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Dever de motivação nos atos das Comissões Parlamentares de

III. DA QUEBRA DE SIGILO

3.3 Requisitos e princípios para a quebra de sigilos

3.3.2 Dever de motivação nos atos das Comissões Parlamentares de

Como não poderia deixar de ser, todas as decisões da Comissão

Parlamentar de Inquérito, que interfiram na esfera de terceiros, devem ser fundamentadas. E

tal exigência se faz presente porque, se as Comissões Parlamentares de Inquérito possuem

poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, por óbvio, devem se sujeitar a

obrigações e limites análogos aos destas últimas. A fundamentação das decisões, pois, é

requisito e condição de validade do próprio ato.

Aliás, no Estado Democrático de Direito toda decisão que alcance a

esfera de direito de terceiros, no caso dos particulares investigados, deve ser previamente

motivada e dotada de mínima clareza.

No caso das comissões, o dever de motivação mostra-se ainda mais

claro e necessário, uma vez que as decisões por elas tomadas, não raras vezes, importam a

restrição de liberdades públicas (garantia de intimidade, art. 5º, X, da CF).

Nesse sentido, JOSÉ CLÁUDIO DE FRANCO ALENCAR

165

prescreve que:

“A obrigatoriedade de motivação das decisões assume especial relevo nas questões relativas à quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, pois estes representam projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X da Lei Maior”.

E ainda, a decisão fundamentada deve ser prévia e concreta.

Com efeito, encontra-se há tempos consagrada na doutrina e na

jurisprudência a Teoria dos Motivos Determinantes, segundo a qual o Poder Público está

sempre vinculado aos motivos alegados para a decretação do ato que interfira na esfera de

particulares.

A conformidade do ato com as normas aplicáveis e com a Constituição

Federal deve ser verificada em face dos motivos oportunamente alegados, e não de outros

posteriormente criados.

A esse respeito, confira-se o magistério de HELY LOPES MEIRELLES

falando, na hipótese, de ato administrativo:

“A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido” 166.

Ressalte-se, ainda, a lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE

MELLO sobre o princípio da motivação:

“Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhe os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir- se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo. A motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato.

(...)

É que se fosse dado ao Poder Público aduzi-los apenas serodiamente, depois de impugnada a conduta em Juízo, poderia fabricar razões ad hoc, "construir" motivos que jamais ou dificilmente se saberia se eram realmente existentes

166 Hely Lopes MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, 20ª ed.. atual. por Eurico de

Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, São Paulo, Malheiros, 1995, pp. 181-182.

e/ou se foram deveras sopesados à época em que se expediu o ato questionado”167.

Referido princípio encontra sede, inclusive, na Constituição Federal,

que dispõe em seu art. 93, IX, in verbis:

“As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas, sendo as

disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”.

Não se cogita, no entanto, que o preceito constitucional só alcance os

atos administrativos praticados pelos Tribunais. Ora, se os atos administrativos dos demais

Poderes submetem-se ao mesmo regime jurídico, como de fato submetem-se, então estes

também estão subordinados à regra transcrita.

Nesse sentido, vale transcrever o entendimento de LÚCIA VALLE

FIGUEIREDO

168

, segundo a qual:

“(...) não haveria razão para as decisões administrativas do Judiciário (art. 93, IX) serem motivadas e as administrativas da Administração Pública não o serem. Quando o Judiciário prolata decisões administrativas está no exercício atípico de função administrativa. Ora, a Administração Pública, ao emanar atos administrativos, está no exercício típico, específico da função administrativa. Portanto, parece claro, a Constituição não iria atribuir dois pesos e duas medidas”.

Nesse contexto, é pacifica a posição do Supremo Tribunal Federal no

sentido de que as decisões das Comissões Parlamentares de Inquérito, que envolvam, de

algum modo, medida restritiva de direitos, devem ser necessariamente fundamentadas, sob

167 Celso Antônio Bandeira de MELLO, Elementos de direito administrativo, 3ª ed. rev, ampl.

e atual. com a Constituição Federal de 1988, São Paulo, Malheiros, 1992, pp. 59-60.

168 Lúcia Valle FIGUEIREDO, Procedimento administrativo, in: Revista dos Advogados, São

pena de nulidade, uma vez que esta exigência também se impõe às decisões do Poder

Judiciário (art. 93, IX)

169

.

