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4 CAPÍTULO III A PUNIÇÃO DO CORRUPTO E A MÍDIA No segundo capítulo do trabalho, o assunto em destaque

4.1.3 Alguns eternos inimigos

Conforme já exposto no primeiro capítulo do presente trabalho, alguns “inimigos” estão sempre presentes no imaginário coletivo e parecem que não irão perder seu lugar cativo. São os preferidos pelo sistema penal em sua lógica seletiva e estigmatizadora.

E quem são eles: os praticantes de crimes contra o patrimônio, mormente aqueles homens pobres e negros, os quais superlotam nossas cadeias. Já foram vistas, quando se falou em Criminologia Crítica, todas as variáveis que levam à incriminação destes.

Portanto, sem maiores delongas, eis que o assunto já foi abordado no primeiro capítulo, os menos abastados que praticam crimes contra o patrimônio, que na lógica capitalista é o bem a ser tutelado com maior voracidade, são os eternos “inimigos”, os eternos vilões, que atormentam a vida dos “homens de bem”. 4.1.4 O novo inimigo – o corrupto

A psicanálise ensina que o ser humano é capaz de sentir prazer vendo o seu semelhante em situação humilhante ou mesmo ao ver o sofrimento deste. O gozo pela situação embaraçosa, vexatória do “outro”, é explicada por Dornelles nos seguintes termos:

Para a psicanálise, as pessoas têm o potencial de sentir prazer com a crueldade. E isto só é possível quando se coloca alguém

em uma posição de submissão, de

inferioridade. Assim, a morte ou a

humilhação do “outro”, do considerado diferente, do “não-igual” pode se tornar um espetáculo, um jogo lúdico. O ser humano tem esse potencial de gozar com a morte,

com a miséria ou com o sofrimento alheio259.

Repara-se, a partir do trecho transcrito, que sente-se satisfação a partir do sofrimento e da humilhação alheia, eis que quando isto ocorre o sujeito vê o outro como diferente de si mesmo.

Por isso, apesar de todos serem corruptos, conforme já explicitado no segundo capítulo, vibra-se com a prisão, condenação ou indiciamento por corrupção. Quanto mais alto for o coturno do selecionado, melhor. A rigor, não é necessário nem mesmo o indiciamento, pois a exposição midiática de uma situação que supostamente envolve corrupção já basta para o gozo alheio. Neste momento, pensa-se que aquele envolvido no escândalo é o ruim, é diferente daquele que acompanha toda cena sentado em seu sofá. Alívio!

Todo esse sentimento confortante é interessante para a mídia. Noticia-se a possível corrupção de um sujeito, o telespectador se sente mais leve e não muda de canal. Portanto, eis aqui um inimigo interessante, que dá lucro, pois além do sentimento citado, a audiência tem picos com notícias que envolvem tal sujeito, o corrupto.

Recentemente, alguns episódios renderam grande audiência para as emissoras de televisão e para os periódicos. Todos pararam para assistir, no ano de 2005, os desdobramentos da decretação da prisão preventiva de Paulo Maluf. Mais recentemente, todo o julgamento da Ação Penal nº 470, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, apelidada de “mensalão”, também atraiu a mídia e o povo. Desde os dias anteriores ao julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, até os posteriores a este, não houve um dia sequer que o assunto não tenha sido contemplado pela mídia. O povo,

259

eufórico, garantiu a audiência. Ecoou no senso comum pedido de punição, pois projetaram-se naqueles selecionados de colarinho branco todos os males da sociedade. A ação penal citada será melhor trabalhada a seguir.

Em abril de 2013, operou o trânsito em julgado de ação penal em que figurava no polo passivo o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, por crime de lavagem de dinheiro oriunda de esquema relacionado a desvio de verbas públicas na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, na década de 90260.

Por também supostos crimes ocorridos na década de 90, o falecido tesoureiro da campanha do ex-Presidente Fernando Collor de Mello, Paulo César Farias, chamado de PC Farias, chegou a ser condenado a quatro anos de prisão por sonegação e sete anos por falsidade ideológica, além de ter sido indiciado em quarenta e um inquéritos.

Nos dias atuais, inúmeros políticos respondem a processos judiciais, apesar de ainda serem escassas as condenações com trânsito em julgado e a efetivação de prisões destes. Entretanto, como já se consignou, o Brasil adentrou em uma, ao menos suposta, democracia, há poucos anos e, antes dela, mais difícil era chegar ao conhecimento dos órgãos responsáveis as notícias acerca de atos ímprobos.

Em um Estado democrático, sem censura da imprensa, esta promove investigações e procura por fatos que possam erguer os índices de audiência. Some-se a isto o fato de a população estar mais informada e, assim, cobra das autoridades a persecução e a punição.

Chega-se ao seguinte quadro: a democratização do país propiciou que os escândalos cheguem à mídia, cheguem ao conhecimento da população. Os órgãos responsáveis pelo controle, como a polícia, o Ministério Público e os Tribunais de Contas gozam de independência, podendo livremente atuar contra detentores do poder. O Poder Judiciário, da mesma forma261. Já a mídia encontra-se livre e quanto mais angariar fatos polêmicos e noticiar supostos casos de corrupção, mais terá audiência e, consequentemente, maior será sua arrecadação com publicidade.

260

BALIARDO, 2013. 261

Não se descarta que há interferência política em todos os órgãos citados. Entretanto, não há controle e sim intervenções esporádicas.

O temor é geral. Todos temem o Tribunal de Contas, a Polícia, mormente a Federal, o Ministério Público. Temem estarem com seus telefones grampeados e conversas somente ao vivo.

Portanto, um inimigo surge, com grande fomento pela mídia. O corrupto. É ele o responsável por todos os males da sociedade, como já visto. ‘Deve ser punido com rigor’, é o sentimento popular.

Entretanto, o corrupto é sempre o adversário político e jamais o companheiro, como bem anota Maria Lúcia Karam:

Este histérico e irracional combate à

corrupção, reintroduzindo o pior do

autoritarismo que mancha a história de generosas lutas e importantes conquistas da esquerda, se faz revitalizador da hipócrita prática de trabalhar com dois pesos e duas medidas (o furor persecutório volta-se

apenas contra adversários políticos,

eventuais comportamentos não muito

honestos de companheiros ou aliados sempre sendo compreendidos e justificados) e do acético princípio de fins que justificam os meios, a incentivar o rompimento com históricas conquistas da civilização, com imprescindíveis garantias das liberdades com, com princípios fundamentais do Estado de Direito262.