, ela extrapola os limites impostos ao legislador

infraconstitucional, na medida em que as comunicações telemáticas se dão por meio de

transferência de dados, cuja inviolabilidade é absoluta, já que o Texto Constitucional

excepciona apenas a questão das comunicações telefônicas, conforme já foi dito. Ou seja, a

Lei n.º 9.296/96 deveria ter regulamentado apenas a hipótese de comunicação entre pessoas

por meio da telefonia. Nada mais do que isso.

Ademais, alegam que os sistemas de informática e telemática foram

considerados como espécies de telefonia, quando, na verdade, nem toda telemática é telefonia

e, portanto, nem toda telemática pode ser interceptada. Finalmente, dizem que a partir da

edição dessa lei, muitos abusos estão sendo perpetrados, em detrimento dos direitos e

garantias individuais constitucionalmente previstos.

Em que pese essas opiniões, com as quais compactuamos, o fato é que a Lei n.º

9.296/96 está em vigor e seu art. 10 tipifica como crime, com pena de reclusão de dois a

quatro anos, a interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou a

quebra de segredo de Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em

lei.

O sigilo de que trata o inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal

113

, está

relacionado ao princípio da proteção à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem,

113 Art. 5º, XII, da Constituição Federal de 1988: “É inviolável o sigilo da correspondência e das

comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

previsto no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal

114

, que reforça sua inviolabilidade, ao

prever o direito de indenização por dano material ou moral.

De acordo com os termos constitucionais, o sujeito protegido é qualquer pessoa

física ou jurídica, brasileira ou estrangeira residente no País

115

. O conteúdo é a faculdade de

constranger, dispor, gozar, usufruir ou, no caso do presente estudo, resistir a uma pretensão.

Já o objeto do direito é, justamente, o bem jurídico protegido - o direito à privacidade e à

intimidade.

A proteção constitucional dada ao sigilo, contudo, não o torna um direito

absoluto. Pelo contrário, o sigilo pode ser quebrado, uma vez preenchidos os requisitos que

serão tratados com profundidade mais adiante, pois, nesse momento, é imperioso voltar ao

inciso XII, art. 5º, da Constituição Federal, e tratar da diferença entre comunicações

telefônicas e dados/registros telefônicos.

JOSÉ CLÁUDIO FRANCO DE ALENCAR

116

ensina que:

“(...) as comunicações telefônicas, propriamente ditas, não se confundem com seus registros, sendo, usualmente guardados nas companhias de telefonia, os dados relativos às datas, horários e duração das chamadas, os números discados e os números de origem das ligações recebidas, bem como o valor das tarifas cobradas. Assim, enquanto a noção de ‘comunicação telefônica’ refere-se ao elemento intrínseco do que é transmitido, exprimindo, ainda, a idéia de tempo presente ou atual de sua execução (imediatismo entre a transmissão e sua obtenção por terceiros), os ‘registros’ dizem respeito às ligações pretéritas, com dados extrínsecos ao que foi efetivamente veiculado”117.

114 Art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a

honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

115 Marco Aurélio Greco, de forma contrária, entende que a proteção à intimidade e à vida

privada não se aplicam as pessoas jurídicas (Sigilo do Fisco e perante o Fisco, in: Reinaldo PIZOLIO, Jayr Viégas GALVADÃO JR. (Coords.), Sigilo Fiscal e Bancário, São Paulo, Quartier Latin, 2005, pp. 75-90.

116 José Cláudio Franco de ALENCAR, Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil, Rio

de Janeiro, Renovar, 2005, p. 108.

117 No mesmo sentido, assim leciona Paulo Ricardo SCHEIR: “no que pertine com o sigilo das

Nessa linha, considerando que as Comissões Parlamentares de Inquérito podem

quebrar o sigilo dos dados telefônicos, mas não da comunicação telefônica, decidiu o

Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança n.º 23.452/RJ, relatado

pelo Ministro CELSO DE MELLO:

“(...) o sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar”118.

Além da diferença entre comunicação telefônica e seus registros, também é

mister abordar a expressão “dados”, dizendo o que ela abrange.

OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, analisando a extensão desse termo,

esclarece que:

“(...) de pronto surge a idéia de dados pessoais, uma ficha curricular da pessoa. A moderna vida eletrônica demonstra, no entanto, que o computador pessoal e as diversas comunicações telemáticas que recebe e armazena apresentam uma messe enorme de informações. São dados armazenados, dizendo respeito a assuntos particulares, financeiros, contábeis, bancários, fiscais, entre muitos outros. Partindo-se desta constatação se, hoje em dia, as contas bancárias são transmitidas por correio eletrônico e entram no arquivo do computador, possível entender-se que a Constituição, ao garantir o sigilo de dados, teria, também, protegido o sigilo bancário, que, para muitos, não estaria incluído no texto constitucional, mas apenas na lei

ordinária. Se ocorrer a quebra de sigilo, na parte correspondente às contas bancárias da pessoa, não se pode negar tenha havido desrespeito ao segredo de dados da pessoa titular das referidas contas e, por conseqüência, a Constituição, em uma interpretação sistemática e construtiva, inclui o sigilo bancário em seu texto. De outra parte, as contas bancárias integradas à rede eletrônica e telemática dos bancos são dados próprios e incorporados às suas funções institucionais e de mercado. São dados

bancários protegidos pelo sigilo imposto, em termos amplos, no texto da Constituição”119.

dita (ou seja, sigilo do conteúdo das conversas) e registro (geralmente escrito) pertinentes às comunicações telefônicas (dados normalmente armazenados pela companhia telefônica)” (op. cit., pp. 117-118).

118 Mandado de Segurança n.º 23.452/RJ, Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. 16-09-

1999, DJ 12-05-2000.

Como se vê, ao se referir a dados, o legislador constituinte quis abranger uma

série de hipóteses, quais sejam, dados fiscais, dados bancários, dados financeiros

120

, dados

decorrentes das comunicações via internet e, como foi visto, dados/registros telefônicos.

Ainda sobre a extensão do termo dados e sobre o tratamento dispensado à

comunicação via internet, é importante citar a lição de LUIZ CARLOS DOS SANTOS

GONÇALVEZ, para quem:

“(...) os dados fiscais são aqueles obtidos pela Receita Federal e seus congêneres nos demais entes da federação, no exercício de sua atividade de arrecadação de tributos, mas também com a evolução patrimonial que lhe serve de paradigma. Dados financeiros são, entre outros, aqueles relacionados à movimentação de recursos, em moeda, títulos, investimentos, poupanças, contas-correntes e valores mobiliários. Dentre eles se incluem, em relação de gênero a espécie, dados bancários, ou seja, recursos financeiros confiados, administrados ou postos à disposição por instituições financeiras de tipo bancário121. É o caso dos dados relacionados a contas-correntes,

contas-poupança, operações de crédito, etc. No sentido de interesse para o presente estudo, a locução ‘dados financeiros’ compreende também aquelas informações ao alcance de instituições de controle de mercado financeiro, como é o caso do Banco Central do Brasil, das Bolsas de Valores e da Comissão de Valores Mobiliários. (...) É interessante observar que as comunicações via ‘Internet’, a rede mundial de computadores, se inserem na rubrica ‘comunicação de dados’. Já não é atualmente possível referir que se tratem, apenas, de comunicações telefônicas. Hoje é possível obter acesso à ‘Internet’ não só por linhas telefônicas, mas também por linhas de TV a cabo, por rádio, etc. A interceptação das transmissões da Internet é possível com as mesmas exigências feitas à interceptação telefônica, conforme disposto no art. 1º da Lei n.º 9.296/96”122.

Por fim, quanto à quebra de sigilo de livros comerciais, prevalece o

entendimento de que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem requisitá-la.

Segundo MANOEL MESSIAS PEIXINHO e RICARDO GUANABARA:

“(...) deve-se dizer que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem requisitar os livros comerciais e escrituração mercantil em razão de tudo que foi dito sobre a

120 A Lei Complementar nº 105/2001, que revogou expressamente o art. 38, da Lei Federal n.º

4.595/1964, disciplina o sigilo dos dados bancários e financeiros.

121 A Lei Federal n.º 9.613/1998, visando inibir a famigerada “lavagem de dinheiro” (se assim é

permitido dizer), aumentou o rol das empresas e instituições obrigadas a manter registro de movimentação de recursos, incluindo consórcios, distribuidoras de títulos, casas de câmbio, seguradoras e administradoras de cartões de crédito e deu ao COAF, Conselho de Controle de Atividades Financeiras, acesso aos dados destas instituições.

ilegitimidade de a Comissão Parlamentar de Inquérito devassar documentos particulares e por absoluta autorização legal, porque, neste último caso, como ensina Nelson Hungria, no caso dos livros comerciais, cuja inacessibilidade é a regra, só

mediante prévia lei criando uma nova exceção ao art. 17 do Código Comercial, poderia devassá-los a Comissão Parlamentar de Inquérito, que não é um poder

legibus solutus”123.