Pode ser tomada como modelo a decisão unânime proferida em 16 de

setembro de 1999, no julgamento de mérito do Mandado de Segurança n.º 23.452/RJ, relatado

pelo Ministro CELSO DE MELLO, cuja transcrição que se encontra no DJU de 19 de outubro

de 1999 (p. 39) é a seguinte:

“As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação mostram-se írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade estatal”170.

Ademais, não é qualquer motivo que se presta à caracterização daquela

motivação exigida pela Constituição.

A motivação tem que ser minimamente clara e concreta, de modo a

possibilitar o pleno exercício de fiscalização por parte do Poder Judiciário e a permitir ao

investigado entender os fatos e atos que lhe estão sendo imputados como desconformes com a

lei. E mais, todos os documentos que importem o pronto entendimento da decisão devem ser

colocados à disposição dos interessados.

169 “A jurisprudência firmada pela Corte a propósito do alcance da norma prevista no artigo 58,

§3, da Constituição Federal já reconheceu a qualquer comissão parlamentar de inquérito o poder de decretar quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, desde que o faça em ato devidamente fundamentado, relativo a fatos que, servindo de indício de atividade ilícita ou irregular, revelem a existência da causa provável, apta a legitimar a medida, que guarda manifestíssimo caráter excepcional (MS 23.452/RJ, Rel. Ministro Celso de Mello; MS 23.466/DF, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; MS 23.619/DF, Rel. Ministro Octavio Gallotti; MS 23.639/DF, Rel. Ministro Celso de Mello; etc.). Não é licito, pois, a nenhuma delas, como o não é sequer aos juízes mesmos (CF, art. 93, IX), afastar-se dos requisitos constitucionais que resguardam o direito humano fundamental de se opor ao arbítrio do Estado, o qual a ordem jurídica civilizada não autoriza a, sem graves razões, cuja declaração as torne suscetíveis de controle jurisdicional, devassar registros sigilosos alheios, inerentes à esfera da vida privada e da intimidade pessoal” (Mandado de Segurança n.º 25.966/DF-MC, rel. Min. Cezar Peluso, j. 17-05-2006, DJ 22-05-2006, decisão monocrática).

170 Mandado de Segurança n.º 23.452/RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 16-09-1999, DJU 19-10-

E de nada serviria o art. 93, IX, da Constituição Federal, se as

Comissões Parlamentares de Inquérito pudessem ser genéricas a ponto de poderem alterar

posteriormente a motivação de seus atos investigatórios. Do que valeria impor a obrigação de

que os atos sejam motivados, se as Comissões Parlamentares de Inquérito, depois, pudessem

alterar essa motivação?

Forçoso concluir, portanto, que, uma vez possível eventual alteração,

motivar ou não o ato não faria diferença nem teria finalidade alguma, até porque ninguém

saberia se a motivação externada seria ou não a verdadeira causa de decidir.

Se assim o fosse, a motivação seria inútil, inócua, assim como a própria

disposição constitucional que a exige.

Novamente, o Supremo Tribunal Federal instado a se pronunciar sobre

tais requisitos, decidiu que:

“Tratando-se de motivação per relationem, impõe-se à comissão parlamentar de inquérito – quando esta faz remissão a elementos de fundamentação existentes aliunde ou constantes de outra peça – demonstrar a efetiva existência do documento consubstanciador da exposição das razões de fato e de direito que justificariam o ato decisório praticado em ordem a propiciar, não apenas o conhecimento do que se contém no relato expositivo, mas, sobretudo, para viabilizar o controle jurisdicional da decisão adotada pela CPI. E que tais fundamentos – considerada a remissão a eles feita – passam a incorporar-se ao próprio ato decisório ou deliberativo, que a eles se reportou. Não se revela viável indicar, a posteriori, já no âmbito do processo de mandado de segurança, as razões que deveriam ter sido expostas por ocasião da deliberação tomada pela comissão parlamentar de inquérito, pois a existência contemporânea da motivação – e não a sua justificação tardia – constitui o pressuposto de legitimação da própria resolução adotada pelo órgão de investigação legislativa, especialmente quando este ato deliberativo implicar ruptura da cláusula de reserva pertinente aos dados sigilosos”171.

171 Mandado de Segurança n.º 23.452/RJ, Tribunal Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. 16-09-

Nesse ponto, podemos concluir que a motivação clara e concreta é

condição de validade das decisões da Comissão Parlamentar de Inquérito, como diversas

vezes assentou nossa Suprema Corte:

“OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE

INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM

ABSOLUTOS”

172

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